Sou de uma época em que Rio Branco não passava de uma pequena aldeia, cercada de floresta por tudo que era lado. Quando menino, a cidade tinha oito pequenos bairros, que começavam na Cadeia Velha, na beira do rio Acre, enveredava pela Cerâmica e entrava no Bosque. Dava um pulinho lá na Estação, voltava pelo Papôco, descia na Base, atravessava o rio para o Quinze e acabava na Seis de Agosto. Na brincadeira de barra, por exemplo, um moleque do Bosque costumava “matar” o outro rapidinho lá no Quinze.
A cidade não tinha televisão, telefone, ônibus e as ruas eram quase todas de chão. Estudávamos quase sempre à luz do candeeiro ou da vela. Carros eram raros. O que mais se via nas ruas eram bicicletas, cavalos e carros-de-boi. Lembro até hoje do dia em que saímos em “desabalada carreira” atrás do ônibus dos Lameira, o primeiro a chegar ao estado. Tudo era interior. Bem interior, como ainda hoje é grande parte deste país continental.
A nossa vida era essencialmente comunitária. À noite, com a energia da velha “Usina de Luz”, que vinha apenas das sete às nove da noite, todos ficavam em frente de suas casas. Logo se formavam grupos de vizinhos a compartilhar histórias e soluções para os problemas de cada família.
Nas brincadeiras, duas ou três mães de cada rua viravam, na semana, mães de toda a garotada. A meninada ia se revezando nas “casas dos outros”, de tão acolhedora era a recepção da comunidade. Nem todos os quintais tinham cercas. Muitos eram demarcados por árvores. Nos poucos e pequenos bairros, vivíamos felizes. A maioria, muito carentes, mas cheios de respeito e amor ao próximo.
Em visita recente ao programa Ruas do Povo, do governo Tião Viana, na periferia de minha Rio Branco, veio forte a lembrança da “grande festa” em que se transformou minha rua quando começou a ser pavimentada com tijolos. Na antiga e querida Guiomard Santos, no Bosque, era só alegria e correria da meninada. Acordávamos cedo para ver a rua mudar. Acordávamos vendo a vida melhorar. Tinha fila de meninos e meninas para ajudar a calçar a rua, levando tijolos nos braços, em carros de mão ou em latas de querosene.
A pavimentação avançava e, com ela, ia sumindo a lama do longo inverno e a poeira do rápido verão. Também sumiam as doenças, que pegávamos todos os anos jogando bola na rua, em meio à lama ou à poeira, nas manhãs, nas tardes e nas noites enluaradas.
Vendo também o programa de Pequenos Negócios, lembro do que nós, a meninada, fazíamos para sobreviver na Rio Branco daqueles anos sessenta. Afora as caçadas de passarinho, que fazíamos constantemente na floresta para ajudar na proteína da família, tinha a coleção de papagaios, de petecas, de revistas, de peões, gerando sempre uma rendinha extra para a família. Capinar os quintais ou fazer concreto de tijolo sempre rendiam também bons trocados para as famílias.
Frutas? Tínhamos muitas, em todos os quintais. Só de manga, meu quintal lá na Cadeia Velha, bairro onde nasci de parteira, tinha oito pés de diferentes tipos. Peixes? Nem pensar: o rio Acre e seis igarapés garantiam a fartura para todos. Os peixes eram vendidos nas ruas ou no Mercado dos Colonos.
Nossa pequena aldeia era pobre, mas muito farta.
É com essas lembranças do passado farto do Acre que associo hoje as ações em marcha no governo de Tião Viana e quarto da Frente Popular no estado. Tem as ruas sendo pavimentadas na capital e em todo o interior. Os pequenos negócios florescem em tudo que é canto. A luz já ilumina a floresta. Até uma cidade está sendo erguida para o povo. Os açudes garantem a fartura de peixes. A mecanização agrícola aumenta o arroz, o feijão e a farinha nossa de cada dia. Acelera a criação de aves, de porcos, de ovelhas. Os plantios de açaí, de coco, de abacaxi e de outras frutas regionais invadem o Juruá adentro. Florestas estão sendo plantadas. A madeira é manejada. Cresce a produção da borracha, da castanha, das sementes florestais. Aumentam as indústrias. O rio Acre se recupera.
Minha aldeia está voltando a ficar farta. E rica também.
(*) Jornalista.