Teve frio na barriga, emoção em meio a choros e risos. Teve, sobretudo, muita torcida de familiares e amigos presentes na etapa final do Festival da Canção Som da Liberdade “A Voz do ISE”, que fez do palco do Teatro Plácido de Castro (Teatrão) nesta quarta-feira, 27, o cenário de revelação de talentos musicais.
Bastaram o apagar das luzes e o abrir das cortinas para o show começar. E foram eles, adolescentes e jovens privados de liberdade, as estrelas do evento a fazerem o público vibrar em todas as interpretações.
O jovem F. R., 19 anos, abriu as apresentações. Desenvolto e cheio de gingado, nem parecia ser a primeira vez que subia em um palco para ser aplaudido. É que a alegria ia além disso, era o seu momento de vislumbrar tempos melhores e novos caminhos para trilhar.
“Esse momento representa uma oportunidade que muitas vezes a gente não tem lá fora, que é de mostrar algo que a gente sabe fazer ou que com o tempo pode aprender a fazer descobrindo um talento”, comenta.
F. R. agarrou a oportunidade de aprender nas aulas de canto ministradas por meio do projeto Som da Liberdade, assim como se dedicou a outros cursos intermediados pelo Instituto Socioeducativo durante o período em que se encontra em reclusão.
Quanto à profissão que seguir, essa já foi escolhida. “Fiz o Enem esse ano e pretendo cursar engenharia agrônoma por ser uma área que me identifico. Sei que isso só vai ser possível com as chances que estamos tendo de pensar melhor na vida e por causa de pessoas que acreditam em nós”, completa o jovem talento.
As famílias dos socioeducandos estavam em peso no evento. E a torcida pelo adolescente A. R. M, 17 anos, era uma das mais notáveis no teatro. A mãe, Natélia Souza, acompanhou o filho desde a primeira audição realizada dentro da unidade. E na final o coração não podia estar de outro jeito: a mil por hora. “O nervosismo toma conta da gente que fica aqui na plateia, mas estou confiante de que será uma das melhores apresentações da competição. É muito gratificante ver meu filho se destacando como resultado de dedicação e empenho dele dentro da unidade”.
E o filho fez bonito. Ao interpretar a música Romaria, A. R. M. deixou de lado a timidez de quem só se arriscava a cantar no chuveiro e emocionou jurados e convidados presentes. “Eu descobri em mim algo que gosto de verdade, antes só cantava em casa e nunca pensei que um dia pudesse aprender com músicos de verdade como aprimorar isso. Hoje eu pretendo terminar meus estudos e fazer uma faculdade de música”, declarou.
Doze finalistas e três vencedores
O festival é resultado das ações do projeto Som da Liberdade, executado pelo Instituto Socioeducativo (ISE) junto ao gabinete da vice-governadora Nazareth Araújo.
As etapas de audição foram realizadas em todas as unidades socioeducativas da capital e demais cidades, onde foram envolvidos 150 socioeducandos e selecionados doze finalistas. Destes, três foram os ganhadores da primeira edição do festival, sendo a premiação de R$ 600 para o 1° lugar, R$ 300 para o 2° e R$ 100 para o 3°.
Além disso, todos os finalistas farão parte da gravação de um CD, que deve começar a ser gravado no início de 2018, com músicas autorais do músico compositor Antônio Carlos Nascimento.
O diretor-presidente do ISE Rafael Almeida ressaltou a colaboração de todos os socioeducandos envolvidos e pontuou a mudança de comportamento dentro das unidades. “Estamos muito felizes em ver o resultado de uma iniciativa que surgiu com a intenção de acolher quem precisa, porque esse é nosso maior objetivo, estabelecer uma cultura de paz e tornar um ambiente melhor dentro das unidades. E essa ação representa muitos jovens que deixam as armas e as drogas e pegam um violão e se agarram à arte da música como um novo direcionamento para a vida”.
O Som da Liberdade também conta com outros colaboradores, como o Ministério Público do Acre (MPAC), Tribunal de Justiça (TJ), Movimentos de Mulheres Camponesas, (MMC), Assessoria Especial da Juventude (Assejuv) e Fundação Elias Mansour (FEM), entre outros.
Projeto se tornou política pública: uma conquista para a ressocialização
O Som da Liberdade foi instituído como programa, mediante sanção da Lei número 3.364, publicada no Diário Oficial nesta semana. A política pública estabelece que as aulas de canto sejam parte do dia a dia dentro das unidades socioeducativas. Já o festival entra para o calendário da instituição para ser realizado uma vez por ano.
A vice-governadora Nazareth Araújo frisou a importância da sanção. “Sem dúvidas essa é uma grande conquista para a ressocialização. Porque uma criança, um adolescente e um jovem são uma missão de carinho e de atenção que vai além do papel da família. E nós, enquanto Estado, precisamos acreditar que somos maiores do que tudo o que nos desafia. E se queremos pensar num futuro melhor, precisamos acreditar agora nessa juventude, e é com essa esperança que queremos entrar em 2018, de mãos dadas com as famílias, unidos por fé e amor”.
O secretário de Segurança Pública Emylson Farias completou: “Esse é o nosso momento de semear na vida de jovens que erraram, mas que precisam da oportunidade de andar por novos caminhos. E acreditamos que essa semeadura é o que nos dá a esperança de que nem o vento nem a tempestade poderão levar o que plantamos na vida deles”.