Conta o pajé Yawá que na criação de todos os povos, o criador, Nuke Sheni, “aquele que não tem nome, porque ninguém nasceu antes dele”, deu um dom específico a cada um. Aos Yawanawás coube o dom do canto, o dom de cantar tão bem que nem seria preciso instrumentos musicais. Durante o VII Festival Yawanawá cada passo, cada atividade, cada movimento era embalado pelo som das cantorias. Uma canção para cada momento. Ao amanhecer o dia todos os índios começam o ritual de preparação para o festival. Vestem suas saias de palhas de buriti, pintam o corpo com seus Kene – desenhos corporais que são recebidos durante as rodas de Uni (ayahuasca), ou que estão na memória dos mais velhos – colocam na cabeça os cocares e preparam o espírito para brincar. O Festival é feito de brincadeiras, danças, cantos e rituais, um mecanismo de resgate e fortalecimento da cultura Yawa. O rapé e o Uni, rituais espirituais, também acontecem com freqüência durante a festividade.
“A festa é um momento para trazer o povo do passado para perto da gente e também de manter nossos costumes, nossa história, nosso modo de vida para continuarmos sendo índios. Antigamente nossos antepassados viviam assim, da forma como vivemos durante o festival, e hoje não podemos mais ter este ritmo, por isso escolhemos uma semana no ano para termos esta continuidade, vivermos como nos tempos passados”, explicou o líder Nani Yawanawá, que ajuda a comandar as brincadeiras. Cada brincadeira tem um significado. “Temos a brincadeira da queixada, que é a transformação do homem em animal, a da abelha, a dança da pisada no pé, que é um ritual de namoro, a do peixe-boi, que tira a mágoa que fica entre os primos, os cunhados, durante um ano. Cada uma tem uma razão de ser”, ressaltou Nani. Após quatro dias de danças, brincadeiras e rituais espirituais foi celebrado o ritual da caça e da pesca, que encerrou a programação do festival. As mulheres da aldeia se reuniram no terreiro para entoar os cantos tradicionais, dizendo o nome dos animais em código para não espantar a caça. Na madrugada seguinte os caçadores saem para a floresta com a missão de trazer a caça pedida. No cair do dia eles voltam da floresta com a tarefa cumprida e são recebidos com comida abundante, preparada pelas mulheres. “Um evento como o festival é muito importante porque além de mostrar a beleza da festa do povo Yawanawá possibilita também o espaço para que outros povos possam visitar e participar da festa. É um incentivo para outras comunidades, para que outros festivais aconteçam”, disse o Assessor Especial dos Povos Indígenas, Francisco Piañko. |
O rapé, o Uni, rituais de cura espiritual |
O rapé, um pó preparado com tabaco, cinzas e algumas ervas, é inserido no nariz através de um forte assopro. Pode ser aspirado individualmente por meio do kuripe, ou em dupla, através da tipï, dois instrumentos de bambu – e ossos de gavião em alguns casos – adornados com dentes de animais, que auxiliam no processo de cura. Durante o festival o rapé é “tomado” frequentemente, inclusive por participantes que estejam dispostos a experimentar o ritual.
“O rapé é mais que uma planta, é uma conexão espiritual. Serve para que possamos sentir a força necessário para tratar os nossos doentes. Ele tem uma força muito importante, assim como a nossa bebida sagrada, o Uni”, disse o cacique Biraci. À noite, os Yawanawás se reúnem ao redor de uma fogueira, que também agrega os apreciadores do Uni, a ayahuasca, uma bebida sagrada para os indígenas. O cipó utilizado no preparo da bebida tem uma sabedoria que leva ao outro mundo, com a ajuda do pajé, e durante as “mirações” provocadas pela bebida os índios recebem desenhos corporais, “instruções” de como fazer cocares, artesanatos, e recebem orientações espirituais. É preciso passar por uma preparação antes de ingerir a bebida sagrada deixada pelos ancestrais. |
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