Primeiro Encontro Cultural Nukini-Naua marca a união de povos indígenas

Cada dança tem como marca seu significado traduzido em gestos (Foto: Miriane Teles/FEM)

Cada dança tem como marca seu significado traduzido em gestos (Foto: Miriane Teles/FEM)

O I Encontro Cultural Nukini-Naua marca a integração indígena dos povos de Mâncio Lima. De 14 a 18 de outubro foi realizado o evento na Aldeia República, resultado de uma etapa de amadurecimento, na qual três tribos se uniram com o objetivo de resgatar suas culturas. Com alegria, eles se agregaram para praticar as tradições de cada etnia e debater com o poder público o seu desenvolvimento.

Partindo do porto em Mâncio Lima para chegar à Terra Indígena Nukini são oito horas de voadeira subindo o Rio Môa, tarefa cumprida por uma comitiva de seis bajolas (espécie de voadeiras) que transportaram a equipe. O barqueiro Simoneis Nunes, que também é indígena, explica que durante o percurso se passa pela Terra Indígena Puyanawa, pela base militar e por diferentes comunidades da etnia naua e nukini.

Prefeito de Mâncio Lima, Gledson Rocha, fala durante o evento (Foto: Miriane Teles/FEM)

Prefeito de Mâncio Lima, Gledson Rocha, fala durante o evento (Foto: Miriane Teles/FEM)

Cerca de dez comunidades se reuniram para as atividades, que tinham em sua programação apresentação das lideranças (indígenas e governamentais), pinturas, danças, cantoria, brincadeiras e histórias tradicionais, caiçumada, exposição e confecção de artesanato, oficinas e visita ao Parque Nacional da Serra do Divisor.

Estavam presentes os caciques das duas etnias, mais os puyanawas, convidados, os representantes das respectivas associações, o conselho distrital do Vale do Juruá, o prefeito de Mâncio Lima, Gledson Rocha, o vice-prefeito, o secretário de Administração, secretário Indígena, o governo do Estado, por meio da Fundação Elias Mansour (FEM), Secretaria de Estado de Educação e Esporte (SEE) e os parceiros do Instituto Federal do Acre (Ifac) e Funai.

União

A marca dos dias de encontro cultural foi a união. Nas margens do Rio Moa, ecoava novamente a beleza dos ensinamentos antigos indígenas. O previsto era que cada etnia se apresentasse individualmente, mas iniciaram marchando juntos um mesmo grito com a palavra indígena para união.

Brincadeiras tradicionais uniram as três etnias (Foto: Miriane Teles/FEM)

Brincadeiras tradicionais uniram as três etnias (Foto: Miriane Teles/FEM)

Com braços cruzados, em filas, em roda, em duas rodas, cada movimento tinha seu simbolismo, que era entoado em sua língua. Os três povos possuem a linguagem baseada na língua da família pano e recitam seus ritos conjuntamente – um povo compartilhava com o outro a sua cultura.

O presente

O cacique Paulo Nukini conta que há muitos anos está articulando o resgate da cultura do seu povo, contando também com o apoio da Funai. “São três grupos indígenas em Mâncio Lima, que são vizinhos e por isso sofreram os mesmos impactos e passaram pelas mesmas etapas, então resolvemos fazer nossa festa tradicional junto aos nauas e chamamos os puyanawas, para termos os laços mais próximos e continuar definindo nosso presente em harmonia”.

A escadaria inaugurada pela prefeitura gerou acessibilidade à aldeia (Foto: Miriane Teles/FEM)

A escadaria inaugurada pela prefeitura gerou acessibilidade à aldeia (Foto: Miriane Teles/FEM)

Ainda falando do presente, o prefeito Gledson inaugurou uma escadaria que liga o porto à sede da Aldeia República e à escola que ali está localizada. “É um instrumento simples para melhoria da mobilidade, mas que, em quase todas as aldeias, as subidas de barranco são muito difíceis, por isso é um sinal de consideração e respeito com eles”.

O gestor municipal fala sobre o evento: “Aqui tivemos um diálogo com as comunidades locais para a construção de uma secretaria municipal de assuntos indígenas, para que funcionasse como articuladora. Viemos somar a esse movimento e entendemos que o primeiro encontro sinaliza um momento de afirmação, no qual a cultura confirma a identidade dos povos”.

Entre sementes, penas e miçangas, revela-se o artesanato indígena, que foi exposto e também confeccionado durante o evento: “O artesanato é cultura e um meio de sobreviver, mas eu vendo só para os parentes. Os kenês são as pinturas corporais simbólicas feitas com jenipapo e urucum, que vêm de muito tempo. Então a gente põe o kenê na pulseira, aí levamos facilmente no braço o que nós somos” ressalta Iria Naua.

