O Clima e a necessidade de desatar os “nós” do Financiamento Climático

Por Julie Messias*

Impulsionada a escrever este artigo pelo convite que recebi para participar da Conferência Brasileira Clima & Carbono realizada pela Aliança NBS, sigla em inglês para “Soluções Baseadas na Natureza”, que reúne desenvolvedores de projetos do Brasil e de outros países, busco aqui refletir sobre as mudanças climáticas, bem como o reconhecimento da necessidade de catalisar recursos suficientes e necessários para mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Primeiro, é importante reconhecer os impactos do aquecimento global e que os eventos extremos são cada vez mais frequentes. Trazendo para a nossa realidade, nesse mesmo ano de 2023 vivenciamos o transbordamento dos rios e igarapés atingindo cotas históricas, gerando impacto social, ambiental e econômico de grande escala, e agora uma seca severa que se arrasta em um período em que as chuvas já deveriam estar mais frequentes, é desafiador para a gestão pública, que precisa responder à altura desses eventos com a responsabilidade de preservar, acima de tudo, vidas.

O fenômeno El Niño – aquecimento do Pacífico – e a distribuição de calor do Oceano Atlântico Norte, tem gerado essa seca prolongada na Amazônia Legal, com impactos já vivenciados diretamente no Amazonas, em Rondônia e no Acre. Dois eventos ao mesmo tempo, além de preocupantes, são exemplo de adicionalidade dos fatores externos ao clima local e regional.

Desde à criação do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), em 1988, a ciência climática confirmou a hipótese da influência de ações exercidas pelo homem às alterações climáticas. As atividades antrópicas, como o desmatamento da Amazônia, podem potencializar o impacto das causas naturais alongando a duração da estação seca e aumentando o risco de incêndios.

Uma mudança deliberada em direção a modelos econômicos de baixo carbono e resilientes ao clima é urgente, sendo necessário o comprometimento global, além de recursos financeiros que abarquem os novos investimentos para a transição climática justa, levando mitigação e adaptação às mudanças do clima e a construção de uma sociedade mais resiliente no médio prazo.

Temos o dever de limitar o aumento da temperatura global a menos de 1,5°C para a garantia da qualidade de vida na terra. Quanto maior for o aquecimento, maiores serão os impactos futuros e riscos que a humanidade vai enfrentar. Os danos podem ser irreversíveis em ecossistemas, na biodiversidade, produção agrícola e na economia, e para a sociedade em geral.

Desatar os “nós” do Financiamento Climático

A Conferência do Clima das Nações Unidas (COP) ocorre anualmente e busca soluções para esses problemas. Em uma escala mundial, traz um chamado para que todos os países se comprometam com medidas estabelecidas em um documento, que vem passando por adaptações a cada ano, em busca de atingir efetivamente ações de redução dos impactos da mudança do clima.

Atualmente, há 198 países-membros, sendo eles os 193 países mais cinco territórios que integram o Quadro-Convenção das Nações Unidas para as Mudanças Climáticas (UNFCC). Esses países buscam soluções globais para o enfrentamento à emergência climática. Em 2015, na França, na COP21, eles assinaram o Acordo de Paris, que, na época, previa US$ 100 bilhões por ano para projetos de adaptação aos efeitos do aquecimento a partir de 2020. Um esforço conjunto para limitar o aumento médio da temperatura da terra a 1,5°C até 2100. Esse documento deve servir como bússola norteadora das discussões e ações das conferências, passando por atualização dos artigos que o constituem.

Artigo 9, Acordo de Paris

“Os países desenvolvidos deverão proporcionar recursos financeiros e prestar assistência aos países em desenvolvimento para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas”.

O entendimento da necessidade de financiamento climático é anterior ao Acordo de Paris, fruto das discussões da COP15 em Copenhagen, em 2009, e que foram traduzidas no artigo 9.

O artigo 9 do Acordo de Paris adotou o princípio de “responsabilidade comum, mas diferenciada”, deixando claro que as nações desenvolvidas devem fornecer recursos financeiros e técnicos para ajudar os países em desenvolvimento a mitigar os impactos das mudanças climáticas e mobilizar capacidades financeiras e técnicas.

