Antes de falarmos sobre crédito de carbono e como se dá toda essa dinâmica no mercado financeiro, precisamos entender o que é um ativo ambiental e como essa “moeda verde” permite converter recursos naturais em dinheiro. Sabemos que a natureza gera inúmeros benefícios àqueles que vivem na floresta e consequentemente ao mundo, por meio do que podemos chamar de serviços ambientais ou ecossistêmicos: manejo do solo, uso racional da água, restauração florestal, uso responsável dos alimentos, da madeira, fibras e sementes, entre outros tantos que favorecem a humanidade e o clima.
Mas, para o mercado financeiro, como um ativo ambiental pode ser vertido em um bem ou convertido em dinheiro? Para responder isso, faz-se necessário que identifiquemos dois pontos:
1. Para que um ativo ambiental possa ser considerado uma atividade baseada em economia verde, ele precisa promover uma melhoria no bem-estar humano e promover igualdade social àqueles que vivem e conservam a floresta em pé.
2. Que se proponha ainda a reduzir significativamente os riscos ambientais e as perdas ecológicas ocasionadas pela ação do homem na natureza, gerando oportunidades para desenvolver uma economia de baixo carbono e eficiente no uso de seus recursos naturais.
Foi com base nesses conceitos que nasceu, em meio a tantas discussões no âmbito global, a preocupação pela conservação das florestas e como poderíamos combater os efeitos das mudanças climáticas no âmbito da Convenção Quadro sobre o Clima das Nações Unidas (UNFCCC, na sigla em inglês). A cada edição da Conferências Mundial pelo Clima (COP), países desenvolvidos e economicamente fortes se unem para traçar estratégias e metas para apoiar países economicamente subdesenvolvidos a minimizar os efeitos da mudança climática e, consequentemente, provocar a redução do desmatamento e da degradação florestal e das queimadas ilegais.
Foi também nesse contexto mundial climático que nasceu o conceito de REDD+, que significa Redução de Emissões do Desmatamento e Degradação Florestal. O “+” reconhece outros esforços de conservação. Em suma, o REDD+ tem os seguintes objetivos: a redução das emissões provenientes de desmatamento e de degradação florestal, a conservação dos estoques de carbono florestal, o manejo sustentável de florestas e o aumento dos estoques de carbono florestal.
Esse conceito surgiu no âmbito da UNFCCC, que inclui, entre tantos acordos relevantes, o estabelecimento das Salvaguardas de Cancún (COP19), e foi no Acordo de Paris que a modalidade foi reconhecida como pagamentos por resultados.
Salvaguardas socioambientais de REDD+
Segundo definição do Ministério de Meio Ambiente (MMA), as salvaguardas socioambientais são “políticas, princípios, critérios, protocolos, procedimentos ou mecanismos para minimizar os riscos e promover os potenciais benefícios associados à implementação de ações e/ou projetos de REDD+”.
Nelas está prevista a garantia de direitos, especialmente de povos indígenas e populações tradicionais, considerados vulneráveis; por isso, é de fundamental importância o pleno funcionamento das instâncias de governança que garantem a participação de produtores rurais, ribeirinhos, extrativistas e povos indígenas no processo de construção de políticas públicas ambientais.
É nesses espaços de governança que são realizadas, também, consultas públicas, oficinas participativas para troca de conhecimentos e a atuação de ouvidorias para o recebimento de denúncias, resolução de conflitos e sugestões. Dentre os princípios e critérios, é prevista ainda a geração de estudos para análise de possíveis impactos, quer sejam positivos ou negativos à comunidade e seu entorno, bem como a avaliação de que determinado projeto tenha ou não levado melhoria e qualidade de vida aos povos da floresta, e contribuído ainda para a conservação da biodiversidade e manutenção da floresta em pé.
Crédito de carbono jurisdicional de REDD+
O crédito de carbono jurisdicional de REDD+, o J-REDD+, é gerado em decorrência das políticas públicas voltadas para conservação e fiscalização do cumprimento de leis, regulamentos e normas expedidos pela administração pública.
Em outras palavras, esses créditos decorrem dos serviços ambientais prestados pela administração pública, no exercício de suas competências administrativas em matéria ambiental que, enquanto titular, possui a prerrogativa de realizar ações de políticas públicas e do poder de polícia”, a exemplo das ações de fiscalização e controle para conservação das florestas e seus ecossistemas.
Logo, o crédito de carbono jurisdicional se diferencia por estar voltado para a promoção de práticas sustentáveis dentro dessa jurisdição, contando com uma liderança do governo subnacional e o respeito às salvaguardas socioambientais.
Estado do Acre foi o primeiro no mundo beneficiado com projeto de REDD+
Lançado na Rio+20, em 2012, o Programa Global REDD Early Movers (REM), na tradução, Programa REDD para Pioneiros (REM), é uma iniciativa do governo da Alemanha, que premiou o Estado do Acre pelos esforços na redução do desmatamento (2001 a 2010), o que nos torna pioneiros no mundo em políticas de REDD+.
