Jornalista acreano transformou o jornalismo brasileiro ao criar o Jornal Nacional e fazer de crônicas a paixão pelo esporte e a vida
O jornalista acreano Armando Nogueira morreu nesta segunda-feira, 29, no Rio de Janeiro, após três anos de intensa luta contra um câncer no cérebro. Xapuriense de nascimento, Armando Nogueira deixou o Acre aos 17 anos para ir morar no Rio de Janeiro. Ali, formou-se em Direito e passou a trabalhar como jornalista. Voltou ao Acre muito tempo depois, em 2003, quando participou de um bate-papo com jornalistas e alunos na Escola Estadual que leva o seu nome, uma justa homenagem ao homem que dedicou a vida às letras e à informação, um amante dos esportes e referência como profissional do jornalismo brasileiro. Armando Nogueira tinha 83 anos.
"A Escola Armando Nogueira é agora uma semente, símbolo e alma do filho pródigo que a inspirou", afirmou o Governador Binho Marques em uma homenagem publicada em nota oficial na tarde desta segunda. O Governo também decretou luto oficial de três dias no Estado.
Armando Nogueira era filho de cearenses que emigraram para o Acre, nascido na mesma cidade onde também nasceu o seringueiro e líder sindical Chico Mendes. Entrou para a Faculdade de Direito e conseguiu um emprego de ensacador, mas pensava em ser jornalista. Em 1950, foi trabalhar na seção de esportes no Diário Carioca. Esse jornal reunia, na época, os mais expressivos jornalistas do Rio de Janeiro. "Ele honrou o Acre com seu sucesso e foi uma pessoa que inspirou o esporte brasileiro", disse o secretário de Esportes, Turismo e Lazer do Acre, Cassiano Marques.
Armando foi também pioneiro na televisão brasileira, ao trabalhar, a partir de 1959, na primeira produtora independente do país, dirigida por Fernando Barbosa Lima, onde escrevia textos para os locutores Cid Moreira e Heron Domingues lerem na antiga TV-Rio.
Convidado por Walter Clark, foi para a Rede Globo em 1966 onde implantou, com Alice Maria, o telejornalismo da emissora. Graças ao trabalho de Armando e Alice Maria, o telejornalismo, que antes era visto como uma coisa menor, passou a atrair o interesse dos profissionais e do público. Nos 25 anos que passou na Globo foi responsável ainda pela implantação do jornalismo em rede nacional e pela criação dos noticiosos Jornal Nacional e Globo Repórter.
Mas sua paixão sempre foi o esporte, em especial o futebol. A partir de 1954, esteve presente na cobertura todas as Copas do Mundo e, desde 1980, de todos os Jogos Olímpicos. Mantinha uma coluna reproduzida em 62 jornais brasileiros, um programa no canal por assinatura SporTV, um programa de rádio e um site na Internet. Era também proprietário da Xapuri Produções, que faz vídeos institucionais para empresas, para as quais também profere palestras motivacionais. Escreveu dez livros, todos sobre esportes.
Botafogo, uma paixão – No futebol, foi torcedor apaixonado do Botafogo. A diretoria do clube decretou luto por três dias e o time enfrentará o Boavista com uma tarja preta na camisa, em homenagem póstuma ao ilustre mestre do jornalismo. Armando Nogueira será enterrado nesta terça-feira, ao meio-dia, no cemitério São João Batista, em Botafogo.
Professora lembra irreverência do aluno Armando Nogueira
Então diretora da Escola Maria Angélica de Castro, que sucedeu a 24 de Janeiro, a professora Clarice Fecury relembra, do alto de seus 90 anos de idade, que um dia o secretário de Educação fez uma visita à escola e decidiu conhecer dois estudantes, Aluízio Maia e Armando Nogueira, dos quais se falava eram por demais conversadores.
Depois de algum tempo com os dois rapazes, o secretário dirigiu-se à Clarice Fecury, diretora da escola: "Esses dois alunos são maravilhosos", disse o gestor. "Armando Nogueira era muito levado, brincalhão, mas era também muito simpático e estudioso", disse a professora Clarice Fecury.
Florentina Esteves: "Era inteligentíssimo"
A educadora Florentina Esteves guarda algumas situações marcantes da infância com Armando Nogueira. Numa delas, faltou goleiro na pelada diária do Campo dos Pipiras, na Escola 24 de Janeiro (que mais tarde se chamaria Maria Angélica de Castro, no Segundo Distrito de Rio Branco), e Armando convocou a jovem para ajudar o time no gol. A atuação não foi das melhores e hoje Florentina ri dessa história.
