Em seu discurso na entrega da ponte sobre o rio Madeira, o governador manifestou também gratidão pelos operários. Na reportagem, entenda como a segunda maior estrutura rodoviária sobre água doce do Brasil terá um papel fundamental para a redenção econômica do Acre e de Rondônia
No estado mais ocidental do Brasil, que por décadas manteve-se conectado aos grandes centros apenas por avião ou por barco, a entrega nesta sexta-feira, 7, da ponte sobre o rio Madeira, no distrito do Abunã (RO), tem um significado que vai muito além da obra física. Ela simboliza incontestavelmente a ligação terrestre do país com o Acre, cuja população sempre clamou por justiça econômica e social. O fim da travessia de veículos e pessoas pela balsa do Madeira, vindos de outros estados, vai eliminar um dos últimos fatores responsáveis por encarecer os principais insumos que chegam ao Acre desde os estados do centro-oeste e do sudeste brasileiro, entre eles os da construção civil e de alimentos.
A grande esperança da sociedade é a de que produtos de primeira necessidade, como o arroz e o feijão, por exemplo, tenham uma redução real para o consumidor final, ainda que a longo prazo, principalmente no prato das famílias mais pobres, aquelas que são constantemente afetadas pelas inúmeras sobretaxas que elevam o preço e dificultam a vida.
A cerimônia desta sexta-feira, 7, que inaugurou a superestrutura de 1.517 metros de extensão, a um custo de mais de R$ 150 milhões e sobre um dos mais belos rios da Amazônia, consagrou a redenção rodoviária para o Acre, a peça que faltava para tornar ainda mais real o sonho da integração com as demais regiões do país e a aproximação dos países andinos e os mercados do oceano Pacífico.
Para compreender melhor tudo isso, é preciso rememorar os esforços de bravos homens do passado, como o coronel Plácido de Castro e o marechal Cândido Rondon, que sonhavam com uma região altiva e promissora para todos. Hoje, é como se eles servissem de inspiração para homens públicos como os governadores Gladson Cameli (Acre) e Marcos Rocha (Rondônia), que com o apoio do governo federal e de parlamentares de ambos os estados, tornaram ainda mais palpável a integração rodoviária, descomplicando e tornando o setor mais dinâmico com a ponte.
O próprio governador Cameli, quando deputado federal e, posteriormente senador da República, contribuiu para que as primeiras pilastras de alinhamento desse projeto no Congresso Nacional pudessem ser concretizadas, destinando emendas e cobrando o governo federal pela execução da obra. Como resultado, nesta sexta, ele teve a oportunidade de protagonizar mais um dos grandes gestos de humildade que lhe são peculiares, ao classificar os operários da ponte como ‘guerreiros incansáveis’, pessoas fundamentais para que a obra de alto nível fosse concretizada.
“A vitória é também desses guerreiros que incansavelmente se dedicaram, de dia e de noite, para que pudéssemos chegar aqui hoje e inaugurar esta tão bela e importante obra. Fica aqui o meu reconhecimento e o do povo do Acre”, ressaltou o governador do Acre, arrancando aplausos das mais de 3 mil pessoas presentes ao ato, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, de ministros de estados, prefeitos, deputados federais e senadores.
Ao se dirigir ao presidente Bolsonaro, o governador Gladson Cameli lembrou das conquistas épicas da Revolução Acreana, que fez do Acre um estado brasileiro por opção.
“Senhor presidente, nós lutamos para ser brasileiros e esse sentimento na pele, de sentir-se isolado do restante do país, não queremos nunca mais. O Acre está pronto para crescer e também quer ajudar o país a construir uma nova história. Por isso, estamos prontos para lhe ajudar, seja na chuva, seja no sol”, ressaltou Cameli a Bolsonaro.
O suor dos milhares de caminhoneiros, que no final da década de 1970 e início da de 1980, se aventuravam por essas bandas, enlameados pelo inverno amazônico, aprisionados por semanas em seus veículos enchafurdados em atoleiros, também foi lembrado, direta ou indiretamente, pela maioria dos mais velhos presentes à cerimônia.
