Piscicultura do Juruá segue a correnteza da boa economia

Em Cruzeiro do Sul, numa propriedade entre Mâncio Lima e Guajará (AM), funciona o Núcleo Industrial de Piscicultura do Juruá. Um conjunto de equipamentos construídos pelo governo do Estado, a partir da Secretaria de Desenvolvimento Florestal (Sedens), com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES). O empreendimento é gerido pela sociedade pública/privada Juruá Peixes S/A, modelo de gestão em que a Central de Cooperativas de Piscicultores do Vale do Juruá é sócia majoritária.

“Vindo de avião para o Juruá, vocês não imaginam a quantidade de tanques que dá pra ver lá de cima. Já chegamos a 3.600 construídos pela Seaprof”

Tião Viana

Além dos 12 hectares de lâmina d’água divididos nos 42 tanques e do Laboratório de Alevinos, a cadeia produtiva da piscicultura do Juruá contará com o Frigorífico de Peixes, que terá capacidade de processamento de duas mil toneladas por ano. Um arranjo que alça o Juruá como um dos centros de exportação de peixes do Norte brasileiro, ao lado do Complexo Industrial do Peixe, em Rio Branco.

É um investimento inicial de R$ 15 milhões em um núcleo que ajuda a organizar uma atividade que hoje, no Brasil, responde por 40% de toda a produção de 1,3 milhão de toneladas de pescado por ano. E, segundo o Ministério da Pesca e Aquicultura, gera um Produto Interno Bruto (PIB) pesqueiro de R$ 5 bilhões, mobiliza 800 mil profissionais e proporciona 3,5 milhões de empregos diretos e indiretos.

No Juruá estão sendo erguidos o Núcleo de Alevinagens, com 42 tanques, e o Frigorífico de Peixes (Foto: Gleilson Miranda/Secom)
No Juruá estão sendo erguidos o Núcleo de Alevinagens, com 42 tanques, e o Frigorífico de Peixes (Foto: Gleilson Miranda/Secom)

O ministério tem uma meta de que, em 2030, o Brasil se torne um dos maiores produtores do mundo, com 20 milhões de toneladas de pescado por ano. No Acre, desde o início de seu governo, Tião Viana tem buscado ordenar essa cadeia produtiva, estimular e qualificar os produtores, além de fornecer meios para expandir a produção. Um sonho que o governo tem compartilhado com pequenos, médios e grandes piscicultores de ponta a ponta do estado.

O começo era construir tanques com carrinho de mão

“A gente vende em média mil peixes por ano, em torno de 1.500 quilos por ano. Eu fiz uma carroça, boto no carro, encho de peixe e saio vendendo em Rodrigues Alves”

Erasmo Matias de Oliveira

Há oito anos, em um ramal próximo a Rodrigues Alves, Erasmo Matias de Oliveira, 44 anos, começava sua trajetória na criação de peixes. “O primeiro tanque eu fiz foi tirando terra no carro de mão mesmo”, diz o piscicultor em seu novo terreno, onde tem sete tanques, dois deles construídos pelo programa da Secretaria de Estado de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof) que pretende construir cinco mil tanques até 2014.

Erasmo é hoje considerado um pequeno piscicultor, com uma capacidade produtiva de três mil quilos por ano em sua propriedade na comunidade Santa Rosa, em Cruzeiro do Sul. É um dos que serão beneficiados com os equipamentos da Juruá Peixes, típico produtor familiar, que mantém uma terra ativa, sustentando a família com a ajuda dos filhos, da esposa e da comunidade, a partir da Cooperativa de Piscicultores de Santa Rosa.

Erasmo e a família deixaram o Bolsa Família por conta do sucesso de sua produção na piscicultura (Foto: Gleilson Miranda/Secom)
Erasmo e a família deixaram o Bolsa Família por conta do sucesso de sua produção na piscicultura (Foto: Gleilson Miranda/Secom)

Por três anos, Erasmo e sua família foram beneficiários do programa federal Bolsa Família. Hoje, orgulhoso, mostra a casa nova que construiu para o filho recém-casado e conta os frutos do bom trabalho que lhe permitiram dispensar o beneficio e entregar para outra família. “A gente vende em média mil peixes por ano, em torno de 1.500 quilos por ano. Eu fiz uma carroça, boto no carro, encho de peixe e saio vendendo em Rodrigues Alves”, afirma o produtor, que tem uma técnica aprimorada de cultivo, depois de fazer cinco cursos do Programa Nacional de acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec).

Enquanto o filho Jardeson joga a rede em um dos tanques para mostrar os exemplares que criam, Erasmo conta como chegou em sua propriedade de 76 hectares, “Quando vim pra cá, vendi minha casa com tudo e troquei por este terreno. O carro que tinha vendi pra fazer o primeiro tanque no novo terreno e comprar os primeiros peixes”.

