Por Milton Chamarelli Filho*
Desde a década de 1990 estamos sendo avassalados por livros de autoajuda. Se você entrar em uma dessas listas de livros mais vendidos, encontrará, entre os dez primeiros lugares no ranking, livros desse tipo.
Não entrarei nos “méritos” desses livros ou de sua possível eficácia, mas, se você tem uma conta em uma rede social, — além das mensagens motivacionais dos seus “amigos de WhatsApp” — já visualizou um incontável número de conselhos, na maioria em forma de frases de autores renomados, de anônimos e dos próprios donos das contas nessas redes.
É um universo tão novo e já tão complexo da comunicação digital que fica até difícil de deslindá-lo. Um fato é evidente: quanto mais informada e mais informatizada se apresenta a sociedade, mais entrópica ela parece.
O certo é que essas mensagens acabam funcionando como aforismos, e a aforização é um assunto tratado pela Análise do Discurso de linha Francesa, mas cuja forma de abordagem está em situá-la por uma perspectiva linguístico-discursiva, o que não é nosso propósito aqui. Antes, vou me ater a sua acepção dicionarística.
O que é um aforismo? “Máxima ou sentença que, em poucas palavras, explicita regra ou princípio de alcance moral; apotegma [‘dito ou palavra memorável, lapidar, proferida por personagem célebre’ – do mesmo dicionário]; máxima, aforismo, ditado”. Ambas definidas no Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, versão eletrônica.
Antes convém entender o porquê do aparecimento dessas mensagens que muitas vezes aparecem como inofensivas. E para tentar compreendê-las, começamos com um aforismo de Carlos Drummond de Andrade que ressalta a própria função do aforismo: O aforismo constitui uma das maiores pretensões da inteligência, a de reger a vida.
A partir da definição do Houaiss e a de Drummond, como uma máxima, o aforismo tem um caráter moral de orientação sobre a conduta humana. Mas por que esse tipo de enunciado se torna tão recorrente, tão usual?
Desde Copérnico, que postulou que a presença do sol era circundada por planetas, passando por Freud (com a descoberta do inconsciente), Marx (que demonstrou que a história da humanidade se fundamentava na luta de classes), e Nietzche (com a afirmação de que Deus está morto), somadas as duas grandes guerras mundiais, o ser humano perdeu as bases que o situavam, quase como o centro do universo ou como o centro de um universo que ele acreditava dominar.
Uma crise moral sem precedentes se instaura no homem do século XX e início do XXI, e hoje mantém-se “atualidade” da frase de Pascal: “Os silêncios desses espaços infinitos me apavora”. Espaços, hoje, “externos” e “internos”. Como preencher esse vácuo, senão pela linguagem? Por que nos tornamos quase que onipresentes nas redes? Aristóteles afirmou que a natureza não tolerava o vácuo; o homem moderno, pós-moderno o abomina, e o faz com os signos (representações) que podem “reger sua vida”, os aforismos.
*Milton Chamarelli Filho é professor titular da Universidade Federal do Acre (Ufac) e doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo