“Por favor, abram o caixão. Eu imploro! Deixem eu ver minha mãe pela última vez”. A frase, dita por uma filha ao ver o caixão com o corpo da mãe entrando no carro funerário ecoou em minha cabeça por dias, após presenciar a cena em um hospital de Rio Branco, onde, de longe, acompanhei o que se tornou uma nova via crucis de agonia diante de uma doença tão maligna que interferiu até no processo do luto, de velar, enterrar e se despedir de um ente querido.
Com restrições aos funerais, caixões lacrados, o sofrimento se tornou solitário, desumano e cruel. Diante dos protocolos para evitar a contaminação nesse momento, as últimas homenagens são feitas às pressas, às margens do jazigo, restritas a poucas pessoas que precisam se manter distantes uma das outras e com os rostos cobertos por máscaras, podendo apenas trocar olhares consternados.
A comovente cena da despedida sem despedida é compartilhada por um sem número de pessoas em todo o planeta, todos os dias. A Covid-19 acabou furtando dos sobreviventes o direito de se despedir de seus mortos, pois, por conta das recomendações sanitárias, velórios não mais acontecem. Não há tempo de avisar amigos. Não há tempo de preparar as últimas homenagens. Não há tempo de acarinhar pela última vez. Não há tempo de preparar o corpo e vesti-lo com sua roupa preferida, de pôr uma rosa perfumada e um terço em sua mão. Simplesmente não há mais tempo de nada, nem de assimilar a morte inesperada.
As barreiras de proteção impostas pela Covid-19 tornam ainda mais dolorosas as experiências de perda, uma lacuna que dificulta ainda mais a superação. No meio dos protocolos e diante da dor particular, o adeus dói à distância e marca o fim da trajetória das pessoas que morrem vítimas da pandemia. O vírus chega sem ninguém ver e, com rapidez, vai levando embora quem se ama.
A realidade vista por poucos e encarada por muitos é de que a pandemia mata duas vezes. Primeiro, acaba isolando o paciente da família antes de morrer, e, depois, não permite mais que alguém se aproxime dele. A cena que relatei no início deste artigo descreve bem a realidade vivida todos os dias por agentes funerários diante dos pedidos desesperados das famílias, de ver o corpo pela última vez.
Se o luto já pesa em qualquer circunstância, em tempos de pandemia se torna um fardo ainda maior, o qual é preciso, muitas vezes, carregar sozinho. A verdade é que ninguém está preparado para um sofrimento desse porte, afinal, nenhuma dor é fielmente imaginável até ser, de fato, sentida.
Que este texto posso trazer reflexões sobre o momento dramático e grave que estamos, todos, sem distinção, enfrentando. Portanto, não deixe de seguir as recomendações sanitárias, use máscara, fique em casa quando puder, deixe para visitar, abraçar e matar a saudade de quem está longe quando a situação estiver favorável. Acredite, o abraço verdadeiramente mais desejado e implorado está sendo no último adeus, mas esse nunca mais será permitido, nem depois da pandemia.
Não são 310 mil 550 mortes no Brasil pela Covid-19. São 310 mil 550 amores da vida de alguém. No momento não há arco-íris à vista, mas acredite e aguente firme, essa tempestade há de passar.
Lane Valle é jornalista da Secretaria de Estado de Saúde