Depois de apresentar as pirapitingas de um dos tanques, de dentro da nova casa, com todos os móveis recuperados, sua esposa pede os peixes para preparar as refeições do dia. Uma característica da criação de peixes é a segurança alimentar, um bom exemplo de como a qualidade de vida tem melhorado para essa família produtora.

A piscicultura é uma alternativa que dá certo

A família de Germano Gomes trabalha na farinhada (Foto: Gleilson Miranda/Secom)
A família de Germano Gomes trabalha na farinhada (Foto: Gleilson Miranda/Secom)

“Fui criado fazendo farinha, não sei ficar sem estar na farinhada (feitura da farinha). Sempre peço pra família começar o preparo na sexta, para no sábado eu estar junto na hora de torrar”, revela o produtor Germano da Silva Gomes, 55 anos de prazer em produzir, enquanto sua esposa e filhos trabalham na casa de farinha.

“A gente, como pequeno produtor, às vezes tem cinco, seis bois gordos no campo, e depois de um dia todo trabalhando na farinhada, a mulher diz: ‘Vamos dormir sem jantar, porque não tem janta’. Com o boi gordo eu não posso ir lá tirar um pedaço e fazer uma janta, mas com peixe você vai lá com um caniço e já”

Germano da Silva Gomes

Mas a tarde está destinada a outra atividade, Germano, sempre simpático e sorridente, quer mostrar os cinco tanques em atividade em que cria seus peixes. E não tarda a falar dos resultados já desse ano: “De dois tanques, esse ano, tirei 1.600 quilos”.

Germano começou sua criação dos peixes há três anos apenas, é uma mudança que ainda está ocorrendo, mesmo que a farinha ainda pareça tão vantajosa. “Antigamente o cara fazia 10 sacas de farinha, levava pra cidade, voltava com 300 reais, vendia a 30 reais. Hoje ele faz 10 sacas de farinha e volta com uma moto”, diz rindo, enquanto mostra sua moto recentemente adquirida.

Mas a mudança para a nova atividade teve um outro motivo. “A gente, como pequeno produtor, às vezes tem cinco, seis bois gordos no campo, e depois de um dia todo trabalhando na farinhada, a mulher diz: ‘Vamos dormir sem jantar, porque não tem janta’. Com o boi gordo eu não posso ir lá tirar um pedaço e fazer uma janta, mas com peixe você vai lá com um caniço e já”, relata.

Germano e o filho mostram os frutos do trabalho na piscicultura (Foto: Gleilson Miranda/Secom)
Germano e o filho mostram os frutos do trabalho na piscicultura (Foto: Gleilson Miranda/Secom)

Há três anos Germano resolvia de vez entrar para os peixes. “Veio o projeto para a piscicultura do governo e eu gostei muito também”, diz o produtor, com a consciência de ter realizado um bom trabalho. Afinal tem experiência para ver o que dá certo, pois desde os 12 anos trabalha na agricultura em sua Comunidade Belo Jardim, no Ramal Japãozinho, em Cruzeiro do Sul.

Germano aproveita a conversa para dar um exemplo de sustentabilidade. Nas reuniões com os companheiros de cooperativa sobre desmatamento ele sempre fala: “Gente, tem que produzir, mas não pode desmatar, a mata é nosso ar condicionado”.

Com a voz firme, garante que tem como produzir sem derrubar a floresta: “Tem sim, tem sim, com esses projetos do governo de aradação, por exemplo, dá pra recuperar uma terra bem perto da casa de farinha. É só aradar, botar um adubo e vai produzir quase dentro da casa de farinha”.

Com boa técnica se vai longe

Erisson (D) negocia os peixes recém tirados do açude. A produção segue para Cruzeiro do Sul e Guajará (AM) (Foto: Gleilson Miranda/Secom)
Erisson (D) negocia os peixes recém tirados do açude. A produção segue para Cruzeiro do Sul e Guajará (AM) (Foto: Gleilson Miranda/Secom)

Depois de uma boa venda no mercado municipal de Mâncio Lima, o produtor Erisson Maia Macedo manda uma mensagem para quem está começando na piscicultura: “Que acredite e obedeça a técnica, não faça da cabeça dele não, que fulano e sicrano criou sem fazer curso, não vá nessa não”.

Son, como é conhecido, tem 54 anos de vida e há cinco produz, em média, 18 toneladas de peixe por ano nos seus cinco hectares de lâmina d’água, em sua propriedade na zona rural de Mâncio Lima. “Eu não acreditava na piscicultura porque o que tinha de informação era que pouca gente dava conta de mexer, só dava prejuízo. Mas depois fiz uns cursos oferecido pela Seap [Secretaria Executiva de Agropecuária] e Sebrae. Aí fomos nos aperfeiçoando”, comenta.

