Batimentos cardíacos acelerados, pupilas dilatadas e bom-humor são alguns dos efeitos da paixão no organismo. Mas, e quando a relação passa a dar espaço para a depressão, baixa autoestima, medo e angústia, vale a pena continuar? É Dia dos Namorados e o papo é sobre relacionamento abusivo.
As intervenções começam de maneira bem sutil, como, por exemplo, o palpite na cor do esmalte e do batom, para você “ficar mais bonita”. Com o tempo, ele toma liberdade para lhe sugerir a roupa mais adequada para usar, locais a serem frequentados e os que devem ser evitados – geralmente bares e empreendimentos onde há predominância do público masculino.
Com o avançar da intimidade, o namorado perfeito também regula horários, bebidas, companhias (amigas feministas são sempre má influencia, um bando de mal amadas, afaste-se!), e por aí segue a lista de “orientações” que o parceiro cuidadoso e apaixonado lhe propõe aderir. Afinal, uma relação é baseada em concessões, não é mesmo?
O ciúme dos amigos é “natural”. Quem não conhece o ditado popular segundo o qual “não é ciúme, é zelo”? Ora, se ele não demonstra posse daquilo que é seu, certamente não ama. E assim somos induzidas pela sociedade a acreditar nisso, estimuladas a disputas femininas e a alimentarmos a ideia de que é necessário abrir mão de nossas vontades pelo bem-estar familiar, afinal, “uma mulher sábia edifica o seu lar” e o marido busca “na rua o que não tem em casa”.
Todo esse arsenal pesado de machismo é introduzido em nossas mentes por meio das distintas instituições sociais: escola, família, igreja, mídia, entre outras. Portanto, não é de surpreender que numa sociedade patriarcal, como o Brasil, em média doze mulheres sejam assassinadas todos os dias. Segundo levantamento do G1, o número de feminicídio (crimes de ódio motivados pela condição de gênero) cresceu 6,5% em 2017. No país do carnaval, do futebol e da diversidade, uma mulher é assassinada a cada duas horas. Sua sentença? Ser mulher!
Os maus-tratos do parceiro em relacionamentos abusivos se “justificam” nas escolhas de suas companheiras. “Bati porque ela me provocou”, “estava estressado, por isso xinguei”, “foi só um empurrão”, “roupa curta é coisa de piriguete”… Este é o pensamento de 65% dos brasileiros que, de acordo com o estudo desenvolvido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), acreditam que “mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas” e “se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”.
A culpabilização social das vítimas alimenta relações abusivas, exaltadas em datas comerciais como o Dia dos Namorados. Ele manda flores e bombons, mas compartilha piadas machistas. Faz declarações e posta fotos no Facebook, mas responsabiliza você pela educação dos filhos e a organização da casa. Ele diz que ama, mas xinga “por ciúmes”, fala do seu peso e da aparência, e lhe expõe as inúmeras formas de violência: patrimonial, moral, sexual, psicológica e física (todas, por sinal, previstas na Lei Maria da Penha).
Essas violações são romantizadas na ideia egoísta e criminosa de que a mulher precisa permanecer no relacionamento pelos filhos, pela família, em prol da sociedade, da tradicional família brasileira. Até quando vamos naturalizar e individualizar a violência doméstica? Até quando vamos ouvir que “em briga de marido e mulher ninguém mete a colher”? É papel do Estado efetivar políticas públicas nesse sentido.
No Acre, essas ações são encabeçadas pela Secretaria de Estado de Políticas para Mulheres (SEPMulheres), que implementou, nas regiões do Alto e Baixo Acre, Purus e Vale do Juruá, os Ceams (Centros Especializados de Atendimento à Mulher). Nesses locais, o público feminino desfruta de um serviço de acolhimento profissional e acesso gratuito à assistência social, psicológica e jurídica. Outras informações, liga no 3224-1661. Grita, pede ajuda, denuncia!
O mesmo país que apresenta índices altíssimos de assassinatos de mulheres possui uma das legislações mais completas do mundo: a lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, conhecida como Lei Maria da Penha. Em março de 2015, o instrumento jurídico ganhou reforço com a sanção, pela então presidente Dilma Rousseff, da Lei do Feminicídio (nº 13.104/2015).
Ainda assim, o Brasil encontra-se entre os dez países com maior taxa de violência contra a mulher, ocupando a quinta posição no ranking do Mapa da Violência, divulgado no ano passado. Há, sim, um aumento no índice de assassinato de mulheres no mundo. Há incentivo da cultura do machismo por parte de parlamentares, que usam a Bíblia para disseminar preconceito, sexismo, racismo e misoginia. É evidente o retrocesso das políticas de gênero e de direitos adquiridos.
Desculpe interromper a sua programação de romantização da violência dentro dos núcleos familiares, mas precisamos falar de relacionamentos abusivos. Não é por ciúmes nem por cuidado, é machismo. Relações tóxicas não são naturais, são criminosas. Nesta data repleta de corações, flores e clichês, preze pelo mais valioso dos sentimentos: o amor-próprio. Namore-se!
* Maria Meirelles é jornalista e feminista