Os desafios e a logística necessária para construir uma estrada na Amazônia
Construir uma estrada em meio a florestas e rios implica aceitar a condição de isolamento, as dificuldades geográficas, e assumir o desafio de montar, em plena Amazônia, toda a estrutura necessária para abrigar homens, máquinas e material necessário para a obra. Dessa necessidade, surgiram verdadeiras miniaturas de cidades ao longo do trecho da BR-364 entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul. Os acampamentos das empresas responsáveis pela construção da estrada contam com muito mais que dormitórios.
Com a obra dividida em lotes, cada um assumido por uma empresa de acordo com as licitações, a solução é trazer para a beira da estrada alojamentos, oficinas mecânicas, escritórios de fiscalização e cozinhas industriais. A rotina nos acampamentos não difere muito de uma cidade normal. O leitor pode até comparar com um quartel, se preferir a metáfora. Hora de acordar! Todos de pé, café da manhã servido, barriga cheia, todos por trecho para assumir, cada um, a sua função.
Para que o acampamento funcione – e esteja pronto para fornecer alimentação e hospedagem adequada aos trabalhadores, reparos e consertos às máquinas -, é preciso bem mais que operadores de máquinas pesadas, engenheiros e tratores. Um exército comanda a cozinha, as oficinas, a logística. Comunicação via rádio garante o contato da base com as “viaturas” que percorrem os trechos e fazem a grande engrenagem funcionar.
Há quem vá dormir nas cidades próximas, já que boa parte da mão-de-obra contratada reside, originalmente, nos municípios que a BR corta. Mas, quando a noite vai descendo sobre a floresta, os trabalhadores, que já deixaram para trás seus postos de trabalho, chegam aos acampamentos para o merecido banho, a esperada janta e a desejada cama. Sempre há tempo para um papo ou um dominó. Sem esquecer, que no dia seguinte, a rotina começa outra vez.
E no meio do caminho tem uma oficina…
Imagine uma empresa responsável pela construção de trinta quilômetros de estrada, com uma equipe que ultrapassa 300 homens e um pátio que hoje tem 90 máquinas? Considerar que nenhum trator ou caminhão, trabalhando nos trechos de obras, carregando materiais e forçando os motores por horas a fio, todos os dias, vai apresentar problemas, é contar com o acaso. Mas não é o que acontece na rotina das empresas.
“A cada semana 20% dos nossos equipamentos apresentam problema. A maioria deles é simples de resolver. Os mais graves atrapalham demais o andamento porque às vezes passa a não depender da nossa oficina para consertar, e fica complicado. Mas, se for preciso, até reconstruir peça a gente reconstrói. Aqui é longe, isolado e difícil. Tem que se virar com o que há e fazer a coisa andar”, disse o chefe da oficina da Etam, José Antônio Lopes de Araújo, 44 anos de idade, 20 anos de profissão, há uma década na empresa. A família, que ficou em Manaus (AM), sede da construtora, ele estava voltando para rever na semana em que foi entrevistado. De trecho em trecho, a cada obra que a empresa ganha em licitações, ele arruma a mochila e põe o pé na estrada.
As oficinas montadas nos acampamentos são completas e contam com mecânicos, eletricistas, auxiliares de montagem e soldadores, além de todos os equipamentos necessários. Os casos mais complexos são levados para as bases. Os mais simples são resolvidos na beira da estrada mesmo, em oficinas volantes montadas sobre rodas. É preciso um bom grau de autossuficiência em resolução de problemas mecânicos se quiser fazer uma obra como esta andar.
Lições de vida e de convivência
A casa e os dois filhos, ambos do primeiro casamento, ela deixou em Manaus, sede da empresa em que trabalha. Arrumou a bagagem e seguiu, acompanhando a estrutura da construtora, para algum lugar na floresta amazônica, com a missão de fazer parte de uma grande engrenagem criada com uma missão: entregar 23,8 quilômetros de uma estrada que sempre significou bem mais que uma camada de asfalto, mas representa os sonhos de cada um dos moradores que fazem parte dessa história.
Elizangela Maria de Oliveira é tímida. Não revela a idade e não se permite fotografar. Mas é simpática. Conta – enquanto controla o sistema de rádio que liga o acampamento – os carros que percorrem o trecho e acompanham a obra e afirma que a vida no acampamento não é fácil, mas também não é assim, tão difícil….
“Aqui a gente convive com todo tipo de gente. Cada dia é um aprendizado. Cada pessoa tem um gênio, um jeito de ser, um bocado de problemas e outro tanto de vontades, de sonhos, de saudades. É preciso aprender a se relacionar com as pessoas e ter paciência, muita paciência, porque cada um é de um jeito e não dá para escolher com quem se vai estar”, diz.
Para ela, que há quatro verões deixa Manaus e vem para o Acre ajudar a construir a estrada, o segredo da convivência é o respeito por cada um.
Uma BR, muitos trechos e várias construtoras
Fidens, Etam, Colorado, Construmil. Ao longo da BR-364, são muitos acampamentos, muitos depósitos de materiais como cimento, brita, seixo e usinas de asfalto. A Fidens já cumpriu sua parte na obra e agora o barco é tocado pelas empresas Etam, Colorado, Construmil. Cada uma é responsável por um trecho na BR e juntas elas movimentaram, no auge do verão deste ano, 1.200 máquinas e 3.000 homens. O Deracre, que fiscaliza a execução da obra, mantém escritórios entre Rio Branco e Cruzeiro do Sul.
A divisão dos trechos entre as construtoras é feita por meio de licitação, que foi dividida em lotes para evitar que uma única empresa concentrasse todo o volume da obra.
Aço do Sul, seixo da Colômbia, brita do Abunã
Nos últimos anos, enquanto caçambas cruzavam a BR-364 nos meses de verão carregando materiais para os trechos de obras, balsas deslizavam pelos rios aproveitando as águas do inverno. A ousadia de construir uma estrada em meio à Amazônia, num terreno inadequado e numa geografia desfavorável, custou uma logística digna de acreanos: igualmente ousada.
As 4,2 toneladas de aço que ajudam a estruturar a maior ponte da BR-364, que atravessa o Rio Juruá, vieram do Sul do Brasil. Pedra é um material que não existe em território acreano, mas que não pode faltar na obra. Logo, precisava vir de longe. E a distância mais curta para a parte da obra localizada no Juruá foi Letícia, na Colômbia, a mais de quatro mil quilômetros, passando pelos rios Japurá, Madeira e Juruá, já que transportar brita do Abunã para a região de Cruzeiro do Sul era, logisticamente, uma insensatez.
Os milhares e milhares sacos de cimentos também vieram de longe: Brasília, Goiânia, Manaus. Só na Ponte da União foram utilizados 70 mil sacos com 50 quilos cada um.