A assombrosa intensidade da malária – Série Doenças Tropicais

olho-malaria-thennyson-passos-001234Em 2006, o Acre teve a maior epidemia de malária registrada na sua história. Foram 93.864 casos notificados, sendo 91% deles nos municípios do Vale do Juruá, entre Cruzeiro do Sul, Mâncio Lima e Rodrigues Alves. Os números assustadores refletem como a malária é um dos maiores problemas de saúde pública do Acre, uma das doenças tropicais que mais exige esforços para ser combatida e que dificilmente um dia será eliminada completamente.

A malária é uma doença infecciosa aguda ou crônica causada por protozoários parasitas do gênero Plasmodium, transmitidos pela picada do mosquito do gênero Anopheles fêmea. Estava relativamente bem controlada nas décadas de 1950/1960, mas reapareceu nos anos de 1970/1980 com a ocupação populacional desordenada que ocorrera na periferia da Amazônia Legal. Estradas foram abertas, sistemas de irrigação instalados, a corrida do ouro em Rondônia e açudes de piscicultura sem acompanhamento ambiental no Acre. Tudo isso fez com que o número de casos aumentasse consideravelmente e atingisse o pico de 500 mil novas notificações por ano no país.

É uma doença com maiores características rurais, porém tem um impacto grande no Juruá por ser uma região onde as cidades estão envolvidas por floresta. “Com a abertura da BR-364, provavelmente teremos uma mudança no padrão epidemiológico nos próximos anos”, conta Izanelda Magalhães, gerente do Departamento de Vigilância em Saúde da Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre). Em Rio Branco, são raros os casos da doença – a maioria “importada” do Juruá -, mas já estão sendo constatados registros em bairros como Belo Jardim e Amapá, com focos lá mesmo.

Mortal, mutável e multiplicável

“Se um dia desenvolverem uma vacina para a malária, o criador ganha o prêmio Nobel de Medicina na hora. Acho que é mais fácil criarem a vacina para a Aids”, descontrai o médico infectologista Thor Dantas. A analogia não é a toa – a doença é causada por um protozoário, o que dificulta a ideia de uma vacina, além de existirem quatro tipos, sendo que três existem no Acre, mas só dois são comuns.

A médica infectologista Rita Uchôa, que desenvolveu seu mestrado e doutorado analisando a malária, conta: “Também temos o mito de que os testes de malária só dão positivo quando a febre surge. Ela pode ser detectada antes, principalmente porque são 14 formas evolutivas”. E pode matar. Principalmente crianças. Além de poder ser contraída quantas vezes a pessoa for exposta, pois o corpo não consegue criar uma imunidade natural à doença. “Todos os tipos de malária são capazes de gerar a forma grave”, completa a médica.Quando a pessoa é picada pelo mosquito, o agente entra na corrente sanguínea e passa por um período relativamente curto de incubação em que amadurece no fígado. Depois, entra nas hemácias e as rompe. A febre provocada pela malária é uma das mais altas que existem. Com muitos parasitas no organismo, surge a febre de 40ºC ou mais, de início abrupto, acompanhada por calafrios bastante marcantes e dores musculares intensas.

“A pessoa começa a fazer o tratamento, e com dois dias já acha que está curada, então para. (...) Mas é necessário fazer todo o tratamento de sete dias”, diz a médica Rita Uchôa (Foto: Angela Peres/Secom)

“A pessoa começa a fazer o tratamento, e com dois dias já acha que está curada, então para. Mas é necessário fazer todo o tratamento de sete dias”, diz a médica Rita Uchôa (Foto: Angela Peres/Secom)

O retorno da malária pode ser tanto por reinfecção por meio do protozoário como pela forma com que ficou “dormindo’ dentro do fígado do paciente, principalmente devido a um mau tratamento. “A pessoa começa a fazer o tratamento, e com dois dias já acha que está curada, então para. Hoje são administrados dois remédios eficientes contra a malária, mas é necessário fazer todo o tratamento de sete dias”, reforça Rita Uchôa.

