O nascimento de um causo

Nascimentos…
Nasce um rio…
Nasce…
Apenas mais um causo…

Este é mais um causo, dentro de outros causos. Uma história fecundada na margem, gerada na água, nascida na terra. Carrega os elementos alegóricos de um povo mítico, cada som das palavras pronunciadas, as lembranças que há muito não eram resgatadas, o personagem e a beleza da fé, ou a inocência da fé, tão genuína e verdadeira dentro do particular imaginário de cada um que se permitir navegar.

São pequenos relatos, narrados nas cabeceiras do rio Juruá, embalados pelas doces palavras da senhora ou do senhor, do tio ou da tia, porque esses são causos de gerações.

A imaginação toma conta e se expande a cada novo episódio, discorrido na casinha de madeira, à luz de velas porque as águas subiam, assim como a lembrança que fora desenhada ali.

A contação de histórias, tão importante à cultura amazônica, talvez se fosse cultivada e regada, o nosso passado teria mais valor, mas não deixa de ter vida e cores. Afinal de contas, somos a construção do que ouvimos, sentimos e vivenciamos. Mas voltemos…

Nossa história, ou melhor, o nosso causo é construído e vivido assim: como uma conversa na beira do rio, com um cidadão desconhecido, vestido com uma bermuda jeans rasgada, sem blusa, segurando com a mão direita o remo, com a esquerda posicionada na cintura; o barquinho atracado no porto, a água passando por cima dos pés e o bigode narrando a figura do senhor barbudo que por ali passou.

Mas se você preferir, ele também pode ser vivenciado assim: à luz da vela, com a cabeça deitada no colo de mãe, a cantiga dos sapos e dos grilos como a trilha sonora do homem barbudo que por ali passou e que não comia.

Mas, se, ainda, você preferir, o causo pode ser sentido dentro de um barquinho que navega pelo rio cheio, com uma poronga iluminando o líquido caminho, e o som da água que sai de cada lenta remada, embalando a história do senhor barbudo que por ali passou, que não comia, não bebia e que ainda previa o futuro.

O bate-bate, o curupira, a caipora, o mapinguari, a briga das duas serpentes, ou a serpente que mora embaixo da Catedral… todos os causos, histórias, lendas – seja lá qual nome lhes for apropriado – nascem da singela necessidade de viver o fantástico, o mítico, aquilo que de alguma maneira alimente a ânsia de sonhar, o espírito ainda inocente do ser.

Por isso, seja dentro de um barco, seja no colo do familiar, na barranqueira do rio, na praia ou numa rede, as nossas histórias são serpenteadas, líquidas, barrentas, densas e pretas, mas poéticas como o rio Juruá, e seduzentes como as suas curvas. A memória é toda água, vívida, fluida água.

Taís Nascimento é formada em Letras Português pela Universidade Federal do Acre e assessora de comunicação na Secretaria de Estado de Saúde do Acre. Gosta de chuva, mato e café. 

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