Leonardo Boff, teólogo
A presença de Celene Maria Prado Maia é carregada de emoção. Emana força, empatia, entusiasmo e compaixão. E contagia quem está por perto. Características que, aliadas a competência, são ferramentas fundamentais para realizar uma das missões que estão sob sua responsabilidade há 11 anos recém-completados, na Secretaria de Saúde (Sesacre): manter e desenvolver o programa “Saúde Itinerante”, que oferece serviço médico às populações mais distantes do Acre, incluindo as comunidades ribeirinhas e extrativistas.
Celene faz o levantamento das necessidades do seu público-alvo em todo o Estado, planeja as expedições, opera a logística das viagens e instalações, convoca os médicos, biomédicos, enfermeiros e assistentes sociais com o perfil humanitário adequado e acompanha todas as diligências.
Para cada uma das tarefas a que responde, essa enfermeira desenvolveu uma expertise. Como sensibilizar determinado médico a participar do programa? Como incentivar a equipe de trabalho a continuar atendendo ao final de um dia cansativo, diante da fila de pacientes que ainda aguardam atendimento? Como manter o bom-humor da tropa diante de uma viagem em carroceria de caminhão, de um carro atolado na lama, de um barco encalhado? Celene sabe.
E ninguém tem coragem de lhe negar um pedido. Porque o modo como ela pede, sua humildade e doçura, além dos argumentos absolutamente verdadeiros que usa para evidenciar as necessidades muitas vezes gritantes do próximo, são para dobrar qualquer um que tenha um mínimo de sensibilidade.
Assim, sua equipe heroica enfrenta viagens inóspitas, transforma espaços de escolas e pátios em consultórios, dorme no chão, dentro de barcos, enfim, tudo o que é necessário para servir as comunidades. “E trabalham contentes”, ressalta. Ela conta que, certa noite, acomodaram-se para dormir ao ar livre, sobre uma estrutura que lhes pareceu algo como um jirau grande. Depois que todos já estavam deitados, ouviram ruídos vindos de baixo das madeiras sobre as quais estavam. Um dos médicos lhe disse: “Acho que estamos em cima de um chiqueiro”. Ao que ela respondeu: “Também acho. Mas estamos tão cansados que vamos ficar aqui mesmo. Boa noite, doutor!”
Assim, ao longo de mais de uma década servindo, o povo acreano mais simples dos municípios a conhece. Onde quer que ela chegue com sua equipe, logo é recebida com alegria e abraços, pois as comunidades reconhecem a atuação do Saúde Itinerante. Mas Celene ensina que o ganho é mútuo: “Aprendemos com essas pessoas a grandeza dos valores mais simples, como otimismo e solidariedade. Elas vêm das colocações mais distantes quando sabem que estamos nas redondezas. Andam horas a pé, de barco. Por isso não rejeitamos ninguém. E quando vamos atender no meio da floresta, somos tão bem acolhidos, respeitados… Eles nos oferecem o que há de melhor em suas casas humildes. Muitas vezes choram de gratidão pelo nosso serviço, até de joelhos. A maioria nem sabe que saúde é um direito de todos e dever do Estado.”
E, em se tratando da defesa da cidadania, Celene também sabe ficar brava: “Enfrentamos todos os obstáculos imagináveis para levar atendimento a quem tanto precisa e damos tudo de nós para superá-los. Então, fico muito revoltada quando vejo um documento que auxiliaria o nosso trabalho parado em cima da mesa de um colega, por descaso ou burocracia.”
Ah, se o mundo tivesse muitas Celenes para despertar a consciência dos que dormem em sua acomodação, para convencer profissionais de boa vontade a participarem de um projeto trabalhoso e gratificante, para multiplicar a ciência da doação…
O Acre tem uma.