"Se perguntam se tenho luz elétrica em casa, digo que tenho e que sempre assisto TV."
Seu Tonico, da Colocação Deserto, sobre o Fogão BMG Lux, que ao mesmo tempo cozinha e leva energia elétrica às comunidades distantes da Reserva Chico Mendes
Veja video especial sobre o Fogão BMG Lux
As noites já não são a mesma rotina na Colocação Deserto, no Seringal Nazaré, no coração da Reserva Extrativista Chico Mendes. O dono da colocação, Feliciano Nonato Facau, popularmente conhecido como "Seu Tonico", aos poucos vai aposentando as lamparinas a óleo diesel ou querosene, que havia 22 anos se constituíam na única fonte de luz após o escurecer, para dar lugar a um equipamento inovador.
Localizada a doze quilômetros do principal ramal que corta a reserva, Deserto até pouco tempo fazia jus ao nome e era a típica comunidade isolada, com quase nenhuma infra-estrutura. Gradativamente, no entanto, a situação vai mudando e hoje a casa de Tonico é mais um núcleo da experiência do Fogão BMG Lux (a sigla BMG significa Bio Micro Gerador) miniusina termomecânica que ao mesmo tempo cozinha e produz eletricidade.O fogão atende residências onde há dificuldade para se levar a rede convencional de luz elétrica.
Tonico e a família podem agora considerar-se incluídos no processo de energização das comunidades remotas, servindo de modelo e referência para outros projetos. "Quando me perguntam se tenho energia elétrica em casa, respondo que sim. Digo que a energia vem de um fogão e que com ela tenho luz e posso assistir televisão", relata o colono, um dos pioneiros na região desde que o conceito de reserva extrativista começou a ser implementado.
Ele integra o grupo de seringueiros vinculado ao projeto da Natex, a fábrica de preservativos de Xapuri.
Vizinhos e companheiros vêm de longe para assistir aos telejornais e outros programas. "A televisão aqui fica ligada por uma hora e meia ou duas horas todos os dias", complementa a mulher de Tonico, Sirlene. Ele é um homem cuidadoso: não deixa faltar lenha (para assistir TV) – a carga na bateria é maior e o fogão tem de ficar ligado durante maior período – e faz a manutenção regular, como limpeza, abastecimento de água e lubrificação.
Das 27 unidades instaladas pelo Governo do Estado através Fundação de Tecnologia do Acre (Funtac) em outubro do ano passado, vinte funcionam normalmente. Esse número é visto como sinal de sucesso na experiência. De acordo com Ronaldo Sato, inventor do fogão, 75% das famílias que participaram dos testes se adaptaram bem ao equipamento.
"Ainda precisamos fazer muita coisa, mas o fogão é algo bem sucedido como gerador de energia elétrica", completou o engenheiro mecânico, que depois de onze anos realizará o sonho de qualquer inventor: nesta quinta-feira, 11, a fábrica do fogão será inaugurada no Parque Industrial de Rio Branco.
A fase é marcada por histórias interessantes. Na semana em que o fogão chegava à casa de Jubervaldo Ferreira de Oliveira, na Colocação Prato I, no Seringal Nazaré, havia nascido Mateus, que completou um ano e dois meses semana passada. "O Mateus faz aniversário junto com o fogão", brinca o pai.
As famílias de fato vão abandonando as lamparinas, equipamentos rústicos que trazem despesa financeira, poluem e geram luz muito precária. Mesmo com alguma dificuldade no manuseio do fogão, a lamparina só é acesa nos cômodos onde não foi possível instalar uma lâmpada. Em muitas casas, estão desabastecidas pela falta de uso. "Morei na Sibéria [bairro de Xapuri] e praticamente toda minha vida só tive a lamparina para iluminar a casa. Agora tenho a luz do fogão", disse Antônia Soares Ribeiro, 68, que vive com a família na Colocação Porongaba, no Seringal Boa Vista. O marido, João Gomes da Silva, chegou ao local em 1965 e só foi ver luz elétrica em casa a partir do BMG Lux.
O filho de ambos, João Ribeiro da Silva, morador da Colocação Porongaba, no Seringal Floresta, não estava incluído no cadastro inicial de beneficiários do fogão, mas pediu para ser incluído na lista. Preenchidos os requisitos básicos, Ribeiro conseguiu o equipamento e se diz bem adaptado a ele.
