Máscaras personalizadas, ambiente lúdico e acolhedor são estratégias da Saúde para humanizar tratamento de crianças e jovens contra o câncer no Acre

“Em nome de Jesus, Senhor, já estou curado.” Esse tipo de prece é comum na rotina do pequeno Bryan Vinicius de Souza Vidal, de 4 anos, que trava uma guerra contra o câncer. Diagnosticado com sarcoma de células claras (SCC) há um ano, ele é um dos pacientes da Unidade de Alta Complexidade em Oncologia do Acre (Unacon), da ala de pediatria. Em suas redes sociais, a mãe, Sislânia Oliveira, posta as vitórias do pequeno e tem registrado as últimas sessões de quimioterapia que ele está fazendo. Em outro vídeo, ela mostrou o momento que ele arrasta uma mala e comemora: “Só falta mais uma [sessão de quimio].”

Bryan Vinicius faz tratamento contra o câncer em Rio Branco. Foto: cedida

Setembro tem como uma de suas cores o dourado, que é uma campanha global de conscientização sobre o câncer infantojuvenil e tem como objetivo alertar a população sobre a importância do diagnóstico precoce da doença. Depois de receber a confirmação da doença, é iniciado um longo processo de tratamento e, para que a família seja acolhida da melhor maneira, a Secretaria de Saúde do Acre montou um espaço pediátrico dentro da Unacon.

Formada por profissionais qualificados, espaços lúdicos e muitas cores, o ambiente faz parte do tratamento e foi pensado como uma forma de amenizar o fardo durante tantas idas ao hospital. Além de tudo, garante que as crianças que estejam passando por esse processo tenham a infância preservada enquanto lutam contra essa doença.

Sislânia lembra que o pai de Bryan teve um sonho em que um homem o alertava para olhar a barriga do filho e foi quando eles começaram a investigação. “No outro dia, quando meu marido acordou, fui olhar a barriga dele e notei um caroço no abdômen, então fomos ao posto de saúde e foi diagnosticado um tumor”, relembra.

A partir daí, a família foi encaminhada para a Fundação Hospital Estadual do Acre (Fundhacre), onde foi feita uma cirurgia e a biópsia. “Dia 6 de julho de 2023 tive o diagnóstico de câncer e fiquei sem chão, desesperada, mas a Dra. Valéria sempre me mostrando que não era o fim, mas que tinha cura sim”.

Para Sislânia, o acolhimento que recebeu foi fundamental para que fosse fortalecida enquanto acompanha o filho.

O alerta

A pediatra oncologista Valéria Paiva, a qual a mãe faz menção, é uma das que acompanham esse trabalho na unidade, sendo uma referência na área. Ela conta que o serviço existe desde 2007 e já passaram 850 crianças pelo local. “Atualmente, temos 20 crianças em tratamento, mas lembrando que todas ficam em acompanhamento, mesmo após 5 ou 10 anos. O tipo mais comum de câncer nas crianças é a leucemia linfoide aguda, seguida pelos tumores cerebrais e linfomas, que seguem a mesma epidemiologia do mundo”, relata.

Médica Valéria Paiva atua no estado do Acre há quase 18 anos. Foto: Izabelle Farias/Sesacre

Os pais devem ficar atentos a alguns sinais para que, caso haja algo diferente na criança, ela seja levada o mais rápido possível para uma unidade de saúde e tenha uma resposta rápida e eficaz.
É preciso ficar alerta em casos de anemia e palidez bruscas, manchas roxas em locais nos braços e no tronco, que não estejam relacionados à trauma, dor de cabeça persistente com diminuição de força, dor de cabeça com vômitos, estrabismo ou a leucocoria, que é a mancha branca no olho quando tira foto com flash, dor nas pernas com piora e aumento dos linfonodos, nódulos palpáveis e corpo ou massas palpáveis no corpo.

“Aqui no estado a gente tem o tratamento tanto de quimioterapia, cirurgia, como a radioterapia. E a gente tenta fazer da melhor forma possível. O câncer infantil é totalmente diferente do câncer do adulto, sendo mais agressivo, mas com melhor resposta à quimioterapia. Então as chances de cura podem chegar a mais de 85%, mas depende do diagnóstico precoce”, ressalta a médica.

E, para que esse processo se torne mais leve, tanto para o paciente, como para a família, o espaço tem um papel crucial nessa acolhida. “A gente faz algumas adaptações para que a criança fique mais tranquila no tratamento. As quimioterapias geralmente são internações, então esse é um lugar mais colorido, enfeitado e lúdico. Tentamos relacionar essa com uma brincadeira, um super-héroi e deixamos coloridos”, pontua.

