A permanência e a fragilidade do símbolo

Por Milton Chamarelli Filho*

Maradona morreu. Talvez devamos nos perguntar por que sentimos tanto a morte de um ídolo, em meio à pandemia e a tantas mortes. Talvez até devamos nos questionar se deveríamos cultuá-lo, uma vez também que a seleção argentina era a nossa principal rival. Por motivos vários, não haverá quem diga que o consagrado jogador da seleção argentina “não morreu”, assim como aconteceu com Elvis Presley, que até hoje é reverenciado por fãs que acreditam que o Rei do Rock ainda vive. Mas há tanta visibilidade no mundo em que vivemos que seria difícil ocultar alguém cuja arte ganhou uma dimensão inefável.

Popularmente dizemos que alguém é um símbolo, quando se transforma em uma referência para uma ou mais gerações. Muitos até afirmam que precisamos dele para guiar as nossas ações, nos espelhar nele. Em parte, isso é verdade porque o ídolo é quase sempre uma síntese de aspirações que se desenvolvem em uma sociedade. Nesse sentido, ele ganha uma vida ímpar quase também distinta e “acima” de nós, a ponto de acharmos que ele é imortal. E, de fato, o é.

Encarnado o mito, Maradona já era um símbolo, uma imagem, ao mesmo tempo, repleta de referências e efêmera. El Diez, como assim também era chamado, era uma “narrativa dos tempos fabulosos e heroicos”, para aqueles que não o viram jogar; uma “narrativa na qual aparecem seres e acontecimentos imaginários, que simbolizam forças da natureza, aspectos da vida humana, etc.”, para aqueles que viram a Argentina ganhar a guerra simbólica, futebolística contra a Inglaterra, na Copa de 1986; uma “representação de fatos ou personagens reais, exagerada pela imaginação popular, pela tradição, etc.” para aqueles que o tinham uma caricatura de quem ele foi e ainda era. Dieguito passeia agora entre as definições de um dicionário (Aurélio), incorpora o mito  e ganha o campo do simbólico e até do sagrado. Há de se lembrar aqui que três fãs fundaram uma igreja, em Rosário, em homenagem ao ídolo portenho.

O símbolo é aquele elemento que ganha uma existência própria, que não pode ser apagado porque continuará a existir. Dessa forma ele permanece intocável, “inoxidável” até. Verba volant, scripta manent, diz um um provérbio latino que significa “as palavras voam, a escrita permanece”. Quantas pessoas não foram ao velório de Maradona e depositaram sobre o caixão suas flâmulas, bandeiras, camisas etc., prestando tributo àquele que as fez sorrir e chorar? E é nesse ponto que ele se encontra com tantos outros ídolos, porque sua vida estava plena de humanidades, de coisas para as quais nós, também humanos, estamos tão vulneráveis: a fama e a queda, o desejo e o vício, o riso e o choro.

Essa talvez tenha sido a maior virtude de El Pibe de Oro. Mostrar que somos frágeis, fugazes, repentinos; mostrar que todos podemos errar, amar loucamente, ganhar e perder, e mesmo assim ainda podemos tocar em La Mano de Dios.

*Milton Chamarelli Filho é professor titular da Universidade Federal do Acre (Ufac) e doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

 

Compartilhe:

WhatsApp
Facebook
Twitter