Silencie. Reduza o ruído interior. Torne-se pequeno e despretensioso. Só assim terá uma chance de entrar no mundo dessa pessoa que vibra num ritmo muito particular. E harmonioso.
Seu Bima fala pouco. Não porque não tenha o que expressar. É que a linguagem que elegeu para se comunicar é a música. Se ouve uma pergunta, responde duas palavras… E toca. Toca lindamente o seu violão, toca com atenção e afeto. E há um quê de desprendimento em sua atitude, que faz sua música soar bela e delicada.
Sem pressa e sem demora, conclui sua execução. E sorri de leve, satisfeito.
Parece que, intimamente, continua contemplando a floresta, sua morada durante muito tempo. Sente saudades de lá: “Aquilo é uma tranquilidade, é um povo sadio”, diz.
Com a mãe e três irmãos, pequeno veio de Tefé, no Amazonas, e foi morar no Seringal São Francisco, próximo ao Rio Envira, no município de Feijó, Acre. Aos dez anos, aprendeu, sozinho, dois ofícios fundamentais em sua vida: cortar seringa e tocar violão. O primeiro desenvolveu durante 40 anos, o que lhe valeu uma aposentadoria como Soldado da Borracha. O segundo mantém até hoje: “Eu me sinto bem quando toco”.
Assim, Abismar Gurgel Valente é, provavelmente, o músico de mais longa carreira no Acre: 70 anos. É um dos últimos herdeiros da cultura do baque musical, transmitida pela tradição oral e muito comum nos antigos bailes do seringal, que iam do anoitecer até o amanhecer do dia seguinte. “Era cada festa boa, animada… Fui muito querido quando era novo”, relembra.
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O repertório de Seu Bima é composto de valsas, marchas, mazurcas, xotes, xeréns, choros e desfeiteiras (veja boxe abaixo), e alcança várias gerações anteriores. “Seu cabedal é riquíssimo e sua técnica é única, ele sola com a unha”, observa Alexandre Anselmo, músico e pesquisador da cultura dos baques e diretor do projeto Baque-Mirim.
No ano passado, o músico, que vive em Rio Branco há quase 30 anos, participou da gravação do álbum “Baques do Acre”, que reúne também outros expoentes da cultura tradicional do estado, como Antônio Pedro e Antônio Honorato.
Aos 81 anos, Seu Bima tem 11 filhos, netos e bisnetos. Mas o companheiro de todas as horas é o violão. Gentil, só não toca à noite, para não incomodar os vizinhos. Mas o instrumento