É interessante que a medicação usada hoje contra a malária é a mesma usada há uma década. Pensou-se até que um dos remédios poderia ser tomado como profilaxia, a ponto de o governo federal inseri-lo no sal. O resultado foi negativo, pois o parasita causador começou a criar resistência à medicação, que foi retirada em seguida.

Operação de grande porte

Depois da epidemia de 2006, nos últimos quatro anos o Acre vem conseguindo resultados satisfatórios nas ações de controle e combate à malária, fruto do trabalho conjunto do governo federal, estadual, municipal e comunidade. Entre os anos de 2006 e 2007 foram 48% de redução, de 2007 para 2008 redução de 47%, de 2010 para 2011 houve redução de 37,9%, e se compararmos os anos de 2006, ano epidêmico com 2011, foram 75,6% de redução dos casos de malária no Acre.

Esses resultados foram obtidos devido à reorganização da gestão das ações e da integração das atividades de controle da malária preconizadas pelo Ministério da Saúde, sendo elas: controle do vetor, diagnóstico precoce e tratamento oportuno da doença, além de ações de educação, saúde e mobilização social.

No combate ao mosquito Anopheles na região do Juruá, uma das estratégias utilizadas foi a aplicação de biolarvicida em criadouros naturais (como os tanques de piscicultura e açudes). O manejo ambiental também foi uma das ações, além da termonebulização (FGO) e borrifação intradomiciliar, seguindo as normas técnicas preconizadas pelo Ministério da Saúde – ou seja, em quatro ciclos anuais -,  e garantir no mínimo 80% de cobertura.

Porém, um dos métodos revolucionários encontrados para o combate à malária no Juruá foi a distribuição dos mosquiteiros impregnados. Em 2007, a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), junto ao Programa Nacional de Controle da Malária do Ministério da Saúde, com recursos da United States Agency for International Development (USAID), fez uma doação de 7 mil unidades de Mosquiteiros Impregnados de Longa Duração (MILD). A adesão de uso dos mosquiteiros foi significativa, chegando a 97% dos usuários, principalmente moradores das áreas rurais, que não são beneficiados com a borrifação.

Luta contra o tempo

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A malária exige um tratamento rápido e certeiro para que sua proliferação seja controlada o máximo possível. Mesmo porque têm se tornado muito comuns os casos de famílias que se contaminam com a doença a partir de uma única pessoa adoecida dentro de casa, devido às picadas dos mosquitos no lar. É o caso do jornalista Flaviano Schneider, morador de Cruzeiro do Sul, que já contraiu malária nove vezes e tem uma preocupação gigante quando algum membro da família contrai. “Eu moro numa área muito rural. Lá em casa deve-se ter todo cuidado. Temos medo de um pegar e toda a família ser acometida”, afirma.

Schneider também aponta um dos principais problemas que preocupa as autoridades de Cruzeiro do Sul. “Aqui as pessoas têm o costume de tomar o remédio por dois dias, aí já melhora e para de uma vez.” Hoje, os órgãos públicos de controle apresentam uma média de 99,45% dos casos tratados de malária antes de 24 horas, média superior à nacional, que é de 97,36%. E a maneira encontrada para que os doentes façam o tratamento completo é que os agentes de endemias realizem um controle, indo até as casas e fazendo cobranças quanto ao tratamento.

Para o jornalista cruzeirense, a malária não tem tanta gravidade na maioria dos casos. “Toma-se o remédio e ela se acaba, mas os sintomas são horríveis: dor de cabeça, nas costas, calafrios. O remédio é horrível também, mas eu tomo até o fim.”

A primeira vez que Schneider contraiu a doença foi nos anos 80, no Purus, Ele lembra ter sido a mais grave, com as chamadas “sete cruzes” – uma forma de mensurar a doença. Hoje, mais “experiente” ele brinca: “Agora eu estou treinado. Já sei quando ela está chegando, quando a danada está vindo”.

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