A natureza selvagem da estratégia

Quando leio sinto que estou tecendo o tempo entre os meus dedos, como um pássaro constrói vagarosamente o seu ninho. Estudar é brincar com o tempo e quem pode com ele? A busca pelo conhecimento é uma aventura tão perigosa, quem procura sabe. Porventura ver a coisa crua, diáfana, no limiar da razão é um princípio de loucura.

Retomei velhas leituras sobre teoria do planejamento, uma vaga revisão conceitual sobre a estratégia. Esse percurso me levou aos campos de batalha, aos bastidores da guerra, aos proscênios da política e às coxias do jogo.

A descoberta do mundo através da leitura é um exercício investigativo de atenção aplicada. Imagine-se como um detetive em busca de pistas. Faça perguntas enquanto lê, as respostas devem ser dadas por você ao longo da leitura. Lembre-se, a riqueza do estudo não está na descoberta da resposta, mas no caminho trilhado sobre a relva da dúvida; quanto mais as verdades se aproximam, mais nos distanciamos do objeto desejado.

A estratégia, essa visão subjetiva sobre o futuro, dotada de inteligência matemática, lógica e imaginação, é capaz – com a sua potência indolor – de interceptar uma curva geométrica distinta e deslocar o ponto de equilíbrio competitivo, tornando qualquer organização viável no mercado.

O raciocínio velado na ideia da estratégia encontra raízes subterrâneas na guerra, na política e no jogo. Ora, o que inflama uma guerra, a política e o jogo?

Regredi mais de 2.500 anos para conhecer o filósofo, general e estrategista chinês Sun Tzu, o primeiro de que se tem notícias a formular um tratado sobre a guerra, que o rei Hu Lu chamou de teoria de dirigir soldados, era a sua subliminar “Arte da Guerra”. Uma das máximas do general versa sobre conhecer o inimigo, coisa dita de outra maneira por Platão, Buda e Jesus Cristo.

Nesse mesmo caminho, conheci o japonês Miyamoto Musashi – o Santo da Espada – e seu “Kendo”, a arte conservada pelos samurais para aguçar a sensibilidade e a percepção sobre as coisas que não podem ser vistas.    Ainda me enveredei ligeira e superficialmente pelo ideal “Da Guerra” de Carl Von Clausewitz e seu aforismo: “A guerra é a continuação da política por outros meios” e entrevi algumas conjecturas sobre a guerrilha de Mao Tsé-Tung no seu “O Livro Vermelho”.

Nicolau Maquiavel e o seu “O Príncipe”, influente obra de ciência política, desfia axiomas filosóficos, encenando a arte de conquistar o poder político e efetivamente praticá-lo. A política esconde no jogo pelo poder uma batalha semelhante a uma guerra. A humanidade vive em estado contínuo de destruição em busca de um estado de paz?

Matus, formulador do Planejamento Estratégico Situacional (PES), ex-ministro da economia do Chile, diz que planejar o futuro é um jogo de cálculo e aposta, precisão e incerteza, a velha equação dual.

Imagine a disposição do tabuleiro de um jogo, mire o lugar de cada peça e as inúmeras possibilidades de jogadas de cada uma delas. É de se perguntar: quem está jogando? Qual o poder de cada peça? Quais os pontos mais altos de cada jogada? Como confrontar o adversário e alcançar o objetivo? O que move um jogo? É impressionante como cada movimento da competição é calculado com base em milhares de variáveis as quais o autor que planeja o futuro não controla.

Na teoria dos jogos – um ramo da matemática aplicada dedicado ao estudo das escolhas de indivíduos – é inteligível o quanto a estratégia determina a dinamicidade do jogo. Na disputa, as jogadas influenciam-se mutuamente, levando-nos involuntariamente a lembrar do Templo de Apolo com a máxima “Conhece-te a ti mesmo” ou (antes de temer cem batalhas) “Conhece o inimigo” e até mesmo chegar perto do Filho do Homem “E conhecereis a verdade e a verdade vos libertará”. Tudo faz parte do jogo.

Buscar as referências bibliográficas apropriadas para iluminar o escuro do desconhecido é auscultar o tempo. Estudar é como escrever uma história, tem de ter um sentido e uma direção claras, indagar, contrapor, gerar hipóteses, fechar ciclos conclusivos e abrir novas portas, pois a matéria das coisas nos ultrapassa e flui para o indeterminado.

Estabeleça uma intimidade com o seu livro. Sublinhe os trechos principais, aqueles mais contundentes, circule palavras-chaves ou frases que possuem substância, escreva nas margens das páginas, pergunte, pergunte, pergunte. Estudar é decifrar a natureza das coisas, é a magia da razão, é pensar com ideias, símbolos e métodos, nos obriga ao esforço tremendo da concentração e do silêncio.

Sun Tzu exibe o Tao. Musashi toca a sutil face de uma espada. Clausewitz alerta para a astúcia do jogo. Mao Tsé-Tung assevera a coragem extremada da revolução e Maquiavel ergue e desnuda a mão do invisível, enquanto tudo se transforma. Por pior que pareça, a guerra não é o fim, a política não é o meio e o jogo não é o começo. Eis a natureza selvagem da estratégia. Para quê planejar o futuro? Você planeja? Na dúvida, recorra aos livros e leia.

 

Bethe Oliveira é economista, especialista sênior em planejamento estratégico e gestão pública e autora de “Loucas e Bruxas, Bruxas e Loucas: contos e poeminhas”, Editora 3 Serpentes

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