De sabor forte e ácido, o cupuaçu é um fruto da Amazônia que ganha receitas versáteis sem precedentes nas mãos da chefe de cozinha Adalgisa Mariano. Natural de Cruzeiro do Sul, a segunda maior cidade do estado do Acre, Adalgisa está há cerca de 28 anos modelando o cupulate ideal, uma receita de sabor peculiar que caiu no gosto do público em várias regiões do país.
Feito a partir do pó do caroço do cupuaçu, Adalgisa molda e transforma o produto em “bambons”, uma nomenclatura criada por ela para os famosos bombons de cupulate que produz. “O cupulate não é chocolate, o cupulate é o pó do caroço do cupuaçu”, acrescenta.
Com apoio do governo do Acre, por meio da Secretaria de Estado de Turismo e Empreendedorismo (Sete), a chefe Adalgisa participou de feiras importantes, a exemplo da tradicional Expoacre, colocando as produções locais em evidência. Para o titular da pasta, Marcelo Messias, a gastronomia é um dos segmentos que destaca os sabores acreanos e garante um reconhecimento positivo do estado:
“A gastronomia é uma das manifestações turístico-culturais mais expressivas que fortalece um destino turístico, e a gastronomia acreana é riquíssima. Apoiar iniciativas que valorizem os produtos regionais é de extrema importância para preservar a nossa cultura, saberes e identidade do nosso povo. Cada dia mais vemos que acreanos estão se destacando em concursos Brasil afora. Nossos produtos fazem muito sucessos nas degustações e aulas-shows nas feiras nacionais de turismo, as feiras regionais de economia solidária oferecem pratos deliciosos, então temos que valorizar cada dia mais essa conquista de colocar o Acre em evidência pela diversidade de sabores”, destacou Messias.
Gastronomia: uma história de amor
Famosa pelas receitas de cupulate, Adalgisa Mariano explica que ao longo da vida trabalhou como chefe de cozinha autodidata. Apaixonada pela gastronomia, ela detalha que as receitas com o cupuaçu começaram a ganhar forma por meio da influência das tias Izete e Enice Mariano: “Uma vez eu torci o pé e, na época da safra, eu comecei a cortar o cupuaçu. E uma tia minha, tia Izete, já fazia os bombons. Ela me passou a receita e eu comecei a fazer. E quando eu já morava no Rio de Janeiro, uma outra tia acreana, tia Enice, disse assim: ‘Eu cozinhei o caroço do cupuaçu. Você que gosta de cozinhar, vê se dá de fazer alguma coisa’”.
A partir dos experimentos com o cupuaçu, Adalgisa passou a montar receitas em diferentes regiões do país e, viajando de volta ao Acre, um produto avistado na prateleira de uma loja ficou guardado em sua memória:
“Eu vim do Rio pra Cruzeiro do Sul para o casamento da minha irmã, e passando por Manaus, eu vi o cupulate na prateleira escrito em francês, inglês e japonês. Não tinha nada em português na latinha. Foi na época que os japoneses pegaram o cupuaçu, e fiquei com aquela imagem na cabeça. Depois de um tempo, eu voltei a morar no Acre e comecei a desenvolver sozinha o cupulate. Então, eu conheci o pessoal da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária]. O cupulate é patenteado pela Embrapa Belém, e eu comecei a fazer orgânico, usando o liquidificador, a maquininha e o forno doméstico. Isso já tem 28 anos, mais ou menos, e há 8 anos eu cheguei no ponto que eu queria. E hoje eu tenho o meu cupulate respeitado”, disse.
Nos últimos anos, após ter chegado ao ponto ideal do cupulate, a chef Adalgisa teve um grande apoio do chef acreano Deocleciano Brito que a incentivou a participar de eventos gastronômicos nacionais, e neste ano de 2024, a chef participou de vários eventos ao seu alcance, lembrando da amizade e o sentimento de gratidão ao apoio do amigo de profissão.
Reconhecimento
Morando em Manaus há cerca de três anos, em tratamento de saúde, Adalgisa explica que sempre recebeu convites para participar de projetos gastronômicos. Em fevereiro deste ano ela aceitou uma proposta de entrevista para a revista digital Bonapeti: “Muitas pessoas me convidaram pras coisas e eu não fazia, estava só cuidando da saúde. Mas em fevereiro, a revista Bonapeti me convidou pra uma entrevista e eu aceitei. A chefe Rafysa Assem saiu [na revista] antes de mim. A minha pequena grande notável, foi ela que me deu o título de Rainha do Cupuaçu, e agora eu carrego essa coroa com mais propriedade”, disse com sorriso no rosto. Em março, a matéria sobre a chefe Adalgisa foi publicada na versão digital da publicação.
