Conquistar novos altares, navegar outros mares…

Por Joabes Guedes*

Um antigo provérbio do Rei Salomão, encontrado em um dos mais antigos livros da Bíblia, nos diz para amar o amigo em todo o tempo, e então na hora da angústia nascerá um irmão. Essa é uma das grandes verdades que o policial militar do Acre Geysson Fernando Nogueira, de 33 anos, aprendeu nos últimos meses. Natural de Porto Velho, capital do vizinho estado de Rondônia, o militar passou por um dos momentos mais difíceis de sua vida, longe de familiares e durante o Curso de Formação de Soldados realizado pela Polícia Militar do Acre (PMAC) em 2021: a morte precoce de seu filho, de apenas dez anos de idade. Em meio à dor, o apoio dispensado pelos colegas de farda foi o alento que precisava para seguir em frente.

Geysson é aluno-soldado da última turma em formação, e, junto a centenas de colegas, compunha o cadastro de reserva de um concurso público para a Polícia Militar, realizado pelo governo do Acre em 2017. Ao longo de quatro anos, durante a demora da tão sonhada convocação, participou ativamente e ombreou com os colegas de espera na luta para entrar na caserna. Embora para muitos o sonho de ingressar no serviço público se resuma à estabilidade e segurança financeira, os motivos que o trouxeram ao estado para prestar concurso foram bem mais altruístas.

O filho do militar, o pequeno Kaleb Dantas Moreira, nasceu em 2011 com uma doença rara chamada hidranencefalia, que consiste em uma anomalia congênita caracterizada pela ausência de hemisférios cerebrais, tendo no lugar a presença de líquido cefalorraquidiano, um fluido com aparência aquosa encontrado na porção intracraniana. Durante dez anos, o menino usou uma válvula de drenagem e necessitava de cuidados especiais, em completa dependência dos pais e de acompanhamento médico especializado.

Geysson, à época militar do Exército Brasileiro, fazia tudo o que estava ao seu alcance para oferecer o melhor tratamento ao filho, no entanto a vida lhe aplicaria outro golpe: no fim de sua carreira nas Forças Armadas, sua esposa, de 23 anos de idade, foi diagnosticada com uma forma rara e agressiva de leucemia, que geralmente só acomete idosos. Com filho e esposa doentes, seu objetivo passou a ser encontrar no serviço público a melhor opção com plano de saúde para cuidar da família.

Em 2014 até tentou ingressar na Polícia Militar de Rondônia, porém sem sucesso. O militar tinha uma rotina difícil: cursava a faculdade de Direito à noite, trabalhava como síndico de condomínio pela manhã e à tarde como assessor de um desembargador do Tribunal de Justiça de Rondônia. Em 2017 ficou sabendo do concurso público para praças da PMAC, cujas inscrições já estavam abertas, e decidiu correr atrás. A partir daí sua rotina ficou ainda mais pesada, pois na madrugada acordava mais cedo para estudar para o certame.

E deu certo: foi bem classificado na prova. Entretanto, por conta de meio ponto, não entrou no curso de formação em 2019, ingressando no cadastro de reserva para provimento de futuras vagas. Em 2021, com a convocação, veio de mudança para Rio Branco com a família, na carreta de um amigo, em uma viagem exaustiva, porém cheia de esperança para o filho doente.

Habituado com o militarismo, Geysson não teve problemas com a rotina difícil de um curso de formação. “Quando cheguei aqui, meu único pensamento era acabar o curso e me dedicar integralmente ao meu filho”, relembra. Mas a vida tinha outros planos. No dia 22 de dezembro, durante um dos serviços da Operação Papai Noel em que trabalhava, recebeu uma ligação de sua esposa: o pequeno Kaleb não estava bem. Numa segunda ligação, a mulher afirmou já não sentir os batimentos cardíacos do filho.

Ao chegar em casa, o militar encontrou o pequeno ainda com o corpo aquecido, porém já sem vida. Um outro policial militar, que chegou primeiro ao local, já havia tentado reanimar a criança, enquanto esperavam o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Sem familiares no estado e com a esposa debilitada, a dor e o desespero só não o derrubaram graças ao apoio dos colegas de farda, seus pares e comandantes, que se fizeram presentes nos dias que se seguiram.

“Minha família aqui foi meu pelotão, foi a caserna. Eu não tinha ninguém. Meus pais são de outro estado. Foram os colegas que me deram apoio naquela noite e desde então. Tudo isso aliviou um pouco a dor do nosso coração. Me confortei com a certeza de que eu e minha esposa fizemos o nosso melhor enquanto ele viveu, e sou muito grato ao curso e à coordenação, por tudo que fizeram para ajudar a mim e ao meu filho”.

Emocionado, o aluno-soldado só expressa gratidão, apesar das pancadas que a vida lhe deu. Nos dias mais sombrios de sua vida, seus amigos se tornaram irmãos: “Hoje eu sei que minha vitória, no final, quando eu ‘passar a pronto’, vai ser olhar pra traz e saber que fiz o meu melhor, tanto pelo meu filho quanto pela minha esposa, e que para isso tive o suporte dessa instituição que me abraçou”.

Geysson, com formação em Direito e duas pós-graduações, vai seguir a carreira militar, pois é o que acredita fazer de melhor. A esposa, depois de anos na quimioterapia, ainda precisará de acompanhamento permanente com um hematologista. Para o policial, a força determinante que lhe permite seguir em frente é saber que nunca estará sozinho. Seu objetivo agora, nas palavras ditas com olhos emocionados, é conquistar novos altares e navegar outros mares. Eis a lição!

Joabes Guedes é jornalista e sargento da Polícia Militar. Trabalha na Assessoria de Comunicação da PMAC

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