A internet tem se demonstrado como um instrumento cada vez mais poderoso de propagação da informação. Interessante como determinadas assertivas se tornam hashtags em questão de poucos minutos. Em tempos de informação instantânea, em que cada indivíduo se converte em jornalista de si mesmo, insisto em reafirmar que cada vez mais se faz vista grossa para a observância de um dos princípios básicos do jornalismo: o do contraditório, necessário para o contraponto entre diferentes versões sobre o mesmo fato.
Na semana que antecedeu a esse 1º de abril de 2012, Dia da Mentira, três conjuntos de fatos noticiosos, propalados pelas redes sociais, sites e blogs no Acre, chamam a atenção pelas questões a eles subjacentes:
1) A noticiada não formação/titulação acadêmica do Diretor-Presidente do Instituto Dom Moacyr, Irailton Lima Souza, com o respectivo indeferimento de seu requerimento de colação de grau, grau este supostamente necessário para o exercício do cargo de provimento em comissão de Diretor de Integração das Redes de Educação Profissional, da SETEC/MEC, cargo para cujo exercício fora convidado pelo atual Secretário Nacional de Educação Profissional e Tecnológica;
2) A série de reportagens jornalísticas, intitulada “Retratos da Educação”, em que se apontam deficiências na infraestrutura de escolas rurais de diversos municípios do Acre;
3) A suposta negativa do Governo do Acre em receber alimentos e donativos arrecadados com o Jogo da Solidariedade.
Sobre a polêmica envolvendo o nome de Irailton Lima, afora o fato de que não se é exigida formação ou titulação de nível superior para o exercício do cargo para o qual fora convidado, chama a atenção o seguinte: qualquer aluno de um curso de qualquer instituição federal, estadual ou particular de ensino superior, ao entender que cumpriu com todas as suas obrigações acadêmicas, tem direito de requerer sua colação de grau especial, extemporânea. Cabe à Coordenação de Curso ou unidade universitária responsável deferir ou não tal requerimento, a partir do entendimento de que o aluno cumprira ou não todos os requisitos. Se forem constatadas pendências, é dever da instituição não deferir a solicitação. Nada mais, nada menos do que isso.
O que ocorreu, contudo, não foi exatamente isso: a Coordenação do Curso de Ciências Sociais da UFAC se insurgiu, publicamente, em reprimenda a supostas críticas do aluno dirigidas à instituição (que críticas?), quanto ao suposto fato de que o aluno fizera o seu requerimento de colação de grau dirigido à Vice-Reitoria e não à Coordenação de Curso, o que não é verdade. Ao que me consta, o aluno fizera, sim, o seu requerimento de colação de grau à Coordenação de Curso ainda no ano de 2010. O aluno procurara a Vice-Reitoria, agora em 2012, em virtude do fato de que seu requerimento ainda não havia sido apreciado pelo Colegiado de Curso até aquela data.
Vencido o suposto mal-entendido sobre a instância à qual o aluno deveria se reportar para solicitar a sua colação de grau e tendo o Colegiado de Curso se debruçado sobre o requerimento do aluno, em vez (e mesmo antes) de simplesmente indeferi-lo por entender que não estavam presentes os requisitos em sua inteireza, a Coordenação do Curso expôs o histórico escolar do discente ao público em nota direcionada a veículo de imprensa e, mais do que isso, externalizou, na mesma nota, questionamentos quanto à suposta “autoridade” do aluno em tecer críticas à UFAC (mas, que críticas?), sob a alegação de que estaria apenas cumprindo a legislação educacional em vigor e com o entendimento de que tais críticas (mas que críticas, meu Deus?) não seriam “o melhor caminho para quem pretende cuidar do futuro de milhões de jovens brasileiros que aguardam ansiosamente as oportunidades do PRONATEC, programa em que o aluno parece pleitear um cargo de direção.”
Ou seja, para se defender das supostas “críticas” do aluno, direcionadas à instituição pelo fato de ela não ter analisado o seu requerimento e por haver severas contradições em seus registros acadêmicos, a instituição ataca, expondo o histórico de seu discente e “desautorizando-o” a proceder com qualquer reclamação, já que ele não seria digno para tanto, uma vez que não teria cumprido suas obrigações acadêmicas a tempo e a hora. Mais do que isso, conclui que, se o discente não fora sequer capaz de concluir com o seu curso, tampouco teria capacidade para assumir o cargo federal para o qual estava sendo convidado. Sem relação de causa e efeito entre as afirmações e as conclusões.