“Não abandonei totalmente o gado ainda, cuido do pasto com umas vaquinhas, mas minha preferência é pela piscicultura. É rápido, todo ano você começa e termina, eles passam nove meses comendo e depois é só vender”

 Erisson Maia Macedo

Na manhã de uma sexta-feira de comércio intenso no mercado, Son, a esposa e o filho, juntos de outros funcionários começaram uma despesca em um dos açudes. Os peixes já têm destino certo, alguns serão negociados no mercado municipal, outros vendidos direto para Guajará, no Amazonas, e para Cruzeiro do Sul. “A primeira tiragem, em 2008, foi de 778 quilos, já a tiragem de 2012 foi 18.500 quilos, e em 2011 teve um recorde de 20 toneladas”, relembra o agricultor, que já começou a troca da cultura de criação.

“Não abandonei totalmente o gado ainda, cuido do pasto com umas vaquinhas, mas minha preferência é pela piscicultura. É rápido, todo ano você começa e termina, eles passam nove meses comendo e depois é só vender”, diz o produtor, que começou no ramo agropecuário há 25 anos, criando uma vaca para tirar o sustento da filha que acabara de nascer.

Ivone ajuda o marido na contagem dos peixes vendidos (Foto: Gleilson Miranda/Secom)
Ivone ajuda o marido na contagem dos peixes vendidos (Foto: Gleilson Miranda/Secom)

Apesar de ser um dos cinco maiores piscicultores de Mâncio Lima, Son conta com uma ajuda muito além da técnica, é sua esposa Ivone Macedo, de 41 anos, que não perde tempo, cai na água e auxilia nos trabalhos. “Você viu a Ivone contando os peixes? Quando vou colocar os alevinos no tanque, conto todos, e na despesca conto também que é pra manter o controle da criação”, comenta, pensando no futuro.

Com os equipamentos que organizam a cadeia produtiva da piscicultura no Juruá, Son quer expandir seus negócios. “A esperança é muito grande. Tenho a expectativa de aumentar a produção e ao menos entregar os peixes para o frigorifico”, diz o produtor.

Peixes no Juruá são alternativa econômica e ambiental

O Núcleo de Alevinos fornecerá até cinco milhões de alevinos de várias espécies por ano (Foto: Gleilson Miranda/Secom)
O Núcleo de Alevinos fornecerá até cinco milhões de alevinos de várias espécies por ano (Foto: Gleilson Miranda/Secom)

Essas três histórias têm algo em comum, além dos peixes. Cada um dos produtores será beneficiado com os investimentos para o desenvolvimento da piscicultura, em Cruzeiro do Sul. E, quando perguntados sobre o que esperam do Laboratório de Alevinos, a resposta é sempre a mesma: querem alevinos de qualidade e a preços acessíveis, menores do que os praticados por outros empreendimentos.

“A KfW já aprovou a piscicultura dentro dos arranjos do projeto, podendo investir em tanques e ração. Os que mais estão de olho em desenvolvimento sustentável se renderam à piscicultura”

Edvaldo Magalhães

“A ideia, com a entrega do Núcelo de Alevinagem e do Frigorífico de Peixes, é fazer o abastecimento da piscicultura do Juruá até Feijó, um trabalho em escala industrial”, explica o titular da Sedens, Edvaldo Magalhães, lembrando  que o Núcleo tem condições de fornecer até cinco milhões de alevinos de várias espécies por ano.

O secretário aproveita para dar uma boa notícia à economia e sustentabilidade acreana: o banco de desenvolvimento alemão KfW, que em 2012 passou a investir em projetos de produção sustentável e da conservação de recursos naturais no estado, aprovou em novembro deste ano que parte do recurso seja investido em piscicultura.

“A KfW já aprovou a piscicultura dentro dos arranjos do projeto, podendo investir em tanques e ração. Os que mais estão de olho em desenvolvimento sustentável se renderam à piscicultura”, ressalta Edvaldo.

A piscicultura responde por 40% de toda a produção de 1,3 milhão de toneladas de pescado por ano no Brasil (Foto: Gleilson Miranda/Secom)
A piscicultura responde por 40% de toda a produção de 1,3 milhão de toneladas de pescado por ano no Brasil (Foto: Gleilson Miranda/Secom)

O peixe está na vida da população acreana há gerações, como alimento de populações tradicionais que cresceram às margens dos rios e igarapés. Como economia, a partir da década de 1980, houve o impulso incial da piscicultura, com alevinos de tambaqui trazidos de São Paulo.

Hoje dois grandes centros de piscicultura estão sendo erguidos no Acre, um em Rio Branco e outro no Juruá. Pequenos, médios e grandes produtores, de Mâncio Lima ao Bujari, estão prontos para produzir peixes de qualidade e entrar nessa boa onda da produção acreana.

Acompanhe as fotos de Gleilson Miranda

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