Dos seringais às colocações que viraram hortas, pomares e campos de cultivo

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Bento e outros companheiros seguem de manhã ou de noite para deixar a produção no Ramal da Linha 10, que dali é levada para a Ceasa (Foto: Arison Jardim/Secom)

Inicialmente, o Acre foi formado por povos tradicionais e migrantes nordestinos, que lutaram para que o território, grande produtor de látex, se tornasse brasileiro. Trabalhavam, quando não escravizados – como nos casos de alguns indígenas -, em um modelo trabalhista no qual não possuíam a terra nem podiam produzir nada em suas “colocações” (extensão de terra destinada a cada seringueiro). O trabalho era sangrar a seringueira e coletar o látex, apenas.

Com as consequentes mudanças na relação de comércio do Brasil com o exterior e a queda dos ciclos da borracha, o seringueiro, agora um legítimo homem amazônico, teve que buscar alternativas. A coleta da castanha e extração de outros produtos da floresta foram os primeiros passos entre os varadouros, seguindo para a agricultura, experiência que estava no passado camponês do seringueiro.

“Antes, lá na cidade, o produtor chegava e entregava para o atravessador. Muitos enganavam a gente. Com o PAA é uma venda que a gente faz, recebe direitinho, é como dinheiro na poupança.”

Bento de Noronha

Segundo pesquisa do Ph.D. em antropologia social pela Cambridge University, William Barbosa, no início da década de 1980 os seringueiros constituíam metade da força de trabalho rural do Acre, gerando 33% do valor da produção do campo. Há 57 anos morando no Seringal Novo Horizonte, em Porto Acre, Bento de Noronha, 58, é um desses ex-seringueiros que deixaram o corte nas árvores para lavrar o chão.

Do látex ao roçado

“Ainda hoje tem um rapaz lá dentro [do seringal] que corta seringa, acho que é pra não esquecer”, diz Bento, na beira do Rio Acre, no Ramal Linha 10, em Rio Branco. Junto com outros companheiros, ele aguarda o caminhão da Secretaria de Estado de Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof) para levar a produção das famílias para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).

Antes de começar a conversa sobre o que ele e os companheiros produzem atualmente, Bento aproveita para contar a história de seu seringal: “A cultura teve que mudar! A gente tirava seringa pra vender, mas se sustentava mais com açaí, patoá, castanha, abacaba, essas coisas da mata. Mas a gente ficou cercado pelos fazendeiros, que chegavam derrubando, conta”.

“Daqui da beira do rio até três quilômetros dentro não derrubaram, e hoje a gente produz de tudo”, afirma Bento. E produzem mesmo. O agricultor conta que em uma semana fez a entrega de toda sua cota anual para o PAA, que é de R$ 5,5 mil. “Aqui se produz tudo – da cebola até o queijo. Existe companheiro que na época da melancia leva de duas a três carradas de 10 toneladas, homem!”, exclama.

A luta do mercado atual

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Manoel e Maria chegaram a Rio Branco vindos do Seringal Porto Brasil, no Rio Jurupari, em Feijó (Foto: Arison Jardim/Secom)

Desde 2004 no Acre, o PAA tem ajudado de diversas formas os agricultores familiares. Bento relata como era a situação antes de entrar para o programa: “Era a maior dificuldade conduzir um barco daqui pra cidade, carregado com 2,3 toneladas, tocando o motor pelo timão até Rio Branco. Hoje traz a produção para este ramal, e o caminhão da Seaprof vem buscar aqui”.

“É muito cansativo a gente estar vendendo assim, pra cima e pra baixo”, diz Manoel de Souza, 58 anos de vida, muitos deles como seringueiro. Atualmente no Ramal São Pedro, Polo Hélio Pimenta, Manoel vive com a mulher Maria de Souza e seis filhos, todos produzindo hortaliças, frutas e frango.

“Comércio é assim: às vezes muito, às vezes nada. Com o PAA, a gente tem a venda garantida.”

Manoel de Souza

A família de Manoel já teve problemas sérios logo que chegou a Rio Branco. Devido à pouca experiência, perdiam muitos produtos nas feiras. Mas há três anos, além de entregarem para o PAA, conseguem produzir o suficiente para vender duas vezes por semana em feiras na capital.

Enquanto colhem cheiro-verde para a feira do dia seguinte, Manoel e a família, que cortaram seringa até 1995, muitos deles no Seringal Porto Brasil, no Rio Jurupari, em Feijó, de forma simples e sincera revelam por que ainda vivem entre o verde, agora das hortas. “Produzimos porque é nosso ramo de vida; chegamos aqui [Rio Branco] como seringueiros”, diz Manoel.

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