A cheia, o rio e suas marcantes histórias

Estrutura corporal franzina, 75 anos, olhar cabisbaixo, mas com uma força espiritual sem igual. Esse é o senhor Arislau Ferreira do Vale, o famoso ‘seu Ari’, morador da comunidade Belo Horizonte, uma das mais atingidas pela cheia do Rio Juruá no município de Porto Walter, interior do Acre.

A história dele se confunde à de muitas pessoas que sofrem com as cheias dos rios na época do chamado Inverno Amazônico aqui no Estado. Mas, seu Ari me chamou atenção, afinal, ele é o famoso seu Ari, todo mundo no município conhece ele, aquele que ano passado perdeu a casa durante a cheia, ela tombou e desceu rio abaixo. Esse ano, que é 2024, infelizmente a história dele se repetiu, ele havia, com muito suor, determinação, ajuda de amigos, e até do município, conseguido erguer uma nova casinha em outro local, mas, a moradia do seu Ari, que havia sido terminada há pouco mais de três meses, infelizmente, foi novamente tomada pelas águas do grandioso Rio Juruá, que sem pena e sem dó levou tudo e o que sobrou não dá pra ser aproveitado.

Eu tenho 43 anos, tenho medo de água, mas fui acompanhar a secretária do Meio Ambiente, a incrível e destemida Julie Messias, minha chefe, nessa missão solidária e, ao mesmo tempo, dolorosa.

E, entre um rosto desolado e outro, lá estava o dele, vindo na direção dela dizendo: “A vida coloca a gente diante de muitos desafios, somente a união e a fé em Deus pra gente superar”. Mal ele sabia que o que disse pra ela também doía na alma, na minha e na dela, inclusive, mas isso é outra história.

Então, fiz o registro e fiquei com ele na minha mente. Logo depois descemos do barco, entramos na água e lá fomos nós até uma escola que servia de abrigo às famílias e ele estava lá, triste, mas forte. Chamei ele no canto e fui conversar, senti que havia mais a saber, muito mais.

Seu Ari me contou que a casa abrigava ele e a família, composta por oito pessoas, mas que seu coração estava apertado não só pela preocupação de ter perdido tudo, mas pela esposa, de 68 anos, que está internada na capital se recuperando de uma cirurgia pra retirada de um câncer no estômago. Ali eu engasguei, há um motivo especial para aquela “falta de profissionalismo” ao colocar o óculos escuro e chorar um pouco afastada vendo aquele riozão, mas, como falei lá em cima, essa é outra história.

Então, seu Ari estava lá, focado em receber suas roupas, alimento, água para os filhos e netos que estavam ali, e também em ajudar os outros. Separamos tudo e demos, naquele momento, embora nós estivéssemos lá a trabalho, na ação Juntos Pelo Acre, lá havia muita solidariedade, empatia e amor. À essa altura já não era mais por obrigação há muito tempo.

Ele não pediu nada, ficou aguardando, embora seus olhos pedissem ajuda, da boca dele não saiu nada. A verdade é que estar nessa missão da agenda ambiental exige muita sabedoria, inteligência, entendimento e, principalmente, saber ouvir, respeitar os povos indígenas, povos e comunidades tradicionais.

Os eventos extremos estão cada vez mais extremos, lá na Secretaria do Meio Ambiente (Sema) nós trabalhamos para promover as políticas públicas voltadas à conservação dos recursos naturais, da vida. Por meio do Centro Integrado de Geoprocessamento e Monitoramento Ambiental, o Cigma, na Sala de Situação, é realizado o monitoramento hidrometereológico, qualidade do ar, além de outras ações. Os dados são quantificados e qualificados subsidiando o governo nas tomadas de decisões frente a esses eventos, sejam na época da cheia ou seca.

Aqui, nesse espaço, quero deixar que a secretária Julie passe sua mensagem humanitária dessa ação que continua, mas que já deixou suas marcas em todos da nossa equipe.

“Diante da cheia dos rios do Acre, testemunhamos, não apenas um fenômeno natural extremo, mas um chamado urgente para a preservação ambiental. As inundações impactam não apenas comunidades locais, mas também ecossistemas vitais. Este evento destaca a importância de práticas sustentáveis, manejo responsável dos recursos naturais e a necessidade de adaptação diante das mudanças climáticas. É mais do que urgente a sensibilização de todas as partes. O seu Ari marcou minha vida, assim como algumas outras pessoas ao longo do exercício da minha função. Um arrepio acometeu a nós dois em uma união de dor, mas também de superação. Pois, como ele bem disse, enquanto tiver saúde, podemos buscar melhorar a nossa situação”.

Janine Brasil é especialista em jornalismo digital, chefe da Comunicação da Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), atuou como editora-chefe do Portal de Notícias G1 Acre por 10 anos, foi professora do curso de jornalismo do Iesacre/Uninorte por 7 anos, gosta de séries, livros e rock.

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