Pimenta nos olhos dos outros é refresco

Não precisa nem ir muito a fundo nas redes sociais para encontrar algum comentário do tipo “ah, fulano falou isso só de brincadeira, não teve a intenção de machucar” ou “hoje em dia tudo é mimimi”. Banalizar a dor alheia se tornou um dos pilares primordiais para a manutenção de tantos retrocessos que o mundo enfrenta de uns tempos para cá. E essa banalização, essa indiferença, acaba se disseminando como um vírus igual ou pior que qualquer cavalo de Troia que um computador possa pegar ao baixar um arquivo suspeito, justamente porque as pessoas nunca se colocam no lugar do outro, nunca imaginam: “e se fosse eu?”.

Obviamente, não é em toda situação que nós somos capazes de tomar as dores dos outros como se fossem nossas. Se formos parar para pensar nos “zilhões” de problemas que o mundo enfrenta, jamais chegaríamos perto de alcançar o que conhecemos por “felicidade” em momento nenhum da vida. No entanto, temos instalado em nosso sistema neurológico uma coisa chamada “empatia”. Todos têm, basta ativar. E essa ativação acontece toda vez que entendemos que “eu posso não sentir o que o fulano sente, mas posso ajudar da forma como puder, inclusive, até ficar calado, se for o caso”.

Uma situação prática disso são as mortes por Covid-19: não há como sentir a mesma dor dos familiares e amigos de todas as mais de 300 mil vítimas fatais; mas há como ajudá-las de forma indireta, que seria evitar a propagação do vírus e tomar os cuidados necessários para evitar que mais pessoas sofram com a dor da perda de um ente querido.

Outro case são as questões em torno do racismo. Desde que o Brasil é Brasil, há preconceito por quaisquer características envolvendo pele, cabelo e quaisquer outros traços negros. Foram séculos de escravidão movida a este tipo de pensamento. Hoje, mesmo com as leis que proíbem e condenam a prática, muitas pessoas insistem em dizer que a sociedade ficou chata por não poder nem fazer uma piadinha. “Ah, no meu tempo, chamava fulano de cabelo de palha de aço, de crioulo, de baleia, de viado e todo mundo ria junto, ‘zuava’ junto”.

Um dia desses, a cantora Ludmilla, que acompanhava os desdobramentos na Justiça com relação a uma denúncia, feita por ela em 2016, de racismo contra a socialite Val Marchiori, recebeu a notícia de que perdeu o processo pois a justiça (desta linha para baixo, a escrita será com a inicial minúscula mesmo) entendeu que Marchiori estava exercendo seu direito de expressão. Só para situar quem não sabe do caso, a socialite comparou o cabelo da funkeira com um Bombril – marca de esponja de aço. O processo começou com o valor de indenização de R$300 mil. Depois, caiu para R$30 mil, e depois ainda, caiu para R$10 mil. No fim das contas, a injuriada não recebeu um tostão furado e ainda teve que engolir a outra celebrando uma vitória de uma atitude racista que a justiça resolveu “passar pano”, como dizem os internautas.

É importante destacar que uma atitude de preconceito não se esvai automaticamente quando se diz frases clichês como “ah, mas eu não sou racista, tenho até parente fulano de tal que é negro” e suas derivações, a depender das circunstâncias. Por que fugir ou jogar “panos quentes” em cima de um problema soa mais cômodo do que admitir que errou e buscar melhorar? É claro que ninguém nasce sabendo o be-á-bá, mas a vivência cotidiana com o “diferente de mim” deveria, obrigatoriamente, nos fazer agarrar uma máxima: “se minha opinião ofende e fere a existência do fulano, é melhor guardar pra mim”. Se não entendeu, então é porque tem algo de errado em algum ponto de sua jornada na Terra. E isso você é quem tem que descobrir sozinho(a), e não ficar pedindo para fulano ensinar.

E se, no fim das contas, você não se importa com o que o outro sente, pense se algum comentário de natureza ofensiva fosse dirigido a sua pessoa. O que você sentiria se alguém ferisse seu jeito de ser, o seu ser? É sempre assim, pimenta nos olhos dos outros é refresco – mas talvez no seu não seja.

Renato Menezes é estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Acre (Ufac) e estagiário de comunicação na Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp)

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