Maria Elizabete, 42, nasceu na Serra do Divisor, próximo à fronteira peruana, e mora há 15 anos no Croa. Entre um endereço e outro, morou por quase um ano em Cruzeiro do Sul, único período de sua vida em que teve o privilégio de acender uma lâmpada ou beber água gelada. Foram 41 anos vivendo em áreas isoladas, de difícil acesso e sem energia.
“Tinha muita gente que não acreditava que um dia a luz chegaria. Eu sempre acreditei em Deus, fui criada numa família religiosa e aprendi a esperar Nele. Quando vieram falar que o Luz para Todos estava chegando eu fiquei com medo de ser mais uma promessa de político, mas em seguida o trator passou na frente da minha casa e eu tive a certeza que era a benção que a gente tanto esperava”, disse.
Um dia, ela contou, chegaram três homens. O barqueiro ficou conversando com Maria Elizabete enquanto os outros dois atravessaram para o outro lado do rio, onde a rede de energia está instalada. “E eu não prestei atenção que eles foram mexer no transformador. No meio da conversa alguém gritou do lado de lá: liga a chave! Eu tomei um susto de alegria e gritei pra minha vizinha: chegou luz! Chegou luz na minha casa!”, lembrou.
Hoje a casa de madeira à beira das águas escuras do Croa é iluminada pelo programa Luz para Todos. A família de Maria Elizabete está economizando para comprar os eletrodomésticos. A geladeira vem antes da televisão. “Eu detesto comer ‘salgado’, mas era a única alternativa que a gente tinha pra conservar a caça, a carne. Agora não. Vou poder trazer um refrigerante, um iogurte pras crianças quando for à cidade. Eu não tinha motor, então aqui era à base de lamparina para ‘alumiar’ de noite”.
A geladeira que passou um ano desligada
Num desses momentos em que se resolve dar novo rumo à vida, eles deixaram o Croa pra trás e mudaram para uma fazenda, onde o marido seria caseiro. Passaram um ano por lá e neste tempo compraram, além de uma geladeira, uma televisão. De volta ao Croa, Rosileide Almeida de Lima, de 28 anos, resistiu, bravamente, a todas as propostas de compra dos aparelhos e, como toda boa brasileira, não desistiu de esperar pelo dia em que a energia finalmente chegaria à comunidade de 41 famílias que moram às margens de uns dos rios mais bonitos do Acre.
A geladeira e a televisão de Rosileide e Ronyr Nascimento ficaram desligadas por ano. “Mas eu sempre acreditei que um dia a luz iria chegar aqui. Não faltou comprador, mas eu não vendi.
A dona da casa de madeira, pequenina, mas com uma varanda para receber os vizinhos e atar a rede para as crianças assistirem à televisão, conta que a energia em casa muda não só hábitos: é também uma questão de saúde.
“A luz muda nossa vida. Em tudo. Até na comida. Eu não gostava de dar tanto sal pras crianças comerem, mas antes tudo precisava ser salgado. A caça está cada dia mais difícil, e quando conseguia, era preciso salgar a carne ou dividir com os vizinhos. No dia seguinte já não havia mistura de novo. Com a geladeira isso muda. Dá pra armazenar, preparar no dia seguinte. Hoje eu tô economizando sal”, disse sorrindo.
As crianças também ganharam mais uma diversão, além de brincar no quintal ou na beira do rio. “Às vezes o quintal ficava alagado, elas não tinham muito o que fazer e eu ficava com dó. Eu queria que elas tivessem uma distração dentro de casa”, comentou.
A luz e o Croa
No princípio criou Deus os céus e a terra e Deus criou a luz, e viu que era boa, e fez separação entre luz e trevas. Genêsis conta a história da criação do mundo e mostra que a luz foi a primeira criação de Deus após os céus e a terra. No Croa a luz demorou bem mais tempo para chegar, sendo fruto de uma luta da comunidade, que passou a se organizar nos últimos dez anos, e do esforço dos governos federal e estadual.
“O pedido que o governador Tião Viana me fez foi transformar o impossível em possível, sem medir esforços para trazer para comunidades como essa o direito que cada família brasileira tem de ter energia em casa”, disse o coordenador estadual do programa Luz para Todos, Petronilo Filho, o Pelezinho.
A ocupação do rio que nasce num buritizal próximo a Marechal Taumaturgo e esconde, em suas águas escuras, peixes, cobras e jacarés, além de alimentar toda uma fauna e flora exuberante, não é tão grande. A maioria das famílias se concentra numa área próxima a Cruzeiro do Sul, formando uma comunidade de 41 casas que foi atendida pelo programa.
“O Croa é esse lugar lindo, abençoado por Deus, com essa beleza que encanta. A luz aqui era uma luta antiga da comunidade, uma necessidade de todos. Com energia melhora a qualidade de vida e saúde dos moradores. Com luz é possível oferecer ensino durante a noite e muitas outras possibilidades. As mulheres podem trabalhar a noite fazendo os artesanatos, vem junto com a luz as condições de desenvolver a economia através de atividades sustentáveis”, disse Daniel de Paula, um dos líderes da comunidade.
Inclusão através da energia
No Acre o programa Luz para Todos já atendeu 40 mil famílias e instalou mais de 12 mil quilômetros de rede de energia. E não pense que levar postes, fiação elétrica e transformadores para áreas isoladas e de difícil acesso é tarefa fácil. Implica em atravessar rios, igarapés, floresta fechada.
“Quase sempre a comunidade ajuda, se empenha mesmo neste esforço de carregar os postes, muita vezes nas costas, de ajudar as equipes. Mas nós temos vencido todos os desafios porque esse programa é gratificante, é maravilhoso ver o sorriso das pessoas quando a energia chega à casa delas, no meio da Amazônia, na beira de um rio, dentro de um seringal”, disse o coordenador estadual do programa.
Em 2012 a meta do programa é atender cinco mil famílias. No Brasil a luz já faz parte da vida de milhares famílias, todas moradoras de áreas de difícil acesso, isoladas. O mapa da exclusão elétrica no país foi o que motivou o governo federal a investir no programa Luz para Todos, transformando-o em um dos maiores programas de inclusão social do país. Cerca de 90% das famílias atendidas têm renda inferior a três salários mínimos e 80% estão localizadas em áreas rurais. O programa é também um mecanismo que integra os planos do “Brasil Sem Miséria” e “Acre Sem Miséria”, age como vetor de desenvolvimento social e econômico das comunidades atendidas, contribui para o aumento da renda familiar e a redução da pobreza.
“Meu vizinho vai vestir saia”
No Croa, teve morador que prometeu usar saia quando a energia chegasse, acreditando que isso nunca aconteceria. Mas nunca é um período de tempo usado apenas por quem tenta transformar o difícil em impossível: no ano passado, os moradores foram surpreendidos com as equipes do programa Luz para Todos. No final de novembro a rede estava instalada.
“E eu agora tenho dito pro meu vizinho que está na hora dele abandonar as calças e as bermudas, como dizia que iria fazer, e começar a usar saia, porque a luz chegou no Croa”, brinca a moradora Maria Elizabete, sorridente, feliz por receber ‘gente de fora’ em sua casa.
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