O assalto a lotérica que marcou a história de Rio Branco

O dia 10 de outubro de 2013 era um dia comum para a população acreana. As pessoas indo e vindo, na correria normal do dia a dia no centro de Rio Branco, capital do Acre. Mas aquele dia ficaria marcado como o dia em que a cidade literalmente parou. O trânsito foi interrompido na avenida Ceará, na Rui Barbosa e Marechal Deodoro. Ninguém passava!

A rotina daquele dia começou a desmoronar por volta das 10h57min, quando dois assaltantes armados resolveram invadir a lotérica do centro, localizada na rua Rui Barbosa, em frente ao estádio José de Melo, bem no coração da cidade. Entre clientes e funcionários estavam aproximadamente 30 pessoas no interior do estabelecimento, homens e mulheres de todas as idades, inclusive crianças e idosos, além de grávidas. Os indivíduos roubaram dinheiro, celulares, joias e tudo que podiam levar.

Na saída, se depararam com uma viatura policial de trânsito do 1° Batalhão de Polícia Militar (1º BPM) que, imediatamente, deu voz de parada aos indivíduos e solicitou apoio de outras guarnições de serviço naquele dia. Às 11 horas chega ao endereço uma equipe do Grupo de Intervenção Rápida Ostensiva (Giro), também do 1° BPM.

Neste momento, um dos assaltantes tentava embarcar em uma motocicleta. Os policiais o cercaram, deram voz de parada e pediram para ele se render, mas o assaltante não obedeceu. Fez um homem refém, atirou em direção ao militares e apontou a arma para a cabeça da vítima. Como havia refém, a ação não foi revidada.

O assaltante adentrou à lotérica novamente e, junto com o comparsa, fechou as portas. Sob ameaças, fez reféns todos os que estavam dentro do estabelecimento. Agora a situação estava mais complexa.

Três minutos após os sequestradores entrarem no estabelecimento de novo, dessa vez cercados por policiais, chega ao local, o capitão PM Cristian, oficial responsável pelo policiamento naquele dia. Posteriormente, ao final da negociação, ele confessou que chegou rápido ao local porque viu a equipe do Giro passar em alta velocidade e sabia que algo muito grave estava acontecendo e seguiu a guarnição, “os policiais de motocicletas não arriscariam a vida daquela forma se não fosse algo muito sério”, afirmou.

Ele tinha razão. Criado em maio de 2012, o Giro, antes chamado de Grupamento Águia, atuava nas as ocorrências de grande vulto como roubos (crime popularmente conhecido como assalto) e em locais de difícil acesso, pois, ainda que o trânsito esteja totalmente congestionado, as motocicletas conseguem passar e dar uma resposta rápida e eficiente à população.

Oficial mais antigo no local, o hoje tenente-coronel Cristian assumiu as negociações, orientou o isolamento das ruas e pediu que fosse acionada a tropa de Choque do Batalhão de Operações Especiais (BOPE), atiradores de elite e mais viaturas policiais para ajudar a conter a população e evitar que pessoas furassem o bloqueio policial, já que os perpetradores, vez ou outra, efetuavam disparos de arma de fogo em todas as direções. A cada tiro, a impressão que ficava era de que algo mais grave pudesse acontecer.

Posteriormente, também foi acionado o Corpo de Bombeiros Militar, Agentes de Trânsito, Polícia Civil, Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e toda estrutura de estado necessária para prevenir e dar suporte a tudo que pudesse acontecer naquele cenário.

Rapidamente a notícia se espalhou e diversos curiosos se aglomeravam para tentar ver detalhes. A imprensa também chegou ao local e começou a fazer o seu trabalho, porém, algumas vezes acabou interferindo no serviço da polícia. Principalmente, quando divulgou imagens da localização de um dos atiradores de elite, que estava no alto de um prédio procurando o melhor posicionamento para agir, caso fosse necessário.

Este foi um fato que preocupou muito os policiais, pois se os sequestradores ficassem sabemos dessa informação, a negociação poderia ser dificultada ainda mais. Nesses momentos de maior tensão, os sequestradores ameaçavam matar todas as pessoas que ainda estavam no local. Felizmente, eles não cumpriram as ameaças!

Como a notícia se espalhou, inclusive a situação foi transmitida ao vivo em um dos programas locais de maior audiência, a esposa e a mãe de um dos sequestradores chegaram ao local e pediram para ele se entregar, mas não tiveram êxito. Parentes das vítimas mantidas em cárcere privado também chegavam ao local em busca de notícias.

Vale destacar que no entorno do local onde acontecia o fato estão localizados o Quartel do Comando Geral da Polícia Militar do Acre (PMAC), o Ministério Público do Acre (MPAC), a Casa Civil, o Gabinete Militar, além de agências bancárias e vários estabelecimentos comerciais. Por isso, além da população em geral e da imprensa, o cenário foi “inundado” por autoridades, todos querendo ajudar de alguma forma, mas em situações como a que se apresentava, torna-se arriscado demais ter tantas pessoas por perto. Nesse sentido, esse fato também atrapalhou um pouco o rumo das negociações.

Segundo especialistas, em crises dessa natureza, a primeira hora de negociação é a mais difícil, pois os ânimos estão bastante exaltados, já que os sequestradores encurralados acham que serão mortos. Contudo, foi justamente nesse período que o então capitão Cristian conseguiu a liberação de quase metade dos reféns. Os sequestradores exigiram coletes balísticos, um veículo para fugirem e a presença de um representante dos Direitos Humanos. As exigências foram sendo cumpridas à medida que os reféns eram liberados.

Como procedimento padrão nesse tipo de ocorrência, cada pessoa liberada passava por uma triagem: primeiro era revistada para ver se não trazia algo ilícito, verificava se não se tratava de um dos sequestradores, seguia para atendimento médico e posteriormente era encaminhado à delegacia para prestar depoimento ao delegado responsável pelo caso.

Após horas de negociação, o primeiro negociador foi substituído por outros oficiais, que tentaram, sem sucesso, a rendição dos sequestradores. O último a negociar foi o então capitão PM Giovane Galvão, hoje coronel da Reserva Remunerada, policial militar especializado em gerenciamento de crises. Ele conduziu a negociação até por volta das 16h30min, quando, finalmente os assaltantes entregaram a arma e se renderam.

A tropa de Choque recebeu autorização, entrou na lotérica e prendeu os sequestradores. Depois de quase cinco horas de tensão, finalmente a Polícia Militar do Acre (PMAC) encerrou a ocorrência e reestabeleceu a paz e a tranquilidade à sociedade acreana.

Jean Messias Freire é graduado em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal do Acre (Ufac) e Sargento da Polícia Militar do Acre. Atualmente trabalha na Assessoria de Comunicação da corporação.

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