Daí pergunto: qual o motivo para promover a execração pública de um aluno, acusando-o de ter recorrido ao “jeitinho brasileiro” quando este apenas pleiteava, regularmente, um direito para o qual acredita já ter preenchido os requisitos? Só posso concluir que não houve outra ordem de motivos, senão de natureza política. Da má política, diga-se de passagem.
Já sobre a situação de infraestrutura das escolas públicas rurais em municípios do Acre, em especial as do Rio Liberdade, no município de Cruzeiro do Sul, o que não se diz em nenhuma das reportagens que constituem a série é que a obrigação constitucional sobre o primeiro segmento (ou séries iniciais) do ensino fundamental, que compreende do 1º ao 5º ano, é dos municípios. Deixa-se de dizer várias outras coisas, como o fato de a maioria dessas escolas estarem sendo contempladas, neste fim de 2011 e início de 2012, com transferências voluntárias de recursos para que possam proceder, autonomamente, com as suas próprias reformas, mas o principal é a tentativa de confundir a opinião pública sobre a quem de fato recai a obrigação constitucional sobre tal modalidade de educação e respectivo público. Mostram-se crianças em idade escolar desse segmento de ensino, mas nada se considera sobre a inércia da Prefeitura Municipal de Cruzeiro do Sul a respeito disso. Por que então dizer que há “descaso” do Governo do Estado, quando, em verdade, a responsabilidade sobre as crianças do Rio Liberdade em idade escolar compatível com o 1º ciclo do ensino fundamental é da Prefeitura Municipal de Cruzeiro do Sul e o Estado tenta, tão somente, compensar a inércia daquele ente Público Municipal?
Por fim, sobre a suposta negativa do Governo do Estado em receber os donativos e arrecadações do Jogo da Solidariedade, considere-se o seguinte: não se viu em canto algum declarações do Governador ou do Governo de que não receberia tais donativos. O que se viu foi a seguinte seqüência de fatos: 1) houve o anúncio da realização do Jogo da Solidariedade, que arrecadaria donativo para as vítimas da algação; 2) houve o anúncio de que a campanha Acre Solidário, coordenada pela Primeira-Dama, Dona Marclúcia Cândida, havia encerrado suas arrecadações; 3) ato contínuo, advém a ilação blogueira (sem declaração de qualquer uma das partes) de que a campanha só encerrara as arrecadações para não ter que receber os donativos do jogo, que estava sendo organizado por políticos de oposição ao Governo; 4) a partir daí, houve declarações hostis de jogadores-artistas-
A chave da questão aí é que depois do ponto de número 3, que consiste em uma suposição de caráter crítico, livre, maldoso e não fundamentada em fatos, tudo se baseia em uma falsa-premissa: a de que o Governador teria declarado (ou determinado) que não se recebessem donativos oriundos do Jogo, o que não ocorreu em absoluto. Falou-se, reproduziu-se, mas ninguém perquiriu a respeito da veracidade dos fatos. O fato da campanha Acre Solidário (que é tão somente uma mobilização, sem caráter institucional) ter encerrado seu período de arrecadação não impede que as demais instituições (essas sim, de caráter permanente) continuem a receber donativos.
A mentira é mesmo como um rastilho de pólvora. Mas a mentira, em si, que pode se convolar juridicamente em prevaricação, perjúrio, injúria, calúnia, difamação, dentre outras, nem sempre precisa se fazer presente para causar seus efeitos danosos. Ela pode, como nos três casos analisados acima, comparecer de forma mais sutil, travestida de insinuações, de falsas ilações, de argumentos truncados ou burlescos. E assim ganha o mundo, com a sutileza que lhe é peculiar, tendo por verdade aquilo que só existe na mente doentia de quem não faz outra coisa senão tentar atrapalhar quem se movimenta. Certo ou errado, mas se movimenta.
Daniel Zen, Secretário de Estado de Educação e Esporte