{xtypo_quote_right}Ele escrevia muito bem. Os textos de esporte eram crônicas de arte
Florentina Esteves, escritora{/xtypo_quote_right}Ela ficou sabendo da morte do amigo somente por volta das 11h. Sua secretária ligou do Rio de Janeiro para comunicar que a cidade estava em grande tristeza devido à passagem do jornalista. Para Florentina, a característica marcante de Armando Nogueira era de fato a inteligência. "Ele escrevia muito bem. Os textos de esporte eram crônicas de arte", disse. "Ele era inteligentíssimo".
Na Internet, a Enciclopédia online Wikipedia confirma essa constatação: "Armando Nogueira é dono de um estilo original e elegante, que foge dos lugares comuns que proliferam na crônica esportiva. Pode-se dizer que fez escola, pois vários repórteres esportivos tentam imitá-lo. Não raro, Armando extravasa sua veia poética para demonstrar sua admiração pelo esporte e por seus ídolos. Algumas de suas frases inspiradas se tornaram antológicas. A seguir, alguns exemplos.
* Sobre futebol e caráter: O futebol não aprimora os caracteres do homem, mas sim os revela.
* Sobre a vitória na Copa de 1970: Choremos a alegria de uma campanha admirável em que o Brasil fez futebol de fantasia, fazendo amigos. Fazendo irmãos em todos os continentes.
* Sobre Garrincha e sua habilidade para driblar: Para Garrincha, a superfície de um lenço era um latifúndio".
Elson Martins: "sua morte doeu em mim"
O jornalista Elson Martins viu seu interesse por futebol crescer depois que descobriu que Armando Nogueira era nascido no Acre. Elson faz um breve relato de como conheceu o trabalho de Armando: "Nos anos 1960, quando procurava meu lugar ao sol em Belo Horizonte, como estudante de Cinema e Belas Artes, pouco me interessava o futebol. Mas procurava, nas bancas de revista, o Jornal do Brasil para ler as crônicas poéticas que ele escrevia. Quando soube, mais tarde, que era acreano de Xapuri, meu interesse pelo futebol cresceu. Passei a freqüentar o estádio Mineirão e torcer pelo Cruzeiro. No final de 2006, tive a felicidade de ser apresentado a ele pela novelista Glória Peres, no Rio de Janeiro. Puxa vida! Sua morte doeu em mim, de verdade".
O estudante e o valor do nome da escola
Aos 16 anos, Cícero André cursa o 3º ano do ensino médio na Escola Armando Nogueira, que nesta segunda-feira afixou uma faixa preta no portão em sinal de luto pela morte do jornalista. Cícero não conheceu Armando pessoalmente, mas tem contato com sua obra, um conjunto de livros de crônica esportiva disponível na biblioteca da escola. "Quando sobra tempo na aula, venho aqui para ler. Descobri muita coisa sobre Armando Nogueira aqui", contou o jovem Cícero, que encontrou importantes informações sobre o jornalista também na obra de outros profissionais, como Silvio Luiz, narrador esportivo. "As pessoas fazem homenagem a ele, há um prêmio com seu nome no canal SportTV, o que mostra sua importância", observou o estudante.
Para Cícero, estudar na escola que leva o nome de uma pessoa tão relevante para o Brasil "é motivo de muito orgulho". "Primeiro, tem a importância de que aqui é um colégio modelo", disse. A Escola Estadual Armando Nogueira, construída com recursos do Projeto Alvorada, teve um investimento de mais de R$ 2,3 milhões tanto para obra como a compra de equipamentos.
Cícero morava em Capixaba quando a escola foi inaugurada. A unidade ocupa o lugar daquela que já foi a Companhia Industrial de Laticínios do Acre (Cila) e tem hoje vocação para o esporte e a cultura – tanto que possui, além de quadra coberta, a única piscina olímpica do Estado, e um espaço para apresentações culturais. A escola oferece turnos pela manhã, tarde e noite, abrigando atualmente cerca de 1,5 mil alunos.
A antiga sede da Cila foi cedida para a construção da escola. Toda a infraestrutura da fábrica de laticínios foi alterada para montar auditório, biblioteca e sala de vídeo. Já a parte administrativa da indústria foi transformada em dois laboratórios de informática e um de ciências. Ao lado foram construídas 12 salas de aula, quadra poliesportiva coberta, vestiários, cantina, sanitários, bicicletário e passarelas cobertas, além de urbanização da área externa. No final de 2002, a escola foi equipada com mobiliário didático, pedagógico e administrativo, computadores e impressoras, bebedouros industriais, acervo bibliográfico e materiais gráficos. Sua inauguração se deu em 2003.
O Acre, a terra querida descrita em verso e prosa
Foram várias as bem traçadas linhas escritas sobre o Acre por Armando Nogueira. Sua paixão pela terra natal não era apenas proclamada em elogios gerais, assim como o fazia ao Botafogo, mas sua empresa, seu avião, seu endereço de email levavam a marca "Xapuri", o berço da nascença.