Mariri: a cultura ativa

Mariri é uma planta medicinal, mas é também uma tradicional celebração indígena de religiosidade e união, que foi realizada durante o encontro cultural. Erisson Oliveira, presidente da Associação Indígena Nukini explica ainda: “Esta é uma festa tradicional que os antigos praticavam, temos como herança e voltamos a praticar para fortalecer nossa cultura”.

O Mariri é um conjunto de danças e cantorias tradicionais (Foto: Miriane Teles/FEM)

O Mariri é um conjunto de danças e cantorias tradicionais (Foto: Miriane Teles/FEM)

Muitos hábitos indígenas se desintegraram durante o tempo. Os depoimentos dos anciãos das comunidades envolvidas registram que elas foram proibidas de praticar suas tradições enquanto serviam como mão de obra para os seringalistas, que não as aceitavam. Por isso, há muitos membros que não sabem sequer sua língua original.

“Mâncio Lima fez com que todos os indígenas do seu seringal casassem com brancos e não falassem mais sua língua, nem fizessem mais rituais, para eliminar a cultura indígena naquela região”, conta o assessor de Assuntos Indígenas do Acre, Zezinho Yube.

A coordenadora de Educação Indígena da SEE, Socorro Oliveira, destaca o importante papel do estímulo da escola aos alunos e comunidades: “Os professores são indígenas, ou casados com indígenas, logo, são fundamentais porque conhecem a cultura e vivem na comunidade”.

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Olímpiadas Indígenas fizeram parte da festa

Arremesso de lanças foi uma das modalidades das Olimpíadas (Foto: Funai)

Arremesso de lanças foi uma das modalidades das Olimpíadas (Foto: Funai)

Um projeto inscrito no edital do Prêmio Culturas Indígenas pela professora Valdenice Nukini, mulher do cacique Nukini, aprovado e apoiado pela FEM e pela Funai, foram as Olimpíadas Indígenas, desenvolvidas durante o encontro. Após as disputas, de resistência e força, concorridas por representantes de cada comunidade, os vencedores receberam premiação em dinheiro. As modalidades dos jogos foram: futebol, vôlei de praia, arco e flecha, arremesso de lanças e corrida.

A professora conta que o povo nukini já tinha como prática vários jogos, então a organização partiu da comunidade, para assim convidar os povos vizinhos. “A primeira atividade das Olimpíadas foi reunir todos os idosos, porque eles são as lideranças e iriam firmar as regras dos jogos. Então, além da alegria, os jogos são intercâmbio e uma verdadeira troca de conhecimentos”, explica Varinakí (“filha do Sol”), nome indígena da professora Valdenice.

A diretora-presidente da FEM ressalta: “Estamos muito felizes que o Prêmio Indígena tenha contribuído para o fortalecimento da cultura das etnias. Nesta região há ainda duas comunidades que foram contempladas, como o projeto da Lucilia Puyanawa, que está desenvolvendo um bonito trabalho de fortalecimento do artesanato”.

Txai

A caiçuma, feita de macaxeira, é bebida tradicional indígena (Foto: Miriane Teles/FEM)

A caiçuma, feita de macaxeira, é bebida tradicional indígena (Foto: Miriane Teles/FEM)

“Txai” é uma expressão de reconhecimento de amizade. Originalmente era usada com o significado de “cunhado”, mas atualmente é consenso que essa é nominação para “amigo”. O I Encontro Cultural Nukini-Naua é um encontro interno, então todos os indígenas se identificavam como parentes, e os poucos visitantes eram os parceiros, por isso, “txais”.

O governo do Acre tem capilarizado suas ações e levado respostas, assistindo as diferentes realidades do estado. O assessor Zezinho Yube foi um dos porta-vozes das novidades: “Além das ações culturais que estão sendo desenvolvidas, em 2014 será reformada a escola da Aldeia República e construídas mais duas escolas, havendo também a formação de professores. Há um projeto em desenvolvimento para o fortalecimento da produção e segurança alimentar, cujos equipamentos e mudas estão previstos no patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES). E será iniciado o etnozoneamento com o povo naua”.

O Ifac também enviou sua representante, Erika Mesquita, que realizou consulta pública com as comunidades. A professora Erika, doutora em antropologia, acrescenta: “O governo federal está disponibilizando o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec) em uma versão indígena, que envolverá a etnia nukini em parceria acadêmica com o Ifac. Nós consultamos a comunidade para trazer a demanda de acordo com a necessidade deles e uma das propostas foi para um curso voltado para criação de porcos e outro para turismo”.

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