Esse foi só início de muitas atividades para as quais Adalgisa seria convidada ao longo do ano: “Lá em Manaus as pessoas foram me descobrindo. E os clientes que eu tinha aqui do Acre souberam que eu estava lá. E com tudo isso, fui sendo convidada para algumas coisas, viajando para alguns eventos, cheguei a ser jurada no concurso nacional do Abras Chef [Associação Brasileira de Chefs de Cozinha e Bartenders], em Macapá [AP]”, destacou.
Em julho, a chefe participou da etapa regional do reality show Prato Brasil, um programa do Congresso Nacional das Mulheres do Agronegócio, em parceria com os canais Sabor & Arte e Terraviva, e apoio da renomada escola de gastronomia Le Cordon Bleu. Adalgisa foi a grande vencedora da etapa: “Confirmei a minha presença no reality show e eu tinha que usar obrigatoriamente o cupulate. E qual foi a minha surpresa: de todos os ingredientes na minha bancada, o jurado só conheceu o alho poró, e as minhas concorrentes usaram o tucupi, o jambú, o pirarucu, o açaí, e foi o cupuaçu que ganhou pela Região Norte. Então, é demais, é muita emoção”, disse a chefe.
Na etapa nacional, em São Paulo (SP), a chefe preparou uma receita especial, com ingredientes de vários estados: “Tinha que ser uma receita criada por mim, mas com ingredientes também de outra região. Levei de Manaus o cupulate em barra, do Acre eu levei o espumante de cupuaçu da Florisa Eu marinei um cordeiro do Rio Grande do Sul, usei o queijo de São Paulo e fiz uma mandioca ensopada com cupuaçu e cupulate”, lembrou.
No reality, 15 participantes das cinco regiões do Brasil foram avaliadas pelos jurados do Le Cordon Bleu. Na disputa final, a chefe acreana conquistou o terceiro lugar: “Eu fiquei muito orgulhosa que o Marcos Vieira, da Florisa, me apoiou porque eu queria marinar o cordeiro no espumante de cupuaçu do Acre. O cupuaçu mudou a minha vida”, destacou Adalgisa.
Estudo e dedicação: uma história de transformação
Além do trabalho com o cupuaçu, Adalgisa Mariano vivenciou mais de 20 anos como chefe de cozinha do seu negócio próprio, o restaurante Sabor e Companhia, em Cruzeiro do Sul: “Eu trabalhei muito nos bastidores do Sistema S. Sou chefe de cozinha autodidata. Eu nunca fui professora ou aluna de gastronomia de lá, mas fui prestadora de serviço. Eu tenho orgulho de dizer que nos grandes eventos do Sesc e Senai, lá em Cruzeiro do Sul, eu estava à frente como chef de cozinha”.
A chefe revela também que já teve restaurante em Rio Branco, a capital acreana, e que participou diversas vezes da maior feira agropecuária do estado, a Expoacre, incluindo a edição de 2023, com o apoio da Secretaria de Estado de Turismo e Empreendedorismo (Sete): “No ano passado, eu fui para os 90 anos da minha mãe, em Cruzeiro do Sul, aí eu vim e apresentei não só o cupulate, mas também as minhas farofas veganas, com produtos 100% naturais do Acre, como a gloriosa farinha de Cruzeiro do Sul”.
Cupuaçu: da casca ao caroço
Repleta de histórias de transformação e conquistas, a chefe pretende dar o exemplo para que outras pessoas possam mudar de vida, incentivando os estudos e dedicação, por meio de uma Escola de Gastronomia Básica para quem está iniciando na cozinha, e também pelo projeto Cupuaçu – da casca ao caroço:
“Eu sou mentora do projeto ‘Cupuaçu: da casca ao caroço’, um projeto que usa a casca para fazer as embalagens de presente e eu uso tudo do cupuaçu. O projeto nasceu, cresceu, virou adolescente e atingiu a idade adulta na cozinha do meu restaurante, lá em Cruzeiro do Sul. Hoje eu continuo o projeto com algumas parcerias em Manaus, mas eu tenho um grande sonho que eu pretendo realizar, que é montar uma cooperativa no Acre com as mulheres, pra que a gente possa produzir o cupulate e enviar pro mundo”.