A leishmaniose que habita as florestas – Série Doenças Tropicais

A leishmaniose é outra das chamadas doenças tropicais que atinge o Acre, um mal não só incômodo na vida de centenas de pessoas pelas características particulares da doença em si, mas também por seu tratamento, famoso pela grande quantidade de efeitos colaterais sobre o doente. No Acre, a doença tem se proliferado principalmente em Assis Brasil, Brasileia, Feijó, Rio Branco, Sena Madureira, Xapuri e Cruzeiro do Sul, que juntas concentram 71% dos casos.

olho-leishmaniose-thennyson-passosO Acre sozinho contribuiu com 6,3% dos casos de leishmaniose diagnosticados em todo o país e 15% em relação à Região Norte. É uma doença quase exclusiva da zona rural, cujo protozoário responsável é transmitido por um mosquito que habita principalmente as florestas, atingindo no Acre populações extrativistas e moradores de áreas de reserva florestal.

Só em 2012 foram registrados 1.236 casos de leishmaniose. E é Sena Madureira (144 quilômetros de Rio Branco) que tem apresentado um dos quadros mais preocupantes, com aumento de 39% dos casos no último ano, o que corresponde hoje a 2,79 casos para cada 1.000 habitantes.

Há duas formas de leishmaniose: a tegumentar, causada pela Leishmania braziliensis, L. amazonenses, e a L. guyanensis (as duas últimas restritas à região amazônica), que acometem só a pele. A pessoa tem uma ferida que não cicatriza e descobre que está com a doença quando vai ao médico e faz uma biópsia. A outra é a leishmaniose visceral, causada pela Leishmania chagasi, em que há comprometimento do fígado e do baço. É a tegumentar a mais comum no Estado.

Verdadeiro transtorno

Tudo na leishmaniose é incômodo – desde a doença em si, que deixa o corpo da vítima completamente dominado por feridas que não cicatrizam e possuem aspecto desagradável, até o tratamento, bastante forte e que pode gerar sequelas em órgãos vitais. “A imunidade também conta. A pessoa pode apresentar desde pequenas feridas até ter o corpo dominado por elas”, explica o médico infectologista Thor Dantas.

Complicando ainda mais, cachorros também funcionam como reservatório do parasita. E como o animal é muito comum em propriedades rurais, a contaminação se torna mais fácil. O mosquito pica o cachorro e infecta o homem.

Raco Tanomaru foi uma vítima da doença. Engenheiro florestal da Secretaria de Desenvolvimento Florestal, da Indústria, do Comércio e dos Serviços Sustentáveis (Sedens), Raco foi vítima do próprio trabalho, quando fez uma viagem de dez dias à Reserva do Antimary, na região próxima de Sena Madureira, e foi contaminado. “Surgiram várias feridas na minha pele. Aí aparecia a ‘casquinha’, caia, mas não cicatrizava e ficava reaparecendo”, conta Raco. “É uma doença comum entre os engenheiros florestais daqui. Quase todos já pegaram”, recorda.

É importante destacar que, nas regiões de risco, lesão na pele que não cicatriza merece atenção especial, porque a forma mais leve da enfermidade não dá febre ou mal-estar nem o doente fica acamado. Em alguns casos, pode aparecer comprometimento da região do septo nasal – o nariz sangra e descasca. Às vezes, há colabamento e o odor é fétido. O otorrinolaringologista é o médico indicado para diagnosticar o problema e conduzir o tratamento, mas no Acre os infectologistas são os principais responsáveis, junto com dermatologistas.

“Tenho medo de pegar de novo. Agora toda vez que eu vou trabalhar em campo levo repelente, blusa de manga, calça...”, afirma Raco (Foto: Angela Peres/Secom)

“Tenho medo de pegar de novo. Agora toda vez que eu vou trabalhar em campo levo repelente, blusa de manga, calça…”, afirma Raco (Foto: Angela Peres/Secom)

A leishmaniose tem cura. Existe um remédio específico sob a forma de injeção que o paciente deve tomar durante 21 dias. E é aí que começa outra tortura: a injeção diária é cheia de efeitos colaterais. “Parecia que eu estava tendo uma dengue. Todos os sintomas. Tenho medo de pegar de novo”, recorda. E, mesmo depois do sucesso do tratamento, precisou fazer hemogramas com frequência para descobrir se algum órgão foi atingido pela forte medicação.

Ainda assim a doença pode ser readquirida e cuidados se tornam necessários. O engenheiro florestal conta: “Tenho medo de pegar de novo. Agora toda vez que eu vou trabalhar em campo levo repelente, blusa de manga, calça…”.

Políticas públicas

A leishmaniose no Acre possui em média um coeficiente de detecção de 140,2 casos por 100 mil habitantes/ano, estando na classificação de coeficiente de detecção de muito alto, segundo parâmetro de classificação. O governo do Estado tem tomado muitas ações para mudar esse quadro, mas não é fácil tentar controlar uma doença que está espalhada nas florestas.

Entre as ações estão o aprimoramento da rotina de serviço como capacitações para os profissionais de saúde, desenvolvimento de estratégias de informação e educação em saúde para prevenção da doença, assessoria técnica e supervisão sistemática em todos os municípios do Estado, monitoramento da estrutura do programa de combate à leishmaniose, bem como a qualidade do diagnóstico através de laboratórios e tratamento, avaliação da situação epidemiológica em cada município com identificação dos principais problemas, entre outras.

Segundo a Secretaria de Saúde do Acre, se comparado o ano de 2012 com 2011, observou-se um aumento de 19% do número de casos. “Porém, não podemos explicar o motivo dessa redução, pois não foi feito inquérito entomológico nas áreas mais endêmicas do Estado, apenas a carta flebotomínica”, explica Carmelinda Gonçalves, técnica responsável pelo controle da leishmaniose.

Compartilhe:

WhatsApp
Facebook
Twitter