Érica Araújo, de 12 anos, sonha em poder voltar à rotina normal. Foto: José Caminha/Secom

‘Quero minha rotina de volta’

Érica Araújo, de 12 anos, é uma das pacientes que está fazendo quimioterapia no local. Acompanhada da avó, Maria de Lourdes Lima, ela revela qual é o principal plano para quando esse processo acabar: “Quero voltar a ter uma rotina normal”.

Atleta de taekwondo, estudante e viajante, ela começou o tratamento em julho deste ano contra linfoma de Hodgkin. Uma das coisas que lhe trouxe alívio foi conseguir fazer seu tratamento em Rio Branco. “É importante ter esse apoio por perto, porque fiquei com medo da doença”, contou.

A avó, Maria de Lourdes, complementa informando que o atendimento na unidade é um marco. “Aqui somos bem atendidas, tanto pacientes como acompanhantes. Gosto muito do atendimento, os funcionários são um amor de pessoa. Não foi necessário viajar, porque aqui tem de tudo, está bem avançado. Inclusive, minha irmã tem câncer e é tratada aqui, a esposa do meu irmão também é tratada aqui. Não foi preciso viajar”, reforça.

Érica é atleta de taekwondo, estudante e viajante, ela começou o tratamento em julho deste ano contra linfoma de Hodgkin. Foto: José Caminha/Secom

De paciente a enfermeira

Raissa Silva, hoje com 25 anos, foi uma paciente pediátrica da unidade quando tinha 12 anos. De Cruzeiro do Sul, na época, quando tinha 12 anos, teve que ir para a capital acreana para tratar de um linfoma. “Eu tive um linfoma no braço esquerdo e o meu diagnóstico foi precoce, mas tive que passar por quatro médicos antes de receber o diagnóstico fechado de câncer. Foi precoce porque minha mãe sempre foi muito atenta à minha saúde. Os meus sintomas eram muito inespecíficos, então, foi um pouco difícil de se descobrir assim no início”, relembra.

Desde o diagnóstico, o tratamento foi feito pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o sistema que hoje ela compõe como enfermeira. Durante a guerra que travou, o tratamento que recebeu dos funcionários da unidade foi um refrigério.

Curada de câncer, Raissa hoje é enfermeira e trabalha na Unacom. Foto: cedida

“A escolha da minha profissão foi motivada pelo que passei. Eu quis entrar para a enfermagem por causa desse cuidado, porque a enfermagem é a arte de cuidar, então, gostaria de ajudar outros pacientes. Durante a minha formação como enfermeira não fui muito para a área da oncologia. Na verdade eu estudei mais para ser enfermeira de urgência e emergência, que é a minha pós-graduação, mas eu não esperava voltar para Rio Branco. Na verdade, trabalhava no Hospital do Juruá, na área que eu mais me identifico, que é a área da urgência e emergência da UTI, só que acabou que o destino me trouxe de volta para Rio Branco e para o Hospital do Câncer”, relata.

Durante sua caminhada, Raissa disse que nunca perdeu a fé na cura. A experiência como paciente reflete na sua atuação como profissional. “Talvez por eu ter passado por esse tratamento tão jovem, nunca tive medo, sempre imaginei que eu fosse ser curada e eu nunca pensei na morte. Nunca fiquei triste sobre o câncer. A única coisa que me fez chorar, inclusive é uma das minhas lembranças mais fortes, foi quando a doutora Valéria me falou que eu tinha que ficar em Rio Branco para fazer meu tratamento e eu ia ter que ficar longe da minha família. Eu chorei. O câncer é difícil de curar, mas ele tem cura. Então, quando tratado, quando descoberto logo, a pessoa tem mais chances, assim como eu tive a chance também. É uma doença muito amedrontadora, mas ela pode ser vencida”.

Janini teve a ideia de personalizar as máscaras termoplásticas. Foto: José Caminha/Secom

Héroi usa capa e máscara

Encontrar colaboradores que deixem esse processo mais leve é um acalento. A técnica em radiologia Janini Negreiros tem consciência disso e teve uma ideia, ainda no ano passado, para que os pequenos pacientes que precisam de radioterapia se sentissem mais fortes ao encarar aquela máquina que pode ser assustadora. Pensando em tornar este momento mais tranquilo, teve a ideia de personalizar as máscaras termoplásticas, essenciais para a imobilização dos pacientes durante o tratamento. Ela garante que a cabeça e o pescoço serão mantidos exatamente na posição correta para o tratamento.

“Como tenho filho e ele gosta mais de super-hérois, pensei que ela assim, branca, podia assustar ainda mais. Então, vi no Instagram um colega de outro estado que personalizava as máscaras, tinha todo um cuidado com as crianças e achei interessante”, conta.

