Uma comissão internacional do banco alemão KfW, que coordena o REDD (Redução de Emissões provenientes de Desmatamento e Degradação Florestal) no Acre, se encontra em Rio Branco desde o dia 3, para avaliar e discutir com técnicos locais os procedimentos relacionados à economia de baixo carbono, e definir a repartição e benefícios da compensação pelo bem que o estado faz ao planeta. O Acre se tornou referência para o mundo ao promover sua economia sustentável com um esforço histórico e pioneiro, que nasceu nos anos 1970 por conta e risco dos sub-letrados da floresta. A sequência de governos da FPA, iniciada em 1999, criou uma forte base legal para os bons resultados que o Acre apresenta hoje.
A Missão de Avaliação vai se estender até 11 de abril e incluiu uma visita ao Seringal Cachoeira e à Reserva Extrativista Chico Mendes, em Xapuri, realizada quarta-feira, 5. Na abertura do encontro, 3, na Casa Civil, o governador Tião Viana reafirmou a decisão de promover o desenvolvimento sustentável do Acre enfrentando enormes desafios. Em vídeo, exibiu a viagem épica de um comboio de balsas subindo o Rio Juruá para levar tubos, brita e cimento, entre outros materiais, para melhorar a vida no remoto município de Marechal Thaumaturgo. Ao comentar as dificuldades na execução de obras nas entranhas amazônicas ele declarou: “Isso é mais difícil que a aventura do Fitzcarraldo”!
Referia-se à proeza do explorador alemão Brian Sweeney Fitzgerald (os índios do Peru pronunciavam Fitzcarraldo) que, procurando um caminho mais curto para escoar a borracha que pretendia produzir naquele país, atravessou das cabeceiras de um rio para outro um navio grande, financiado por uma dona de Cabaret de Manaus, abrindo trilhas sobre rolos de madeira na floresta densa. O tema foi tratado no belo filme “Fitzcarraldo”, de Werner Herzog, uma história de ousadia e sofrimento na Amazônia do século passado.
Procurando atender às expectativas globais, principalmente relacionadas às mudanças climáticas, Tião Viana promete zerar o desmatamento ilegal no Estado até 2020. Sua política de economia sustentável oferece aos agricultores familiares a alternativa de projetos rentáveis e duráveis que compensem a restrição ao desmate. “Podemos incentivar os agricultores a reflorestar suas áreas abertas com açaí, seringueiras e espécies frutíferas. Já plantamos quatro milhões de árvores neste governo e temos que plantar mais seis milhões”, disse.
Aos pecuaristas, o governador acena com a cadeia produtiva do peixe, mais lucrativa que a pecuária, e admite que o gado possa aumentar no estado (rebanho de dois milhões de animais) com o uso de tecnologia, não por novos desmatamentos. A “pecuária verticalizada” , como é chamada, comporta até seis bois por hectare, em vez de um.
Embora alguns pecuaristas já tenham aderido à cadeia produtiva do peixe, constata-se na Resex Chico Mendes a tendência de pecuarização do projeto. As famílias extrativistas estariam abrindo pastos legais em suas propriedades para alugar aos fazendeiros, em troca de algumas cabeças de boi. O resultado seria a gradual transformação das antigas colocações de seringa em fazendas.
O governador entende que o oferecimento de projetos mais vantajosos aos extrativistas mudará esse cenário. O estado financia o plantio de açaí, seringueira, banana, coco e outras espécies frutíferas, e estimula a exploração de mel silvestre e óleos, como copaíba, murmuru e andiroba, além de programar a participação comunitária nas cadeias produtivas de suínos, aves e peixes, prevendo o mesmo para as cadeias do açaí e do bambu, em preparação.
Essa política se encaixa nas perspectivas do Programa REDD Early Movers, de sigla REM, que possibilitou a primeira doação do governo alemão por resultados de emissões reduzidas no Acre. Com tais recursos foi possível fornecer bolsas para agentes florestais de 32 áreas indígenas, construir viveiros e produzir mudas para os sistemas agroflorestais no estado. A lista de benefícios poderá ser diversificada e ampliada nas atuais discussões do REDD com o governador e seus técnicos.
Na linguagem da sobrevivência cultural e subsistência na floresta parece simples decidir e resolver tais questões, mas a sofisticação técnica que acompanha o REDD pode levar a caminhos íngremes e até equivocados. Afinal, são um emaranhado de siglas e gráficos, relatórios e leis que exigem a contratação de “especialistas” para digeri-los. Por isso o Acre, que há mais de uma década cuida desse aparato legal, se tornou referência mundial, o primeiro e até agora único estado amazônico a por a mão em recursos da economia de baixo carbono.
Pois o Acre sempre contou com a sorte! Tanto que na atual coordenação do Programa Global REDD Early , a alemã Cristiane Ehringhaus pode fazer a diferença. Poucos sabem, mas ela já viveu 10 anos em nosso estado, numa aldeia indígena e entre os seringueiros, acumulando conhecimento sobre a realidade acreana. Numa primeira rodada de discussões na Secretaria do Meio Ambiente, na segunda-feira (3) ela falou com sabedoria regional: “Eu espero que as ações do REDD não penalizem o pequeno que desmata um roçado para plantar mandioca”!
Juntou ciência, experiência e sentimento na declaração, o que, certamente, elimina possíveis erros de relatórios, gráficos e descuidos na hora de compensar a vida simplificada dos principais protagonistas da aventura sustentável do Acre.