Primeiros fogões foram transportados nas costas até os locais de instalação
Os primeiros kits do BMG Lux (na época denominado Geralux) foram levados em caminhões até a comunidade Rio Branco, no Seringal Floresta. Dali, seguiram conduzidos em camionetas até a entrada dos varadouros e levados nas costas até as residências dos beneficiários.
Os equipamentos foram carregados pelos trabalhadores dos programas Luz Para Todos e Centro de Referência de Energia Alternativa da Funtac, em caminhadas que duravam mais de uma hora mata adentro. Devido ao peso, alguns foram transportados sem a caixa de madeira de 22 quilos. Na época, um caminhão ajudou na remoção dos fogões.
A opção por uma boa lenha é essencial na agilização do fogo, dizem os usuários. Espécies como bálsamo e breu, comuns na reserva, dão melhor combustão, ampliando a pressão para dar início ao funcionamento do BMG Lux. Para atear fogo à madeira, usam-se preferencialmente o sernambi, borracha recolhida nas árvores de seringa. A remoção do braseiro e das cinzas também aumenta a pressão e o calor, o que gera energia mais rapidamente. Nesse caso, a limpeza da fornalha é fundamental.
Novas unidades serão ainda mais práticas
A série de problemas próprios de um sistema em adaptação são sempre solucionados pelos técnicos da Energer Energias Renováveis Ltda., a empresa que irá fabricar o Bio Micro Gerador em Rio Branco. Como a vida no campo é bastante corrida, as donas de casa quase sempre não têm tempo de esperar o fogo ideal para preparar o café, o almoço ou o jantar e optam por usar o fogareiro de barro. "Dá um fogo mais rápido", diz Vera Nogueira, moradora da Colocação Prato II, no Seringal Nazaré.
Os próximos fogões BMG terão uma chapa mais fina, o que reduzirá em até 28% o tempo do aquecimento ideal para preparar alimentos. Na versão atual, o BMG Lux tem sido mais frequentemente usado para assar pães e bolos.
De acordo com o técnico Willeney Reis, da Energer, os problemas mais frequentes podem ser resolvidos pelo próprio usuário. Em muitos casos, uma simples limpeza resolve a deficiência e põe o fogão para funcionar normalmente.
O ruído do motor é fonte de incômodo para muitas pessoas. A Energer deve em breve substituir o motor atual por uma turbina, quase sem ruído. O peso do fogão já foi reduzido substancialmente, saindo dos 160 quilos para pouco mais de 130 quilos. A expectativa é de que as adaptações o deixem ainda mais leve, pois transportá-lo às comunidades isoladas é uma operação de guerra.
Uma cartilha deverá ser produzida para facilitar o conhecimento e a manutenção da máquina. Quem mais opera com o fogão são as mulheres. Crianças como Rigelho Nogueira, 12, ajudam a mãe, Vera, a trabalhar com o BMG Lux: "No tempo em que a gente usava lamparina era ruim de estudar à noite. A luz do fogão é muito melhor", diz o jovem.
Equipamento ecologicamente correto
O BMG Lux é também mais ambientalmente correto do que os fogões tradicionais. Ele economiza até 50% da lenha empregada, além de reter toda a fuligem no próprio fogão. Na instalação das primeiras unidades, Ronaldo Sato e Nadma Farias – ela é coordenadora estadual do Programa Luz Para Todos e gerente do Centro de Referência de Energia de Fontes Renováveis – aconselharam as famílias a não abandonarem os fogões tradicionais para evitar problemas de adaptação.
O BMG, que naquela fase se chamou Geralux, não utiliza caldeira, o que simplificou sua construção e reduziu riscos de acidentes. O vapor gerado no trocador de calor é transformado em energia mecânica e, a seguir, elétrica. A energia é armazenada em uma bateria comum de automóvel – cerca de 30% de sua carga é suficiente para a iluminação da residência em um período de 4 a 5 horas. Para recarregar as baterias utiliza-se o calor produzido no fogão quando aceso. A ebulição da água no tanque gera o calor, que é transmitido a um conversor de 12 volts, que modifica a energia térmica em elétrica, recarregando as baterias.
Vantagens socioambientais do BMG Lux
– Não há contato com a fuligem ocasionada pela queima da lenha, que é a oitava causa de morte no Brasil.
