Acreanos na Disney

Era início da década de 90. O Colégio Santa Maria, localizado no Tropical, em Rio Branco, era considerado o must da educação e tecnologia, modernidade, tudo numa escola só. Foi o boom do reencontro de colegas de várias escolas, como Primeiro Passo, Anglo e Meta, sobretudo dos meninos que moravam nas redondezas do bairro. Não sei se isso foi muito bom, pois, em vez de turmas, formaram gangues, no sentido mais traquino da palavra. Mas isso virá em outro capítulo.

Como os alunos eram de famílias consideradas de classe média, média alta, ou “rico mermo”, e muito, tinham algumas brincadeiras, costumes, meio incompatíveis com a minha realidade. Não realidade financeira, é que minha mãe costumava ser meio radical nessa questão de “dar o que a gente pede”.

Certo dia, quando o brasileiro meio que se empolgou com o valor do dólar, surgiu uma oportunidade de negócio de uma agência de viagens da capital, que era de formar grandes grupos pra ir pra Disney, Orlando, Flórida, Estados Unidos, ver o Mickey e coisa e tal.

Até então, tudo bem. Eis que um representante da agência, foi de sala em sala distribuindo uns panfletos e dando aquela famosa explicação de vendedor pros meninos inocentes. Todo mundo foi à loucura! As meninas olhavam uma pra cara da outra, e davam aquele tapinha com as duas mãos se encontrando, com um diabo dum sorriso escancarado, diziam, “aiiiii, amiga, vamooooooo”, enquanto que os meninos, caracteristicamente, diziam “hein, bicho, nóis vamo, nóis, né?” e apertavam a mão um do outro. Eu, nem me empolguei, porque se eu tinha pedido um pogobol de Natal e ganhei um conjuntinho do Jaspion e uma lancheira dos Transformers (eu estudava o ginásio, ninguém usava mais lancheira), lá ia conseguir convencer minha mãe de me mandar pra Disney?

Enfim. Quando o cara voltou na próxima semana, com as fichas preenchidas pelos pais, dando uma confirmação de que eles iriam, que só faltava passar na agência pra pagar, eu não botei fé! Todooooo mundo tava indo pra Disney! Cara, aquilo pra mim foi meio esquisito. Mas eis que o carinha falou: “Mas se você ainda não pediu pros seus pais, ainda dá tempo!”

Quando eu cheguei em casa fui correndo pros pés da minha mãe e disse: “Mããããããããinnnnnnn, todo mundo da minha sala vai pra Disney, todo mundoooo!”

Ela, bem tranquilamente, o que era de praxe, disse “Meu filho, vai nada! Isso é só fogo de palha!”

Eu insisti “Nãaaaaummmm mãinnnnnnnn, é sério, o Renato, a Jana, o fulano, o sicrano, os pais deles até já assinaram a ficha”.

Ela, mais tranquila ainda disse “Meu filho, não vai não…” Eu, muito puto, disse “Ô mãinnnnnn, é sériooo, vai todo mundo!”

Ela, virou pra mim, mais serena ainda e disse, “Meu filho, tu não é todo mundo, tu não vai, então não vai todo mundo!”

Naquele momento minha ficha caiu. Mas o que me deu na cabeça de sonhar que um dia eu iria? Pra Disney?? Andar naquelas montanha-russa réa pôdi? Ver aquelas baleia réa pôdi pulano numa piscina réa pôdi? Logo eu???

Ergui a cabeça, e passei aquele fim de semana. Na segunda, não tinha quase ninguém na sala. A professora perguntou “Meu Deus, cadê todo mundo?”. Eu bem sossegado disse: “Professora, foram pra Disney!”

Ela, olhando praqueles gato pingado na sala, percebeu que a gente tava meio triste por não ter ido, e nos deu uma lição, pra que começássemos a entender as diferenças da vida e disse: “Tá bom, quem fez o dever de casa?” Eu pensei “Caray, fiquei bitolado nessa merda e esqueci!”

Enfim, perdi nota pelo dever, mas cheguei em casa e tive uma ótima surpresa. Minha mãe é sensível, sabe ensinar seus filhos e disse “Coloquei você na colonha di fériassss”. Olha que lindo!

Quando o povo voltou da Disney, mostrando as roupas do Hard Rock Cafe, patins Roller Blade, tênis novo e “us inferno”, eu mostrava a pepeta que eu tinha aprendido a fazer no Sesc!

Palavra da salvação.

Diego Lourenço Gurgel é publicitário, jornalista e repórter fotográfico; trabalhou a maior parte do tempo retratando o cotidiano do povo acreano, sobretudo os ribeirinhos, os indígenas e o modo de vida do amazônida, daqueles que vivem na cidade e dos que vivem em cada pedacinho da Floresta Amazônica. Gosta de comer bodó quando chove

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