A seca e os sinais da natureza – artigo de José Meirelles

 

Rio Acre, em Rio Branco, Acre. (Foto: Arison Jardim/Secom)
Rio Acre, em Rio Branco (AC) (Foto: Arison Jardim/Secom)

A seca é um fenômeno natural que sempre houve e sempre haverá. Mas, de tempos em tempos, ela se alimenta das mudanças naturais do clima e de nossas irresponsabilidades. Das mudanças naturais do clima existem estudos científicos com alguma dose de incerteza. Afinal, estamos longe de entender os desígnios da mãe natureza. Tentamos, todavia.

Já as nossas negligências conhecemos bem: desmatamentos desnecessários, corte raso da mata ciliar, fogo imprudente em campos – para a criação de gado – e milhões de toneladas de dióxido de carbono lançados na atmosfera todo dia, para citar só alguns exemplos.

E cá estamos, todos de boca aberta com a seca do Rio Acre e com a umidade relativa do ar baixa, muito baixa, para os padrões amazônicos.

Enquanto isso, o povo da mata, que nunca estudou meteorologia, adivinha as mudanças do tempo por sinais que as plantas e animais dão de graça. Sabe aquela formiga de correição, ou formiga de jacamim, que neste tempo está nas baixas dos rios, onde há alguma umidade e alimento? Quando as primeiras chuvas se avizinham, elas se mudam pra terra firme num cordão interminável e sinuoso. Como elas sabem?

As saracuras neste verão brabo estão mudas. Mas se elas começarem a cantar no fim da tarde é chuva na certa. Se você ouvir o som da manguá, aquela rã da mata, que canta “bu,bu,bu”, pode trocar o capote da casa.

“Prestenção” nos jaburus que vieram do Pantanal curtir o verão nas praias dos altos rios daqui e encher o papo de peixes dos igapós quase secos. Se eles alçarem voo em círculos e lá no alto do céu fizerem a famosa formação de viagem em “V”, na direção sul, acabou-se o verão. Vem chuva.

E aquela abelha a que denominamos “canudo”, porque na entrada de sua morada faz um canudo, cuja cera misturada com leite de guariúba torna-se cola em flechas dos índios? – Se a colônia estiver virando a entrada de sua colmeia para baixo, vem chuva.

Repare se os tracajás atrasaram a desova. Se sim, o verão vai longe. De tardezinha, observe o rio. Tem piabinha pulando sem motivo? Vem chuva. Tem pirapitinga subindo estirão quase de banda? Vem chuva. Aquele gavião, o cauã, tá cantado de tarde em pau seco ou enfolhado? Se for no seco o verão continua. No enfolhado, vem chuva.

Mas, enquanto os sinais não vêm, colabore. Não coloque fogo em campo. Não queime lixo. Deixe a beira do rio com alguma vegetação. E, se for queimar roçado nesta sequidão, não o faça com o sol quente. Faça ao fim da tarde, embora dê alguma coivara. É melhor que o fogo entrar na mata ao redor da sua morada.

Os animais que podem fogem. Outros queimam. As árvores que não morrerem no próximo inverno não colocarão flores nem frutos. Quem fugiu não volta. Onde o fogo passar na mata bruta, antes limpa e boa de andar, vai nascer só espera-aí, um cipoal danado, onde fica ruim de andar como o quê.

De resto é esperar que os meteorologistas e os sinais naturais nos tragam boas notícias. A vinda dela. A chuva.

José Meirelles é sertanista e conhecido como “o ‘véio’ do rio”.

Compartilhe:

WhatsApp
Facebook
Twitter