Antes de personalizar, a enfermeira conversa com os pacientes. Foto: José Caminha/Secom

Então, ela entrou em contato com a pediatra, que autorizou a personalização. Antes da confecção, ela conversa com os pacientes para saber o perfil de cada um e produzir o equipamento.
“A gente sempre procura fazer assim: conversamos com o paciente, vemos o que ele gosta e vou tendo ideias. Toda criança que vem, a gente procura trazer essa personalização, porque fica mais leve para a criança. Ela se sente mais acolhida, não fica com tanto medo”, conta.

Desde a medida, alguns pacientes que precisaram ser sedados em sessões anteriores conseguiram fazer o procedimento acordado depois de se vestir com a “armadura”. “É uma coisa a menos para eles naquele momento. Quando passei a personalizar, os pacientes chegam aqui correndo e é como virassem verdadeiros hérois naquele momento. E, aos poucos, a gente se junta e já vai incrementando, como o último que fez aqui, além da máscara a gente comprou a roupinha do Pantera Negra”.

Espaço é pensado para deixar tratamento mais leve e manter a infância das crianças. Foto: José Caminha/Secom

A manutenção da infância

O gerente de assistência da Unacom, o oncologista Rafael Teixeira, explica o impacto desses pequenos detalhes no ambiente do tratamento e a importância dessa qualificação dos servidores, que, acima de tudo, colocam a humanidade e sensibilidade à frente da conduta profissional.

Ele explica que o diagnóstico e todo o tratamento não envolvem apenas o paciente, que está na infância, mas também toda a família. “Quando a pessoa tem câncer, independente da idade, a notícia, a expectativa, o medo existe. É o medo de perder, medo de morrer e o paciente não adoece sozinho, a família toda é atingida. E nas crianças isso é muito potencializado, porque, dependendo da idade, a criança não tem perspectiva da gravidade da situação, então fica tudo muito a cargo dos pais, da família”, explica.

O desafio, segundo o médico, é manter a família engajada e com esperança durante esse procedimento. “A gente tem que usar várias estratégias. Não é só dar o remédio, não é só marcar consulta, mas também ter um ambiente acolhedor faz toda a diferença, ter esse cuidado desde a porta de entrada. Precisamos ter um acolhimento legal, com ação lúdica, que também ajuda no enfrentamento da doença, no resultado do tratamento. Não é só do paciente, da família, mas para a equipe também, que sofre muito”.

Médico, Rafael fala da importância desse acolhimento e como isso reflete no tratamento. Foto: José Caminha/Secom

Os tratamentos de câncer são longos. As crianças são acompanhadas por muitos anos após os procedimentos. “Com o passar do tempo, vai criando-se vínculos e existe um peso muito grande. A gente quer que todo mundo fique curado, mas não é sempre assim. As perdas existem e elas são sentidas pela família, claro, mas também pela equipe. O espaço bom, adequado, ajuda nisso tudo, a minimizar alguns sofrimentos e dar o mínimo de, não vou nem dizer conforto, mas daquilo que as pessoas precisam para enfrentar este momento difícil”, evidencia.

O impacto positivo nisso, segundo o médico, é documentado na literatura. O gerente pontua, ainda, que a unidade aceita livros, brinquedos e aparelhos, como videogame, TV e itens que podem ajudar nessas atividades.

“Temos desenhos, livros, historinhas e a professora faz atividade educacional. Tudo isso até para manter a criança sendo criança. Afinal de contas, ela continua sendo uma criança, precisa brincar, viver e já está tão afetada de precisar vir ao hospital tantas vezes que a infância vai ficando um pouco comprometida, e no que a gente pode ajudar, a gente tenta. Por isso, são muitos eventos, festas à fantasia”, relata.

Espaços de esclarecimentos

A conscientização não deve ficar restrita apenas ao Setembro Dourado, mas deve ser disseminada constantemente na população. No dia 5 de outubro, no Horto Florestal, haverá um evento de luta contra o câncer infantil. A atividade foi adiada anteriormente, mas vai ocorrer das 8h às 12h. Além disso, o perfil da ala pediátrica compartilha informações importantes e as conquistas na área. A médica Valéria destaca, ainda, que esse trabalho de qualificação é estendido à atenção primária.

“Faço essa capacitação ensinando como aumentar a rapidez do diagnóstico precoce, para que essas crianças cheguem logo à Unacom e tenham maior chance de cura”, destaca.

Também está marcada uma corrida para este domingo, 29, para chamar a atenção da população para o mês de luta. A reunião vai começar no Quiosque do Coco, a partir das 6h30.

Dúvidas, informações e orientações podem ser tiradas por meio do perfil da conta oficial da OncoPedAcre. É importante lembrar que esta é uma unidade que recebe paciente por meio de encaminhamento. Já na ação no dia 5 de outubro, vai ter brincadeira, pinturas, balões e folhetos informativos para fazer o diagnóstico precoce.

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