É deles também essa conquista, quando se remonta à epopeia de que chegar ao Acre pela BR-364 no passado era sinônimo de sofrimento, solidão, fome e malária. É para estes homens, que viveram a saga do desbravamento, na grande aventura de unir regiões tão distantes em favor do desenvolvimento nacional, que a ponte sobre o rio Madeira também encontra uma razão de existir.
Redução de até 6% no frete pode tornar alimentos mais baratos
Explica Adriano Ribeiro, presidente da Federação das Indústrias do Acre (Fieac), que neste momento, o que há são expectativas. “Não temos dados concretos, porque ainda não há pesquisas de impacto neste sentido”, diz ele.
“Mas a nossa expectativa é de que haja uma redução de 5% a 6% no valor dos transportes, a ser sentida a longo prazo, dentro de quatro a seis meses, em insumos que chegam de fora, como o arroz, na alimentação e o cimento, na construção civil. Isto porque até mesmo quando contratávamos um frete vindo do Sul do país, por exemplo, já se acrescentava um custo a mais pelo risco de assalto e violência ao parar nas margens do rio, para ficar à espera da travessia da balsa”, ressalta ele.
Além disso, o valor das taxas da própria balsa era altíssimo, podendo chegar a R$ 290 por travessia, dependendo do porte do veículo. “Agora, com a ponte, esse tipo de cobrança não existirá mais”, celebra o presidente da Fieac, mencionando a vantagem de que “o tempo de viagem também será bem menor”.
Sebastião Rocha, o operário de esmero
Quase sete anos depois de ter sido começada, e paralisada algumas vezes por entraves como uma colisão de uma balsa com um dos pilares em construção e, mais recentemente, o início da pandemia de Covid-19, a obra finalmente foi terminada uma semana antes da sua inauguração, com o trabalho de pintura e sinalização.
O armador Sebastião Rocha, que embora seja especialista em ferragens, foi o último operário a pintar as grades de proteção e as faixas de tráfego sobre a ponte. “Para mim, foi uma grande satisfação trabalhar nesta obra. Demos o nosso melhor e estou feliz por saber que ela será muito útil a todos os acreanos e rondonienses”.
Como na Física, em que um movimento gera outro a partir do primeiro, o trabalho dos bravos operários já desencadeou uma reação que, estimam as instituições empresariais, começa a ter impactos positivos aos acreanos em quatro ou cinco meses – como reflexo do barateamento dos custos com taxas de travessia e seguros de cargas.
Benefícios para o livre comércio de Guajará, Brasileia e Epitaciolândia
Embora a ponte tenha sido 100% construída em território rondoniense, a outra ponta da cabeceira da estrutura é conhecida como “lado do Acre”, por apontar o sentido ao vizinho estado acreano.
Antes mesmo de se chegar ao território acreano, ainda se percorrem os distritos de Fortaleza do Abunã, Vista Alegre do Abunã, Extrema e Nova Califórnia, todos pertencentes a Porto Velho.
Um dos grandes trunfos do Acre e de Rondônia é que a integração rodoviária proporcionada pela ponte pode atrair investimentos, especialmente, nas Áreas de Livre Comércio de Guajará-Mirim, em Rondônia, e de Brasiléia e Epitaciolândia, além da Zona de Processamento de Exportações (ZPE) no lado acreano, recentemente adquirida por um grupo de investidores chineses a um custo de pouco mais de R$ 24 milhões.
Tempo e espaço, as variáveis para alavancar a economia do Acre
Com a Ponte do Abunã , o tempo será o principal aliado da redução de custos a longo prazo, abrindo espaço para a concorrência. Ainda é impossível precisar como será essa relação. Mas ela vai chegar de forma positiva ainda em 2021, entendem as autoridades governamentais estaduais e federais.
“Certamente que vamos ter um futuro promissor e gigantesco que se aproxima a partir da ponte. A começar pelos portos do Pacífico e a nossa Zona de Processamento de Exportação, a ZPE. [A ponte] trata-se de um recurso fundamental para dar solidez e confiança ao empreendedor que queira vir para a região e para aqueles que aqui já estão”, pontua Nenê Junqueira, secretário de Estado de Produção e Agronegócio.
