Graças à revolução tecnológica sem precedentes da qual nossa geração é beneficiária, tive o prazer de acompanhar a excelente transmissão via streaming que a Secretaria de Comunicação do Acre fez da palestra que o secretário-geral adjunto da Organização das Nações Unidas (ONU) e secretário executivo da Comissão Econômica das Nações Unidas para África (CEA), o ilustre africano de Guiné-Bissau Carlos Lopes, proferiu para poucos no auditório da Fieac, em Rio Branco, dia 21 de outubro.
Antecipo meu agradecimento ao amigo Alexandre Nunes, diretor da Rede Pública de Rádio e Televisão do Acre, por ter compartilhado, via whatsApp, o endereço de acesso ao excepcional conteúdo. Afinal, não é todo dia que a gente tem uma das autoridades mais respeitadas da ONU, falando em português, sobre sua experiência de trabalho humanitário e os desafios que os povos do planeta têm que superar para que tenhamos um mundo melhor, mais solidário e que responda melhor às equações que Jean-Jacques Rousseau formulou 254 anos atrás em seu “Contrato Social”, no que diz respeito ao equilíbrio entre homem e natureza e a extensão da solidariedade entre pais e filhos para a comunidade, para as nações e para as gerações atuais e futuras.
Foram tantas abordagens interessantes nas duas horas de conferência que só assistindo-a integralmente https://youtu.be/RfOJB8QV770 para ter a dimensão de seu alcance.
É fascinante a forma como esse PhD pela Universidade de Sorbonne, apaixonado pelo Acre e amigo do Elson Martins e da Andréa Zílio, passeia com total domínio sobre temas tão vastos e palpitantes quanto história, política e relações internacionais, economia, sociologia, demografia e os compromissos a serem firmados na Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, que será realizada em dezembro em Paris.
Ele começa resgatando as principais deliberações sobre o meio ambiente e sustentabilidade, desde Estocolmo em 1972, Rio de Janeiro em 1992 e Rio Mais 20 em 2012, refletindo como o antigo conceito de conservação evoluiu para o conceito de sustentabilidade hoje firmado nos pilares econômico, social e ambiental, todos com a mesma ordem de importância e sob a responsabilidade de todos.
Carlos Lopes mostra, da mesma forma que havia feito no mês de maio em entrevista à Carta Capital, e reafirmou dia 23 último na reunião no Instituto Lula, em São Paulo, que a África é o continente que mais cresce no mundo, a uma média de 5% ao ano nos últimos 15 anos, que concentra 50% das operações bancárias móveis do planeta e que a abordagem catastrófica feita pela mídia não condiz com a realidade vivida pela maioria do povo africano.
Fala-se em tragédia migratória, mas ele mostra que, num continente com um bilhão de habitantes, apenas dois milhões de pessoas, ou seja, 0,02%, migram para a Europa por ano. E mais: prova que a Europa precisa da juventude africana, porque sua população está envelhecida, não tem reposição de força de trabalho e em muito breve não suportará o desequilíbrio previdenciário, que precisa de mais pessoas trabalhando e contribuindo para sustentar os aposentados.
Citou o exemplo da Espanha, que recebeu e legalizou mais de três milhões de latino-americanos nos últimos anos e foi exatamente o primeiro país europeu a sair da atual crise econômica.
Abordou questões polêmicas, como a manutenção da reserva cambial em instituições financeiras fora de áreas de risco, que prejudica fortemente países emergentes e beneficia as grandes potências.
É incrível que os países africanos tenham 600 bilhões de dólares em reservas cambiais, mas não possam fazer uso dos dividendos dessa poupança para o seu desenvolvimento. O próprio Brasil, com seus 361 bilhões de dólares em reservas cambiais, está impossibilitado de lançar mão de parte desse valor para equilibrar seu orçamento e se submete a apresentar uma proposta orçamentária para 2016 com R$ 52, 60 ou 100 bilhões de déficit, mesmo tendo mais de R$ 1 trilhão em reservas. É só fazer a conversão dos 361 bilhões de dólares pela cotação do dia e teremos o valor exato das nossas reservas em reais!
A importância da economia verde é outra abordagem relevante de Carlos Lopes. Ele defende que na COP-21 sejam firmados compromissos pautados pela justiça climática, com os países que poluem menos sendo financeiramente compensados pelos que mais poluem. Estados Unidos e China, que são responsáveis por 40% das emissões de gases poluentes no planeta, têm que encostar o umbigo no balcão e dizer como vão pagar pelos danos causados à humanidade.
Recorreu ao francês Thomas Piketty, autor de “O Capital no Século XXI”, para sugerir que reflitamos sobre como diminuir a riqueza da parcela de 1% que domina 50% de tudo o que a humanidade acumulou como estratégia para reduzir a pobreza no mundo. Em síntese: em vez de reduzir a pobreza, por que não reduzir a riqueza? Falou do salto que os emergentes precisam dar para superar o chute na escada que os ricos deram para se proteger contra futuros concorrentes e reforçou a ironia que é a economia mundial funcionar em função do dólar, porque a cultura monetária dos povos na atualidade está fortemente condicionada ao dólar. E quem ousa pensar diferente? Os Estados Unidos não precisam mais de lastro em ouro para emitir bilhões em papel moeda. Imagine se o Brasil, em crise, imprimisse reais! O mundo viria abaixo!
Com otimismo e esperança, Carlos Lopes terminou evocando Nelson Mandela para reforçar que o impossível pode ficar ainda mais difícil se não dermos o primeiro passo. Simples assim! Valeu, Carlos Lopes! Que os professores falem dessa magistral palestra para seus alunos, e que os parlamentares do Acre usem a tribuna para divulgá-la. Estamos todos carentes de bons argumentos!
Aníbal Diniz, 52, jornalista, graduado em História pela Ufac, foi diretor de jornalismo da TV Gazeta (1990 – 1992), assessor da Prefeitura de Rio Branco na gestão Jorge Viana (1993 – 1996), assessor e secretário de comunicação do governo do Acre nas administrações Jorge Viana e Binho Marques (1999 – 2010) e senador pelo PT/Acre (dez/2010 – jan/2015), assessor da Liderança do Governo no Congresso Nacional entre março e outubro de 2015 e atual integrante do Conselho Diretor da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel).