Brava Gente – Um doutor humano

Se o Acre conseguiu controlar a disseminação da hanseníase no estado, deve muito ao médico William John Woods. Foto: Diego Gurgel/Secom
Se o Acre conseguiu controlar a disseminação da hanseníase no estado, deve muito ao médico William John Woods. Foto: Diego Gurgel/Secom

“O Rio Purus tem 3.600 quilômetros. Eu percorri os 3.600, mais os afluentes”, conta o médico William John Woods, irlandês radicado em Rio Branco. Na verdade, ele cursou, durante décadas, não apenas um, mas todos os rios acreanos e afluentes, acompanhado de profissionais da saúde pública. A razão foi das mais nobres: identificar casos de hanseníase e realizar o controle da doença em todo o estado.

Há 35 anos em terras acreanas, seu esforço não tem sido em vão. Nas décadas de 70 e 80, o Acre era o recordista brasileiro em hanseníase, onde chegaram a ser identificados 500 casos anuais da doença. Em 2013, esse número foi de 15. Na capital, o Hospital Souza Araújo, especializado na área, já abrigou 500 internos. Hoje tem apenas 30. Pelas mãos do “doutor Williame” ou “doutor Guilherme”, como é conhecido, já passaram cerca de 12 mil pacientes portadores do mal de Hansen e receberam alta.

Quando, em 1986, o Ministério da Saúde determinou a implantação, em alguns estados, da poliquimioterapia (PQT), então uma nova técnica de combate à hanseníase recomendada pela Organização Mundial de Saúde, foi pelos esforços de William que o Acre foi incluído no projeto-piloto.

O benefício de todas as ações lideradas por esse homem não aponta somente para a cura orgânica de uma das doenças mais temidas desde a Antiguidade – o que já é um grande feito. Mas, para além da superação dos sofrimentos e horrores físicos que a hanseníase é capaz de produzir, a humanidade pode comemorar a libertação de um estigma tão arcaico que foi ilustrado biblicamente.

No Brasil, até o final da década de 70 uma lei determinava a internação obrigatória de pessoas com hanseníase em hospitais-colônia. De modo que não é incomum ouvir no Acre o relato, sempre carregado de pesar, de filhos que, na infância, tiveram os pais arrancados do seu convívio e que apenas quando já eram adultos os conheceram ou reconheceram.

Talvez tenha sido esse ambiente de padecimento e de precariedade no atendimento em saúde que tenha motivado, lá pelos idos dos anos 60, o rapaz em missão batista no Amazonas, então com apenas 22 anos, a estudar Medicina, o que realizou em Manaus. Depois, fez residência em Dermatologia no Rio de Janeiro e ainda especializou-se em Oftalmologia na sua Irlanda.

Também estudioso da doença de Jorge Lobo, moléstia tropical pouco conhecida, Woods é uma referência nacional por ter descoberto que a medicação utilizada para portadores de hanseníase também tem efeitos positivos em pacientes de Jorge Lobo. Com base nesse dado, iniciou seu projeto de pesquisa junto à Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre), em parceria com o Instituto Lauro de Souza Lima, de Bauru (SP). E o Acre é o único estado do país que oferece o tratamento.

Quase lacônico, o estilo pessoal de William é bastante discreto. Provavelmente ninguém ficará sabendo, por seu intermédio, que, por conta dos serviços que prestou à humanidade, é Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Acre (Ufac), nem que foi uma das cem personalidades condecoradas pelo Estado do Acre com a réplica da espada de Plácido de Castro e nem mesmo que recebeu da rainha da Inglaterra o título de “Sir”, como Cavaleiro da Ordem do Império Britânico.

Sem alarde, apenas trabalha. E já completou 77 anos. Deixou o cargo de coordenador do Setor de Hanseníase do Hospital das Clínicas do Acre para poder clinicar. Explica com simplicidade: “Prefiro atender”. E não deixa de mencionar as conquistas: “Hoje contamos com todo o apoio da Saúde do Estado”.

Quando fala, entretanto, da adaptação de um cidadão europeu ao ambiente amazônico e ao idioma português, Sir William John Woods dá mostras de que mantém o humor britânico: “Os primeiros 50 anos são os piores”.

Mas por que ele permaneceu aqui mesmo enfrentando condições tão adversas? Provavelmente porque, movido por ideais profundamente solidários, ao se deparar com as dores do corpo e da alma humana, reagiu como bem poucos: tomou para a si a responsabilidade de aliviar o sofrimento dos seus semelhantes.

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