Outra grande conquista com a nova obra é que o Acre não sofrerá mais da ameaça do desabastecimento, fator que também gera a famigerada especulação de preços.
Sobre isso, Adriano Ribeiro, da Fieac, pondera: “Não corremos mais o risco de desabastecimento e a consequente especulação de preços. No entanto, o preço dos insumos do setor da construção civil, por exemplo, não depende tão-somente da travessia do Rio Madeira”.
“Existem diversos outros fatores que influenciam os seus custos, muito embora o cimento, só para citar um exemplo, já tenha ficado mais caro no mercado acreano por conta da travessia de balsa”.
Ele diz que nos períodos de seca ou de cheia do rio, sempre houve um problema a mais com a parte dos insumos produzidos a partir de Rondônia. “O cimento encarecia demais, naturalmente em virtude do peso, até porque a própria BR-364 tem um limite [de carga]”, lembra Ribeiro.
Pacex terá na ponte uma aliada da cultura exportadora acreana
O Plano Acreano da Cultura Exportadora (Pacex) será um mecanismo de estímulo para a exportação de produtos acreanos, a partir de agora. A iniciativa é da Fieac, que não tem um programa específico para impulsionar exportações, mas utiliza-se do Pacex – e do auxílio de outras instituições -, para estimular o setor.
E justamente dentro do Pacex, a ponte do rio Madeira é também uma das pautas de reivindicação para a melhoria do ambiente de negócios no âmbito do comércio exterior.
“Defendemos que o Acre está inserido em um contexto geopolítico de negócios importante, fazendo a conexão do Brasil com o mercado andino. A ponte é um investimento que integra tudo isso, pois a redução do tempo de viagem traz mais segurança e permite estimular as indústrias de outros estados a utilizar este corredor de exportação”, avalia Adriano Ribeiro, presidente da Federação das Indústrias do Acre.
“Lembrando que todo esse processo se complementará com o anel viário e com a ponte de Brasileia. Do ponto de vista do comércio exterior, e em relação à logística de infraestrutura, a ponte do rio Madeira é uma conquista do Pacex”, ressalta.
Entenda melhor a superestrutura sobre o Madeira
A Ponte do Abunã sobre o rio Madeira é considerada um empreendimento estratégico para a integração nacional, pois conecta, definitivamente, o Acre ao sistema rodoviário brasileiro.
A estrutura de concreto e aço tem mais de 1,5 quilômetro de comprimento por 14,9 de largura. Está localizada no distrito de Vista Alegre do Abunã, região pertencente a Porto Velho, a 270 quilômetros de Rio Branco.
Pelo menos R$ 154.124.825,89 foram gastos na sua execução em recursos do governo federal.
Trata-se da segunda maior ponte sobre água doce do Brasil, com 1.517 metros de extensão. A primeira é a ponte do rio Negro, em Manaus, com 3.595 metros.
De uma ponta a outra da estrutura são três trechos distintos, do ponto de vista da engenharia, segundo o Dnit. Há o trecho navegável, chamado de vão, com 170 metros de distância de uma pilastra a outra. Há o percurso entre uma margem e outra do rio, e o elevado que funciona como uma espécie de viaduto, construído na última etapa do projeto e que tem 460 metros de extensão.
Ainda segundo o Dnit, a ponte do Abunã é curvada como um arco. No ponto mais alto, ela atinge 30 metros em relação à lâmina d’água. Ela tem ainda uma pista com 14,45 metros de largura e pista de rolamento de 3,5 metros de largura cada uma. O acostamento mede 2,5 metros, enquanto há ainda 1,5 metro de calçada.
A previsão é a de que mais de dois mil veículos vão cruzar a ponte todos os dias. Desde a abertura da BR-364 entre Rio Branco e Porto Velho, na década de 1980, a travessia sobre o rio Madeira era feita por balsas. Nesta situação, o trajeto entre as margens do rio levava, em média, duas horas entre a espera e a travessia. A obra permitiu que o cruzamento do Madeira seja feito em menos de cinco minutos.