A história do Acre também é a história das mulheres do Acre – depoimento

Ontem à noite tive um encontro emocionante com a história do Acre, que disse para mim: “Oi, estou aqui e quero falar com você”. Foi assim que me senti ao participar do evento “Entardecer com Chico Mendes”, em frente ao Palácio Rio Branco, na capital.

Somos uma história em construção e os personagens circulam entre nós, não precisamos procurar nos livros, podemos tomar um café e ouvir os detalhes, contados por quem estava lá.

Sou de uma família de muitas mulheres, que desde muito cedo tiveram que aprender a ser fortes. Minha avó materna, Maria de Nazaré Perez, para defender os sete filhos da violência e do alcoolismo do marido, foi obrigada a descer o Rio Acre, de Assis Brasil a Brasileia, numa pequena canoa, comendo melancia nas praias e contando com a solidariedade dos ribeirinhos. Criou todos os filhos lavando roupa e vendendo tacacá. Nunca faltou em sua pequena casa a coragem, a determinação e o trabalho. Ela acreditava na educação e teve a satisfação de formar quatro filhos, que escolheram como sacerdócio o magistério.

Quando vejo Marlene Mendes, prima de Chico Mendes e filha de dona Cecília Mendes, a matriarca do Seringal Cachoeira – que faleceu neste ano e foi homenageada por sua coragem –, tenho orgulho de ser mulher e pertencer a este estado.

Afinal foi de Marlene a ideia ousada de colocar as crianças e as mulheres à frente dos homens no empate histórico de 1988, todos lado a lado, cantando o hino nacional para defender a floresta da qual tiravam o sustento, contra jagunços armados.

Ontem, durante a solenidade, ela subiu as escadarias do Palácio com passos firmes, a simplicidade e a coragem que sempre nortearam sua vida, num vestido cheio de flores. Tinha o olhar altivo de quem sabe quem é, de onde veio e tem a ciência de que seu nome na história é uma consequência natural das escolhas e decisões tomadas para defender o que mais ama: sua família, seu povo e a  floresta.

Em cada passo dado por Marlene, vi uma mulher que sofre violência, uma mulher criando os filhos sozinha, uma mulher estudando, trabalhando, sonhando, chorando, rindo e escrevendo sua própria historia.

Na mesma escadaria, a neta de Chico Mendes, Maria Helena, que ainda dá os primeiros passos, procurava pela mãe Elenira Mendes, que, junto com Sandino, Ângela e Ilzamar Mendes também participaram da homenagem, ora com lágrimas ou com o silêncio doloroso de quem perdeu o pai, tem que aprender a viver com a memória um heroi e, principalmente, a manter vivo seu legado.

Cada palavra, cada movimento estava carregado de sentido, emoção e verdade de uma história recente que precisa ser contada e recontada para que ninguém esqueça das marlenes, marias, marinas, dolores, julias, ângelas, ivones, eleniras, peregrinas, cecílias, angélicas, raimundas, sebastianas, anas, reginas, antônias e ilzamaras que ainda lutam contra a violência, a pobreza e todo dia têm que fazer um empate para garantir o futuro dos filhos, a  mudança de vida, sem nunca deixar de acreditar na construção de um mundo melhor.

Estamos cercados de heroínas anônimas que, assim como Chico Mendes, não buscam títulos ou reconhecimento e sim uma vida melhor para todos.

Jane Vasconcelos é editora da Agência de Notícias do Acre

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