Em "O reencontro da infância" Armando narra a volta ao Acre ocorrida em 2003. "Foi um ano de reencontro. Viajei ao Acre, minha terra querida. Revi a gameleira secular em cuja sombra afetuosa transcorreu a parte melhor de minha infância", diz com seu estilo único de produzir a crônica. Na infância em Rio Branco, confessou, gostava mesmo era da intelectualidade de gente como o poeta Juvenal Antunes e da ambientação do Segundo Distrito, onde estudava, brincava e vivia: "Tinha eu, se tanto, dez anos de idade. Matava aula pra ficar ouvindo o canto de um poeta enfeitiçado, a quem devo a descoberta de duas paixões. Venerei Laura em cada verso que o bardo recitava à beira do rio Acre. Amor sem corpo, abstração de um poeta de água doce".
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Leia a crônica "O reencontro da infância":
O sol nasce pra todos, diz o provérbio. Não é uma verdade irrefutável, mas todos fazemos de conta que é. Não custa nada a criatura acordar, cada dia, com a esperança de que vai chover na sua horta.
Na hora de fazer o balanço do ano que passou, a voz mais ouvida é a do alívio: 2003 já foi tarde! Poucos rendem ao tempo recém-findo uma palavra de gratidão pelas coisas que poderiam ter sido e que acabaram sendo.
No meu caso pessoal, não me lembro de outro ano mais generoso na minha vida adulta. Não ganhei no bicho, sequer tentei a mega-sena, não cai nas graças de ninguém. Só não diria que passei em brancas nuvens porque a imagem não faria justiça ao doce enlevo de tantos vôos, meu aviãozinho e eu, a triscar estratos de algodão pelo céu de tantas rotas.
Foi um ano de reencontro. Viajei ao Acre, minha terra querida. Revi a gameleira secular em cuja sombra afetuosa transcorreu a parte melhor de minha infância.
Um dia, eu era o próprio Leônidas, o "homem de borracha" fazendo gol atrás de gol, na Copa de 58. Só não fazia gol de bicicleta pra ninguém achar que estava exagerando. No dia seguinte, eu trocava de pele. Vestia a túnica de general ateniense e, sob o mesmo nome de Leônidas, estava derrotando o exército persa, nas batalhas do desfiladeiro das Termópilas.
Passei horas de uma madrugada, em Rio Branco, a relembrar a voz gasguita do poeta Juvenal Antunes, na frente do Hotel Madrid, declamando, aos berros, seus poemas de amor: "Perdoa, Laura, o meu atevimento/ Lê esta carta, rasga e solta ao vento."
Tinha eu, se tanto, dez anos de idade. Matava aula pra ficar ouvindo o canto de um poeta enfeitiçado, a quem devo a descoberta de duas paixões. Venerei Laura em cada verso que o bardo recitava à beira do rio Acre. Amor sem corpo, abstração de um poeta de água doce.
A segunda descoberta foi o meu súbito amor pela palavra. Juvenal Antunes apurou meu ouvido pra magia da palavra. Ele alternava cânticos de êxtase e de irreverências: "Bendita sejas tu, preguiça amada/ Que não consentes que eu me ocupe em nada."
Aprendi com ele que a preguiça é um nobre sentimento que habita o coração dos poetas. Preguiça, teu verdadeiro nome é contemplação.
Na viagem que fiz ao Acre, fiquei amigo do governador Jorge Vianna, um moço que está fazendo na minha terra uma revolução sem armas. Sublimação da epopéia acreana em que uma geração de seringueiros anônimos morreu na floresta pela cívica teimosia de ser cidadão brasileiro. Não é uma simples retórica de poeta o verso do hino acreano: "Fulge um astro na nossa bandeira/ que foi tinto com sangue de herois." Correu sangue, de fato, nos combates de ferro e fogo contra o exército regular da Bolívia.
O neologismo florestania, em lugar de cidadania, é uma bolação de Jorge Vianna, inspirada, certamente, nos ideais de Chico Mendes, cujo martírio converteu-se em bandeira da floresta.
Visitei Xapuri, cidade em que nasci. Reencontrei, confluentes, em doce comunhão, os rios Acre e Xapuri, cúmplices ambos de um remoto devaneio que os anos acabam de me trazer de volta, íntegros. Águas silenciosas que nunca choraram por mim. Nelas, nada mudou. A fluidez é a mesma; mesmo é o remanso, em cujo vagaroso rodeio, até hoje, voltejam as minhas essências.
Louvado seja 2003, o ano que me devolveu a minha infância.{/xtypo_rounded2}
Confira o Vídeo :
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