Novas regras para crédito rural na Amazônia

Medidas visam conter desmatamento nas zonas mais críticas da região

Conselho Monetário Nacional (CMN) passará a exigir documentação comprobatória de regularidade ambiental para a concessão de financiamentos no Bioma Amazônia. ONGs criticam brechas e pedem maior transparência

Em complemento às grandes operações de repressão envolvendo centenas de policiais e fiscais como a Arco de Fogo e a Guardiões da Floresta, que autuaram madeireiras e apreenderam toneladas de toras no município de Tailândia (PA), o governo apresentou novas providências para tentar conter o desmatamento da Amazônia.

O Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou, na última quinta-feira (28), a Resolução 3.545, que estabelece exigência de documentação comprobatória de regularidade ambiental e outras condicionantes para a concessão de financiamentos agropecuários no Bioma Amazônia por parte de bancos públicos e privados.

De acordo com a resolução assinada pelo presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, a concessão de crédito rural nos municípios amazônicos ficará condicionada, a partir de 1º de julho, à apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR); da declaração de que inexistem embargos vigentes de uso econômico de áreas desmatadas ilegalmente no imóvel; e de licença, certificado, certidão ou documento similar comprobatório de regularidade ambiental, vigente, do imóvel onde será implantado o projeto a ser financiado, expedido pelo órgão estadual responsável.

Em entrevista coletiva realizada nesta segunda-feira (3) para esclarecer as conseqüências da novidade, o diretor de Articulação de Ações para a Amazônia no Ministério do Meio Ambiente (MMA), André Lima, o secretário-adjunto de Política Econômica do Ministério da Fazenda (MF), Gilson Bittencourt, e o coordenador-geral de Financiamento à Produção Rural do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), João Luiz Guadagnin esclareceram que a medida passará a ser aplicada de modo facultativo a partir de 1º de maio. Nessa data, segundo eles, será dado início às operações em parceria com os órgãos estaduais de meio ambiente para que haja tempo hábil para eventuais ajustes na operacionalização do sistema até o início da liberação dos financiamentos da próxima safra (2008/2009), que se inicia justamente em julho.

A estimativa do Ministério da Fazenda é que a resolução englobe R$ 2,6 bilhões em créditos, em mais de 500 municípios. As medidas passarão a valer para os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima e para algumas cidades da Amazônia Legal localizadas no Mato Grosso, Tocantins e Maranhão.

A questão do incentivo financeiro para o desmatamento está se tornando cada vez mais central, avalia o pesquisador Paulo Barreto, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). Nesse sentido, ele considera importante o envolvimento dos bancos privados, mas ainda vê distorções e brechas que precisam ser sanadas.

Na opinião de Gustavo Pimentel, gerente do Programa Eco-Finanças da organização não-governamental (ONG) Amigos da Terra, o problema da Resolução 3.545 está na aceitação, no caso da inexistência dos documentos anteriormente citados, de "atestado de recebimento da documentação exigível para fins de regularização ambiental do imóvel, emitido pelo órgão estadual responsável, ressalvado que, nos Estados onde não for disponibilizado em meio eletrônico, o atestado deverá ter validade de 12 (doze) meses".

"A inexistência dos documentos", salienta Gustavo, pode ter qualquer razão, mesmo na presença da norma do Licenciamento Ambiental Único (LAU), hoje emitido apenas no Mato Grosso. "Será possível usar um mero protocolo de entrega de alguma documentação, que não precisa ser checada ou até mesmo ser considerada relevante, solicitando a ´regularização ambiental´", projeta. "Proprietários podem protocolar qualquer documento e, tento negada a regularização, reiniciar o processo com outros documentos, assim renovando seus protocolos e se mantendo elegíveis ao crédito".

Assim, observa o gerente do Projeto Eco-Finanças, "os órgãos de meio ambiente podem alegar que estão verificando a documentação, e os bancos podem mostrar que estão em conformidade com a resolução, o que gera ótimas histórias para seus relatórios de sustentabilidade". "Para resolver a questão do protocolo eterno, deveria ser exigido um instrumento mais forte, como por exemplo um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) homologado pelos procuradores do Ministério Público. Essa proposta foi feita pelo FBOMS [Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS)] à Ministra Dilma [Rousseff] dois anos atrás, mas nunca obteve nenhum retorno".

A falta de transparência na questão do crédito, adiciona Paulo Barreto, ainda é muito grande. "Não existem casos concretos de responsabilização. Faltam instrumentos", adiciona. O decreto presidencial de 2005 que obriga os órgãos ambientais a divulgar a lista de infratores ambientais, destaca, continua não sendo cumprido. "Bastaria um cruzamento desses dados com a lista de empréstimos dos bancos". Além disso, sublinha Barreto, o desempenho do operador do crédito é medido não pela qualidade socioambiental do crédito que ele concedeu, mas pelo volume final. "No final das contas, esse operador da ponta do processo não tem nem recursos e nem interesse para verificar as questões de sustentabilidade".

           

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