Nesse ano de 2023, a reunião do G20, fórum de cooperação internacional formado por 19 países e pela União Europeia, emitiu uma declaração ao final da Cúpula realizada em Nova Délhi, que reafirma a necessidade de se alocar aproximadamente US$ 5,9 trilhões em países em desenvolvimento até 2030 para o cumprimento de seus compromissos nacionais para enfrentar a mudança do clima. E, na prática, menos de 27% dos investimentos têm chegado aos países emergentes.

O desafio está posto para a COP28, em Dubai, a ser realizada ao final deste ano: desatar o financiamento climático, fechar um documento em comum acordo com os países membros, que realmente saia do papel e da esfera das grandes cifras de dinheiro anunciadas, aterrizando nos territórios.

Essa tarefa não é nada simples, uma vez que o financiamento climático requer uma complexidade de instrumentos que garantam desde a alavancagem de recurso, à captação, implementação e outros.

Ele consiste em um financiamento local, nacional ou transnacional, proveniente de fontes públicas, privadas e alternativas que visam apoiar ações de mudanças climáticas, além de envolver uma grande quantidade de instituições como fontes financiadoras, bancos, programas com prazos estabelecidos ou não, iniciativas de governos doadores ou receptores, organizações não governamentais e outros agentes.

Para dar apoio aos países em desenvolvimento, no âmbito da COP, foram estabelecidos mecanismos de financiamento climático como o Fundo Verde para o Clima (GCF), o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) e o Fundo de Adaptação (AF), bem como por meio de outras fontes públicas bilaterais ou multilaterais.

O acesso a esses fundos segue sendo um grande desafio. Enquanto isso, os eventos extremos seguem sendo mais frequentes, e a tão necessária transição climática justa vai andando a passos lentos. Os países em desenvolvimento, e seus entes subnacionais, os estados, precisam ganhar capacidade técnica e buscar estratégias de acesso aos recursos disponíveis, a partir de um ambiente de políticas públicas locais estabelecidas e que garantam a sustentabilidade da aplicação do recurso.

E o Acre no meio de tudo isso?

Além de estar situado no extremo oeste do Brasil, abrangido pelo bioma Amazônia, possui um ambiente de políticas públicas e atos normativos que o diferenciam no que diz respeito a crescer economicamente, preservando suas florestas e gerando maior bem-estar à sua população. Um estado que tem ganhado protagonismo nas discussões a nível nacional e internacional, graças aos resultados que vem obtendo na redução expressiva do desmatamento e queimadas. Em nove meses – de janeiro a setembro -, o Acre reduziu os alertas de desmatamento em 75%, em comparação ao mesmo período do ano passado. Em relação aos focos de queimadas, os resultados também são positivos. A redução nos nove primeiros meses do ano foi de 52%.

O Acre está no jogo e já sinalizando a possível captação de cerca de R$ 98 milhões do Fundo Amazônia. O projeto apresentado tem o objetivo de contribuir para coibir práticas ilegais de desmatamento, a partir da conjunção de estratégias das áreas de comando e controle, gestão territorial e ambiental e produção sustentável com contribuição substantiva ao alcance dos objetivos e metas do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento e das Queimadas do Estado do Acre (PPCDQ/Acre).

Assim, diante da próxima conferência do clima, COP28, em Dubai, com a delegação chefiada pelo governador Gladson Cameli, o Acre pode ir de cabeça erguida com o sentimento de estar cumprindo com a sua parte nesse desafio global, e sinalizar um ambiente seguro para doações, investimentos e implementação de projetos em benefício do meio ambiente e dos povos indígenas e povos e comunidades tradicionais.

Esse assunto é desafiador e cheio de variáveis a serem abordadas. Iremos por partes para não me estender muito mais nesse artigo. No próximo, vou me debruçar mais sobre as diferentes fontes de financiamento climático e alguns caminhos para o acesso a estas. E, claro, como o Acre está inserido em tudo isso.

*Julie Messias é secretária de Estado de Meio Ambiente do Acre, presidente do Fórum de Secretários da Amazônia Legal e presidente da Força Tarefa dos Governadores pelo Clima e Florestas (GCF TF – Brasil)

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