Hospitalidade acreana: do discurso à prática

Há aproximadamente dois anos e meio o primeiro grupo de haitianos, formado por 1.593 pessoas, entre adultos e crianças, adentraram o território brasileiro de forma ilegal e encontraram abrigo, assistência social e alimentação, recebidos de empresários, populares e governo do Estado. Em 2012 foram 1.930 haitianos que chegaram ao Brasil pela fronteira do Acre com o Peru.

Entre eles estava o auxiliar em construção civil Alcenat Murat, 38 anos, natural de L’Estére no Haiti.  Murat esteve, nos últimos 11 meses, sob a guarda do governo do Acre, por meio da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos (Sejudh), Diretoria de Humanização da Fundação Elias Mansour (FEM) e Secretaria de Desenvolvimento Social (Seds).

Murat com a equipe do TFD e Humanização (Foto: Teddy Falcão)

O haitiano Alcenat Murat com a equipe do TFD e Humanização (Foto: Teddy Falcão)

Num primeiro momento ele fez parte do grupo que esteve por dois meses no Parque de Exposições Marechal Castelo Branco, em trânsito para outras cidades que ofereciam oportunidade de trabalho. Com problemas de saúde e sem proposta para emprego em outros estados, Murat permaneceu em Rio Branco até a última semana, na Casa de Passagem do Tratamento Fora do Estado (TFD)  no Conjunto Universitário.

A coordenadora da instituição, Raquel Mesquita, relata que a chegada de Murat foi registrada no dia 14 de maio de 2012, com a saúde muito fragilizada. Ele teve acompanhamento médico por meio das consultas agendadas pela equipe da Humanização, a quem Raquel destaca a parceria e compromisso na assistência e hospitalidade ao estrangeiro.

 

Em 2012 foram 1930 haitianos que chegaram ao Brasil pela fronteira do Acre com o Peru (Foto: Karen Aiache)

Em 2012 foram 1.930 haitianos que chegaram ao Brasil pela fronteira do Acre com o Peru (Foto: Karen Aiache)

“Nos prontificamos a receber o Murat, com o mesmo carinho e dedicação que recebemos os acreanos chegados do interior para fazer tratamento na capital. Porém, dada a fragilidade da saúde dele, não sei se hoje estaríamos liberando o paciente para uma viagem sem o apoio da Diretoria de Humanização. Nos empenhamos muito para que ele conseguisse o tratamento em Cuiabá”, enfatiza a coordenadora.

Entendendo e falando pouco o português, Murat agradece emocionado a festa de despedida preparada para ele, com a participação dos animados locutores da Rádio Humanizar, que é um projeto da Diretoria de Humanização. Ele afirma ainda que fez amigos aqui e agradece o apoio recebido durante a temporada no Acre.

“Os brasileiros são muitos bondosos, principalmente os acreanos. Muito obrigado por tudo meus amigos. Gostei de tudo no tempo que estive aqui. Já me sinto melhor da saúde e vou seguir para encontrar meu irmão e tentar continuar a vida com trabalho e dignidade”, agradece emocionado.

Apoio ao povo haitiano

Até a primeira quinzena de março de 2013, foram registrados, pela representação da Sejudh em Brasileia, 5.323 haitianos chegados ao Acre desde dezembro de 2011. Entre os serviços essenciais que o governo do Acre oferece a esse público, por meio de recursos próprios, estão o acesso à saúde, alimentação, lazer, segurança e hospedagem.

De acordo com o coordenador no trabalho de recepção aos haitianos na fronteira, Damião Borges, o governo já  investiu, em forma de serviços, mais de R$ 3 milhões, para oferecer condições de sobrevivência a essas pessoas, além do gasto com passagens e emissão de documentos.

“Não tem como ficar indiferente à situação dessas pessoas. São famílias inteiras que venderam tudo ou o pouco que tinham no Haiti e vieram em busca de melhorias no país que há tanto tempo presta serviços na pátria deles. O apoio de empresários do ramo de hotelaria e restaurantes também foi fundamental nesse trabalho. As pessoas são muito solidárias, principalmente aquelas que têm tão pouco quanto os haitianos”, enfatiza o servidor.

Atualmente Damião e a equipe da Sejudh de Brasileia trabalham com o apoio a um grupo de 440 haitianos. Borges alerta que esse dado é impreciso, tendo em vista a rotatividade acelerada dos estrangeiros no estado. “Somos literalmente a porta de entrada, recebemos e encaminhamos para outros lugares. Nesses grupos existem profissionais qualificados que rapidamente são recrutados por grandes empresas brasileiras”, relata.

“Foi um trabalho muito intenso, que nos tornou pessoas melhores”, declara a diretora de Humanização Elineide Meireles, que coordenou o trabalho de assistência aos haitianos no abrigo criado pelo governo do Estado em Rio Branco. Ela destaca que, com a partida de Murat, as equipes da Humanização e da Seds se despediram de um trabalho que foi um grande desafio em 2012. “Foi uma oportunidade de superação e crescimento pessoal para toda a equipe”, disse.

Elineide lembra, ainda, do trabalho de recepção no Parque de Exposições, que durou aproximadamente dois meses, “Tivemos a oportunidade de oferecer algum conforto a, aproximadamente, 250 haitianos que haviam ficado ‘presos’ cerca de três meses na fronteira com o Peru, dormindo nas ruas e passando por toda sorte de necessidades e privações. A solidariedade do povo e do governo do Acre foi demonstrada desde a entrada dos primeiros imigrantes nessa situação”, pontua.

A relação Brasil e Haiti

A relação diplomática entre Brasil e Haiti já dura nove anos. Essa proximidade iniciou ainda no governo do Presidente Lula, que enviou àquele país o primeiro grupo de militares para atuar no processo de estabilização do Haiti em 2004, quando houve uma série de rebeliões.

Com o terremoto que arrasou a capital haitiana, Porto Príncipe, o governo brasileiro passou a enviar também ajuda humanitária ao Haiti, que pode ter chegado a R$ 1 bilhão. Além disso, foi assinado entre os dois países um acordo de construção de uma hidrelétrica que beneficiará milhares de haitianos.

No final do ano passado, o governo do Acre, em articulação com o Ministério do Desenvolvimento Social, conquistou a liberação de R$ 540 mil junto ao governo federal, que possibilitou o retorno da ajuda com alimentação, documentação, saúde e hospedagem aos haitianos.

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