A arte de ensinar nas medidas socioeducativas

Como acontece a escolarização dentro dos Centros Socioeducativos

Equipe de professores do Centro Socioeducativo do Acre (Foto:Assessoria ISE)

Equipe de professores do Centro Socioeducativo do Acre (Foto:Assessoria ISE)

Na sala de aula o professor desempenha uma autoridade, que é resultado de suas características intelectuais, morais e técnicas. Essa qualidade é exercida como estímulo e ajuda para o desenvolvimento independente dos alunos. O docente propõe objetivos sociais e pedagógicos, seleciona e organiza os conteúdos, usa metodologias, organiza a classe, traça critérios de comportamento que são importantíssimos para um bom fluxo da aula.

Esse profissional tão importante carrega nas mãos o saber que pode modificar o futuro. Os países que garantem a educação como critério absoluto para o desenvolvimento já alcançaram um nível elevado no padrão de vida.

Dados do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) levantados em 2009 revelam que o Acre em 1999 ocupava a última posição – 27ª – no ranking nacional de educação e que atualmente está em 9ª.

Mas nada disso adiantaria se não existissem professores como a Antonia Andrade de Araújo, que é coordenadora pedagógica do Centro Socioeducativo Acre, geógrafa, e psicopedagoga.

Ela é mãe, esposa dedicada, e trabalha no sistema socioeducativo há 10 anos. Entre as muitas diferenças de uma escola regular e uma socioeducativa a maior é a limitação. “Na escola regular, fora dos muros o professor tem muita liberdade para trabalhar, portanto, posso fazer aula de campo, posso usar alguns materiais, fazer experimentos, fazer algumas atividades em si mais livres”, explica a docente.

Ainda segundo Antonia, trabalhar dentro de um Centro Socioeducativo é uma tarefa com limitações, por motivos de segurança. Mesmo assim, ela declara que consegue passar o conteúdo normalmente para os adolescentes privados de liberdade.

Antes de escolher a profissão, Antônia queria ser jornalista. “Eu não ia fazer geografia, eu ia fazer jornalismo. De última hora eu achei que a concorrência estava alta e fui fazer Geografia, só para não perder aquele ano. E quando eu cheguei ao curso, no primeiro semestre, já me apaixonei!”, confessa.

Após isso, se especializou em psicopedagogia, que hoje é um complemento na sua metodologia de ensino. A professora define esse campo: “A psicopedagogia é um apoio pra que você consiga desenvolver melhor o trabalho com o adolescente, com crianças, ou com pessoas de qualquer faixa etária, com dificuldades de aprendizagem, de compreensão, desenvolvimento e relacionamento”.

Essa área surgiu para tratar algumas dificuldades de aprendizagem do aluno, e é muito bem utilizado pelos professores dos Centros Socieducativos, que tem o objetivo de ensinar adolescentes considerados excluídos da sociedade.

A professora Antonia explica que o bom professor é aquele que adequa a aula para o momento em que o aluno está e aproveita as qualidades que cada um tem. É uma questão de sensibilidade e desenvoltura. “O nosso dever é mostrar para ele as possibilidade, que há uma saída”, relata.

De acordo com a coordenadora pedagógica, nos Centros Socioeducativos existem adolescentes com grande potencial desconhecido pela maioria da sociedade. Alguns deles desenham muito bem, cantam, dançam, criam, ou seja, verdadeiros artistas anônimos. “Na maioria das vezes ele faz aquilo só  para passar o tempo. Cabe ao profissional mostrar para ele que aquilo pode ser uma possibilidade de mudança.”

Dos bons momentos vividos por Antônia, ela destaca a dos adolescentes que passaram pelas medidas socioeducativas e que hoje ingressaram numa faculdade. O sonho de todo professor é ver o aluno sonhar, querer crescer e vencer. “Todos tem um desejo. Às vezes esse desejo está apenas adormecido”.

Há  também os adolescentes que ao sair das medidas não faz curso superior, mas começa a trabalhar, se casa, constrói uma família, e deixa para trás a vida na criminalidade. “Às vezes eu sinto até vontade de chorar ao ver e saber que em certos momentos pensei que aquele caso era impossível de ressocializar”, admite.

Mas os alunos dos Centros Socioeducativos não são diferentes dos que estudam fora dos muros. Assim como qualquer adolescente, eles sentem preguiça de estudar, revela a professora Antonia um pouco risonha. “É aí que está o grande desafio do professor dentro das medidas socioeducativas: é a de transformar esse momento.”

Ela enfatiza que durante os dez anos de experiência dentro dos Centros Socioeducativos, não houve nada que comprometesse a sua segurança. Diz ainda que não tem medo do trabalho que escolheu. “Já mediei conflito, já trabalhei em sala de aula, já fui educadora, e nunca me aconteceu nada que colocasse a minha vida em risco. Eu nunca vivi à mercê da segurança. Os cuidados que eu tenho são os que qualquer um deve ter.”

Antonia, que está grávida, conta que seus alunos das medidas socioeducativas dispõem de muito carinho e cuidado a ela, sendo que fora dali, em escolas de ensino regular, o que mais falta no tratamento de alguns alunos para com o professor é o respeito.

A professora diz que não pretende mais sair das medidas, pois se identificou com o que faz. Ela acredita que pode fazer a diferença em ajudar adolescentes que em determinado momento da vida cometeram um erro, mas que buscam uma segunda chance. “É algo que me realiza, não penso em sair.”

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