– Produz energia para ligar três lâmpadas e uma TV ou rádio, que amplia as possibilidades de informação em comunidades distantes.
– Ser um modelo de utilidade de simples manejo para a dona de casa
– Utilizar componentes nacionais
– Ambientalmente correto
– Economizar o consumo de biomassa
– Reduzir o nível de fumaça com melhor aproveitamento da combustão na queima da biomassa
Parcerias são fundamentais no sucesso do projeto
Funtac diz que resultado é "extremamente positivo" e revela compromisso do Governo do Acre com a industrialização
O ex-senador Sibá Machado é uma das lideranças que sabem contar com detalhes o início da experiência do BMG Lux no Acre. Machado e Fábio Vaz, que assessora o Governo do Estado, são os responsáveis por apresentar o fogão ao Centro de Referência de Energias de Fontes Renováveis da Funtac, unidade que tratou de formalizar uma parceria com a Eletronorte e com o inventor do equipamento, Ronaldo Sato, que havia tempos lutava para ver seu projeto sendo testado em escala. Na Funtac, o protótipo recebeu adaptações e foi melhorado em vários aspectos.
O projeto foi encampado pelo Governo do Acre a partir da ação do secretário de Planejamento, Gilberto Siqueira, ainda durante o mandato de Jorge Viana. Siqueira viu no fogão uma possibilidade viável de inclusão elétrica em vilarejos remotos e atualmente atua junto à Eletrobrás para que o projeto seja incluído no Programa Luz Para Todos, do Governo Federal. Mesmo antes de isso acontecer, o projeto do BMG Lux conta com apoio de outros importantes parceiros, entre eles a Eletroacre e Funtac.
"A avaliação que fazemos desse projeto é extremamente positiva", disse César Dotto, diretor-presidente da Funtac. "É positivo em dois aspectos: o primeiro é que saiu das prateleiras e foi para o mercado; e o segundo é que ele mostra o compromisso do Governo do Estado com a indústria. A fábrica está instalada no Parque Industrial de Rio Branco, cujos investimentos públicos chegam a R$ 3 milhões e os privados, a R$ 100 milhões", completou Dotto.
"Mais um passo a caminho do desenvolvimento do Acre"
Para Nadma Farias, técnica pioneira na implementação do projeto, "o fogão Geraluz, chamado a partir de agora BMG LUX, vem sendo desenvolvido desde 2004 no Estado do Acre, com o apoio da Eletronorte e outros parceiros. Esse é um momento de glória para todos nós, pois trabalhamos acreditando que este dia chegaria. Adquirimos muita experiência, conhecimento, capacitamos jovens, orientamos famílias, geramos empregos e levamos luz, mas sabemos que não acaba aqui, que temos pela frente uma longa jornada ainda. O objetivo maior do Governo é poder proporcionar uma vida melhor às famílias que vivem em regiões de difícil acesso e para isso devemos usar os recursos da natureza com sabedoria, pois temos uma floresta riquíssima, onde o uso da lenha é diário nas casas dessas famílias. Somado a isso, temos a questão saúde, que nem tem como dimensionar", disse. "O fogão gerador de energia saiu da pesquisa institucional para a iniciativa privada. Hoje, todo o setor elétrico no Brasil tem conhecimento do projeto, o Governo Federal, representado pelo Ministério de Minas e Energia, Eletrobrás, Eletronorte e Aneel. Com isso demos mais um passo a caminho do desenvolvimento do Estado. Parabéns ao Governo do Estado do Acre e a todos aqueles que contribuíram para que essse projeto se concretizasse. A Ronaldo Sato, inventor do fogão, por ter plantado a primeira semente, e às 27 famílias, que abriram suas portas e nos receberam com alegria."
Testemunhos de um novo tempo
{xtypo_quote}Depois que o fogão chegou nunca mais usei lamparina.
Luzia Pereira da Silva, moradora da Colocação Bom Princípio, Seringal Floresta {/xtypo_quote}
{xtypo_quote}Nesse mais de um ano que o fogão está aqui não faltou luz em casa.
Simone de Souza Franca de Oliveira, Colocação Porongaba, Seringal Floresta {/xtypo_quote}
{xtypo_quote} O projeto está dando certo e ajudando as pessoas.
Willeney Reis, responsável pela assistência técnica aos fogões {/xtypo_quote}