A poça da rua de trás

Eram meados de 1987, eu tinha seis anos.

Aquele frio era atípico pra quem morava num estado no meio da Floresta Amazônica. Ou fazia calor, ou fazia muito calor, e quando chovia ficava ainda mais abafado. Vento? Significava que ia chover! Já ouvi histórias de crianças que perguntavam “o que é isso, mãe?” quando sentiam uma rajada pela primeira vez em sua vida.

Sem rodeios, lembro-me de que aquele frio me despertava uma ânsia louca de ir pro meio da rua brincar! E o mais incrível é que parecia que não somente eu tinha aquela vontade… Porque quando eu descia o degrau da varanda da frente de casa, depois de ter ouvido berros eufóricos, ali estavam todos os meus amigos, uns de bicicleta, outros correndo, outros correndo de costas, ensaiando o voo de uma pepeta, que no dicionário paulista é pipa.

Meu bairro era tranquilo, mas pra qualquer pai imaginar que seu menino estava longe da vista era completamente inaceitável. Assim, o meu universo era composto somente pelos duzentos metros da rua da minha casa.

Acontece que havia aqueles garotos mais abusados que se aventuravam num passeio na rua de trás. Os mais tímidos, então, se enchiam de coragem e os seguiam. Para um moleque como eu, ir acolá parecia super-rápido e rasteiro. É que eu não tinha noção do tempo.

Lá na outra rua, a poça d’água formada após aquela chuva que trazia a friagem estava irrecusável! Uma mistura perigosa: meninos, bola e lama! Ah, tínhamos que arriscar alguns chutes.

Aquela água imunda, marrom, parecia não ser um problema que espirrasse nas pernas, na barriga, ora, até na boca, e daí?

Era bola na cara, mergulhos, risadas, até que… epa! Tenho que voltar!

Por mais rápido que eu corresse, parecia que a esquina da minha casa nunca chegava! Enquanto meus pés batiam na bunda, os mais bizarros pensamentos passavam pela minha cabeça! Meu pai ou minha mãe com certeza iriam me moer de peia. E eu podia contar, se fizesse besteira, que eles estariam me esperando ali na porta.

Pois estavam. Enquanto eu ouvia aqueles estrondosos gritos – a bronca – eu olhava, ora pro chão, ora pras minhas finas canelas cinzentas de lama seca. Pra cada grito “olha pra sua roupa!”, eu olhava cada detalhe dela, cada sujeira! A cada “olha pros seus pés imundos!” eu olhava, e conseguia ver a terra debaixo das unhas. Aí, então, aquela estalada e bem aplicada palmada no bumbum. “Vai já pro banheiro!”

Enquanto a água gelada – no Acre chuveirada morna é hábito recente – escorria pelo meu corpo, eu assistia a um flashback daqueles mergulhos, aqueles chutes, e aquelas – ah! – aquelas infinitas gargalhadas! Como eu queria voltar ali… Com certeza, eu faria tudo de novo!

Diego Lourenço Gurgel é publicitário, jornalista e repórter fotográfico; trabalhou a maior parte do tempo retratando o cotidiano do povo acreano, sobretudo os ribeirinhos, os indígenas e o modo de vida do amazônida, daqueles que vivem na cidade e dos que vivem em cada pedacinho da Floresta Amazônica. Gosta de comer bodó quando chove