Poéticas amazônicas: “Em busca de umas férias”

Durante a pesquisa realizada na Universidade Federal do Acre, tive a oportunidade de coletar diversas histórias narradas pelo senhor Luiz Mendes do Nascimento, ancião da doutrina do Daime, nascido na Amazônia acreana. Falei um pouquinho sobre ele no artigo anterior. Transcrevi e publiquei tais histórias, que chamei de “contos”, no livro “O Orador do Mestre Raimundo Irineu Serra: diálogos, memórias e artes verbais”. Nas próximas semanas irei compartilhar com vocês alguns desses contos, que dizem respeito à “cultura daimista” tal como aprendida, vivida e proclamada pelo saudoso orador e conselheiro Luiz Mendes. Espero que apreciem.

Em busca de umas férias

Aí é assim: não tem pra onde correr, porque, até vontade eu já tive, não minto, de algumas vezes ter, assim, achar que melhor pra mim era correr. Só que essa porta pra mim não se abre! Graças a Deus, né?! Eu vejo portas abertas, mas pra entrar. Pra sair eu não vejo, né. E eu não vou meter a cara, pra quebrar a cara! Há, há, há, há, há.

Fui, eu fui uma vez atrás de umas férias. Eu, eu sou cheio de coisas, né? Às vezes quando boto na cabeça, aí… O compadre Chico Granjeiro às vezes me dizia umas coisas, outros, aí ficava calado. Eu digo: eu vou tomar Daime pra verificar essa história. Aí foi justamente dentro disso que… Eu tomei Daime, pra ir atrás de umas férias, né? No astral! Até a gente atrás de andar como piolho na, na cabeça dos outros, às vezes aqueles companheiros eu encontrava:

_ Mas rapaz, pois tu nunca mais apareceu por lá…

É daqueles que vem de ano em ano, então quando acha que deve…

_ Tô passando umas férias.

Eu digo: mas é muita folga há, há, há, há há!! Aí, aí, há, há, aí eu digo rapaz, eu vou buscar também aí como qualquer, férias, poxa, num é possível um negócio desses, tanta luta! Ora, mas tomei Daime e fui bater lá. Cheguei num departamento… Muito bonito o departamento, né. Tudo movimentado, vários, várias instâncias é, enorme! Muito grande, é um centro assim de… …eu, observei até ligando é… …na história de Chico Xavier, hospitais, é aquele povo internado, e tal, bom, mas aí meu caso era férias. Depois aí foi que eu fui ver essas coisas, mas meu caso foi férias, né.

Quando eu cheguei aí um rapaz me recepcionou, um baixote assim, caboclo bonito…:

_ Ôpa! – Eu digo:

_ Ôpa!

_ Tá fazendo por aqui? – Aí eu não escutei conversa:

_ É companheiro, eu vim por aqui, atrás de umas férias. Eu tô precisando aí dumas férias… – Aí ele fez assim um gesto que estranhou, um gesto estranho. Ele disse:

_ Férias? – Eu digo:

_ Sim senhor, férias… – Ele disse:

_ Rapaz aqui a gente não conhece essa coisa não, férias, não. A gente num se conhece isso não.

_ E não, é?!

_Conhece aqui… …num tá no nosso dicionário… aí… Agora… tem… é… como é… Aposentadoria! – Há, há, há, há. – Tem aposentadoria… Quer, se aposentar?

Mas nisso aqui eu já vou vendo aqui um caixão! Um caixãozão. Há, há, há, há. Aí, eu digo:

_ Não, companheiro! Poxa, poxa eu tô com vontade é de trabalhar, eu tô tão disposto!

He, he, he, he. Aí depois foi que passou assim pra essas outras coisas. [Hospitais, etc.]. Aí hoje assim, em resumo, assim, eu digo mesmo: devo tudo na minha vida a essa doutrina, ao Daime, ao Mestre, né. Até mesmo pela razão de eu ainda existir, tá aqui na carne, né. Porque houve essa, essa, essa cura espiritual que foi a coisa do álcool, né? Mas, ao longo desse tempo, eu já fui curado por algumas vezes assim de coisas que até, eu debito milagres, né? Milagres. Então por isso eu digo: ainda existo porque essa doutrina é quem vem providenciando. Até chegar naquela que o Saturnino define, aquela se generaliza, que é a plenitude. Na matéria não tem mesmo. Até um dia. Por aqui escapando.

Aí, enfim. Aí, eu vou, vou, vou, vou, porque, é, é até uma obrigação que se tem, né. Da gente, ir, ir, ir, ir, fazendo o seu esforço! Mas é até aonde você pode ir porque eu já passei por isso e sei. Bom, Mestre, agora, daqui pra frente, tá nas suas mãos, né. Num sou dono de filho, que eu lá tenho filho… tudo eu entrego na mão dele, né. Lá sou dono de mulher? Lá sou dono, nada! Foi ele quem me deu, como é que eu sou dono? Lá sou dono de negócio, lá sou dono de nada, né?! Aí… …venho me entregando assim, dessa forma”.

 

Retirado do livro “O Orador do Mestre Raimundo Irineu Serra”. Autores: Fernanda Cougo Mendonça e Luiz Mendes do Nascimento. Editora Nepan, Rio Branco, 2019.

Para saber mais acesse o link: companhiacasmerim.wordpress.com/livro-o-orador-do-mestre-irineu-serra/

 

Saudações, Fernanda Cougo.

 

Fernanda Cougo é mestra em Letras: Linguagem e Identidade pela Universidade Federal do Acre

 

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