Por que tanta gente fica insegura no momento em que é fotografada? Por que muitos recorrem, antes do “clic”, para o espelho, a fim de se “arrumar” para a foto? E por que outros tantos não suportam o instante da captura da imagem de si e fogem das câmeras?
Porque há algo que detém muito poder na imagem: informação. Algo que revela, sobretudo aos olhos mais atentos, um aspecto, ou a intimidade do fotografado e expõe seus segredos mais profundos. E, ainda, deixa a informação registrada, contando uma história sobre aquele sujeito. Como olha, como se posta na vida, como se veste, de onde vem, que espaço ocupa no mundo, o que deseja e até o que se esforça em esconder.
O momento da foto traz um quê de apreensão porque nos aproxima de um conflito muito humano, profundo e frequente: o nosso valor como pessoas. Sou belo o bastante? Sou bom o suficiente? Sou importante? Sou adequado?
E aponta para uma necessidade indispensável: mais do que tudo, queremos ser aceitos e amados. Aponta, também, para um direito: o de termos nosso lugar no mundo. Um lugar bom, bonito, digno e próspero. E de sermos assim vistos publicamente. Não por acaso, da sabedoria popular surgiu a expressão “ficar bonito na foto”, que significa exatamente ter boa reputação.
É para defender esses direitos que trabalha o fotógrafo carioca João Roberto Ripper. Ao longo de décadas dedicadas ao fotojornalismo em muitos estados brasileiros, ele investigou o cotidiano de povos indígenas e ribeirinhos, inclusive no Acre, trabalhadores rurais, no Mato Grosso, quilombolas, no Maranhão, e, há alguns anos, tornou-se membro ativo da organização Observatório de Favelas, no Rio de Janeiro.
Ali, como um dos coordenadores do projeto Imagens do Povo, oferece a oportunidade da reeducação do olhar do morador da favela. E da divulgação desse outro olhar. Pois grande parte das vezes, tal grupo desenvolve uma imagem negativa de si, devido à versão estereotipada dos fatos que a mídia costuma contar sobre eles e sobre o seu ambiente para o país.
Por exemplo, a versão de que a principal realidade da favela é o tráfico e que todos os moradores do lugar são pessoas potencialmente criminosas ou estão em vias de criminalidade. “A história única não é necessariamente mentirosa, ela pode ser verdadeira. O problema é que se transforma na única verdade daquela pessoa, daquele local, daquele país. E, com isso, gera preconceitos que mexem com a dignidade da pessoa”, observa Ripper. “Apenas 0,5% daquela população está envolvida com o tráfico. É preciso descobrir a identidade dos outros 99,5%, que são trabalhadores, estudantes, gente comum”, pondera.
Ripper relata, também, que na favela existe um número impressionante de realizações de iniciativa da própria comunidade, tão fortes e significativas que chegam a conseguir preencher espaços onde o estado está pouco presente ou ausente.
O próprio Imagens do Povo é um centro de documentação, pesquisa, formação e inserção de fotógrafos populares no mercado de trabalho. Busca aliar a técnica fotográfica às questões sociais, documentando o cotidiano das favelas com percepção crítica, respeitando os direitos humanos e a cultura local. Ripper conta que projeto, que contabiliza oito anos – e já atravessou muitas dificuldades – tem 40(!) fotógrafos vivendo apenas de fotografia. O Imagens do Povo, muitas vezes premiado nacionalmente, já expôs seu trabalho no CCBB (RJ), na Caixa Cultural, no Palácio do Planalto e na Canning House, em Londres.
Também com o público infantil, o Imagens do Povo atua, incentivando o registro de imagens com câmeras “pinhole” (lê-se “pinrrôle”), feitas pelas próprias crianças, levando-as a descobrir o espaço onde moram, a família, as belezas que essas pessoas têm. E aí Ripper reavalia e aprofunda o conceito do belo: “A beleza não é apenas a estética, mas a beleza dos fazeres, como o trabalho, o brincar e a cultura”.
E, prossegue, apresentando os resultados da iniciativa: “Esse exercício faz a autoestima das crianças voltar, faz com que se descubram. Acho que são esses os princípios que um documentarista deve ter: a arte e a magia do processo do documentário é você aprender e descobrir valores. Então, é muito mais um trabalho para o qual você não se apresenta como senhor das ações, ou da sabedoria, e não chega para julgar, mas para aprender. E isso te obriga a contar as várias histórias de uma pessoa de uma comunidade”, reflete.
Todo esse riquíssimo cabedal de experiências, técnicas e virtudes solidárias Ripper compartilhou em Rio Branco nos últimos dias, por meio de oficinas de fotografia para profissionais e cidadãos comuns. O convite partiu do Pium Fotoclube, da capital.
Para o acervo da Biblioteca da Floresta, em Rio Branco, onde ocorrem as oficinas, o profissional prometeu cópia de todo o arquivo fotográfico que tem sobre o Acre. Atitude que, generosa, está plenamente de acordo com os valores que sustenta: o fotografado tem o direito de rever o trabalho produzido a partir de sua imagem e de utilizá-lo para melhor se conhecer e buscar o que precisa.
É certo que as diversas contribuições de Ripper ao Estado do Acre já ajudaram e continuarão ajudando os acreanos a se apropriarem de sua história e identidade. E a olharem para o amigo João Roberto com apreço e gratidão.
Afinal, um talento do naipe de Ripper seria reverenciado em qualquer lugar do mundo, com direito a ótima gratificação financeira e prestígio internacional. Mas, apaixonado e comprometido com a felicidade do povo da sua terra, escolheu viver no Brasil, exatamente no conturbado Rio de Janeiro, e dedica a vida a revelar a gema preciosa que existe em todos, todos e todos.
João Roberto Ripper é brava gente brasileira.
Galeria de imagens
Terra – Images by Joao Ripper