Foi graças às políticas ambientais já existentes no estado, por meio da Lei do Sistema de Incentivo a Serviços Ambientais – Sisa (lei nº2.308/2010), constituída por um robusto arcabouço jurídico, de governança e salvaguardas socioambientais, que a cooperação financeira foi firmada com a Alemanha para implementação da primeira fase do Programa REM Acre (2012-2018), que nesta segunda-feira, 12 de dezembro de 2022, completa dez anos de sua implementação.
O Sisa possui, entre outros, o Programa ISA Carbono: uma resposta acreana ao desafio mundial pela redução de emissões de gases de efeito estufa (GEE), que, por meio do REM Acre, concede incentivos aos pequenos produtores da agricultura familiar, extrativistas, ribeirinhos e povos indígenas que atuam em suas comunidades com práticas sustentáveis e conservando a floresta em pé. Os investimentos possibilitam ainda o fortalecimento do Sisa e investimentos em ações de controle às queimadas e desmatamento ilegal.
Em 2018, o Estado do Acre deu prosseguimento à segunda fase do REM, com a contribuição financeira também do Reino Unido. A cooperação internacional é mantida ainda com Mato Grosso (MT), Colômbia e Equador.
Comercialização de créditos de carbono jurisdicionais
Considerando que não há norma federal definindo o que sejam créditos de carbono jurisdicionais transacionáveis, é recomendável que o estado da federação, dentro de sua esfera legal de competência, crie lei específica regulando seu programa de J-REDD+, ou seja, preveja sua finalidade e mecanismos de comercialização dos ativos ambientais. Nesse caso, o Estado do Acre já possui sua política ambiental voltada para o J-REDD+, por meio do Sisa.
Vale destacar ainda a necessidade da adoção de procedimentos de certificação do programa jurisdicional de REDD+ para geração do crédito de carbono e, posteriormente, o registro em plataformas de comercialização. Atualmente, existem dois padrões de certificação de programas jurisdicionais de REDD+: o JNR, da Verra, e o ART-Trees, da Winrock.
Estados x governo federal: comercialização de créditos de carbono de J-REDD+
Em suma, os estados não necessitam de autorização do governo federal para comercializar créditos de carbono jurisdicionais, uma vez que a Constituição Federal concede, aos estados, autonomia para a gestão de seus ativos (bens), bem como a competência concorrente com a União e o Distrito Federal para legislar sobre conservação da natureza e proteção do meio ambiente (artigos 18 a 28).
Quanto à falta de legislação federal sobre o tema, se o arcabouço legislativo do estado autorizar a comercialização de créditos, a autorização expressa do governo federal não se torna necessária, conforme afirma o advogado e especialista no tema, Ludovino Lopes: “Na ausência de uma lei federal, os estados podem criar disposições legais. Se uma nova disposição legal surgir após a criação de uma disposição jurídica estatal, apenas os futuros programas e projetos serão afetados pelas novas regras ex nunc do efeito legal consequente”, na publicação Perguntas-Chaves & Respostas sobre Crédito de Carbono.
Novo Mercado de Carbono : iniciativas que premiam redução de emissões de carbono florestal no Brasil
Internacionalmente já existem os Pagamentos por Resultados (PPR) e o comércio de emissões dos mercados de carbono voluntários e regulados, em que se dão as doações por governos ou empresas referentes às reduções de emissões, quantificadas a partir do Frel (em inglês, Forest Reference Level, ou Nível de Referência Florestal) brasileiro, avaliadas pela UNFCCC, e registradas no InfoHub/MMA. Ou seja, a doação é reconhecida por meio de um diploma emitido pelo MMA e registrado no InfoHub.
No Brasil, os PPR são a forma de captação de recursos do Fundo Amazônia (provenientes da Noruega, Alemanha e Petrobrás), do Programa Floresta+ (recursos do Green Climate Fund) e dos contratos entre os estados do Acre e Mato Grosso e Alemanha e Reino Unido, a exemplo do Programa Global REDD Early Movers.
Além disso, um amplo conjunto de projetos isolados de REDD+ foi desenvolvido no Brasil e comercializado no mercado de carbono voluntário. Todavia, no país não há um mercado regulado em funcionamento, embora existam esforços para a regulamentação.
Ângela Rodrigues é jornalista especializada em comunicação e política e atua no setorial de meio ambiente da Secretaria de Estado de Comunicação do Acre
(As informações descritas no artigo tiveram como fonte principal a publicação Perguntas-Chaves & Respostas sobre Crédito de Carbono no Brasil, que reúne valiosas contribuições de especialistas de renome nacional e internacional, como Tathiana Bezerra, Gabriel Burjaili, Ludovino Lopes, Carolina Moro, Ronaldo Seroa da Motta, Daniel Nepstad, Daniel Rocha, Tiago G. de O. Ricci, Monica de los Rios, Fernanda Rotta, J. Rubens, Scharlack e Cristina Wolter.)