Já são nove dias que membros e servidores do Ministério Público do Estado do Acre (MPE), que integram o Grupo Especial de Apoio e Atuação para Prevenção e Resposta a situações de emergência ou estado de calamidade devido à ocorrência de Desastres (GRPD), estão atendendo as famílias afetadas pela alagação, em Rio Branco.
Uma sala com estrutura semelhante à de uma promotoria foi montada no Parque de Exposições Marechal Castelo Branco, que recebeu o maior número de desabrigados, ao mesmo tempo em que as equipes estão visitando todos os dias os outros locais que servem de abrigo, além do ônibus do programa Justiça Comunitária, que presta assistência a pedido do MPE.
O nível do Rio Acre continua diminuindo e, na mesma proporção, cresce a esperança nas pessoas que perderam tudo, menos a força de vontade para recomeçar. Muitas ignoraram a orientação das autoridades e decidiram voltar para casa por conta própria. É que, embora tenha sido montada uma estrutura que garante segurança, alimentação, serviços médicos e lazer, o melhor lugar continua sendo a própria casa.
Nesta segunda-feira, 5, o GRPD tinha registrado cerca de 150 atendimentos. Duas equipes, coordenadas pelo procurador de Justiça Oswaldo D’Albuquerque Lima Neto, revezam-se para garantir a presença do MPE no abrigo de forma ininterrupta até mesmo nos fins de semana. A decisão de expandir o atendimento para sábado e domingo, das 20 às 2 horas da madrugada, foi tomada devido à necessidade identificada nas abordagens noturnas. “Ficamos tranquilos por saber que os promotores estão por perto”, disse Rosimeire Santana, que está no abrigo há quinze dias.
Pelos casos que constam nos relatórios diários, é possível afirmar que o trabalho que tem sido desenvolvido vai além da responsabilidade social da instituição. “É uma questão de humanidade e de garantir às famílias o mínimo de dignidade nesse momento”, define o promotor de Justiça Almir Fernandes Branco, que nesta manhã visitou os boxes, acompanhado do procurador e coordenador do GRPD, Oswaldo D’Albuquerque Lima Neto.
Os membros do Ministério Público estiveram com pessoas que já receberam atendimento, entre elas uma idosa que por causa de dois AVCs (Acidente Vascular Cerebral) não anda há dois anos e tem um lado do corpo paralisado. Apesar das condições físicas, a anciã não recebe qualquer auxílio do INSS. Estava impedida de requerer o benefício porque ainda mantinha o nome de solteira nos documentos. O caso foi encaminhado à Defensoria Pública. “Se não estivéssemos aqui seria mais difícil porque nem dinheiro para pagar uma taxa de cinco reais a gente, tinha muito menos condição para pegar um táxi. Não tem um mal que não traga um bem, afirma o aposentado Francisco de Lima, marido da idosa.
Atenção especial para crianças e idosos
As ações são em diversas frentes e visam garantir cidadania aos desabrigados, especialmente nesse momento delicado. O GRPD está atento ao consumo de drogas e bebida alcoólica no abrigo, agindo para manter as regras de convivência, promovendo lazer e intermediando casos que poderiam ir parar na Justiça quando a solução depende apenas de uma conversa. Mas a prioridade é o acompanhamento dispensado para crianças, adolescentes e pessoas da terceira idade.
Os idosos passaram a ser acompanhados por um cuidador e um técnico de enfermagem, que todos os dias visitam os boxes para aferir a pressão arterial e verificar se o idoso está se alimentando e tomando os medicamentos de acordo com a orientação médica. Nas abordagens foi encontrada uma anciã que estava sofrendo maus-tratos. “A família dizia que a senhora não falava, mas quando chegamos lá ela respondeu todas as nossas perguntas. Talvez essa situação só tenha chegado ao conhecimento das autoridades porque eles vieram para cá”, disse o servidor John Lennon, que informou ainda que a idosa foi encaminhada ao pronto-socorro, onde foram diagnosticados início de infecção, pneumonia e desidratação profunda.
Também foram encontradas crianças em idade escolar que não estão estudando. Os motivos são vários, entre eles a falta de documentos, problemas de saúde e bullyng. Os casos foram enviados ao Conselho Tutelar para que providências sejam adotadas. Além disso, o Grupo enviou ofício ao Tribunal de Justiça pedindo a realização do Projeto Cidadão para resolver problemas causados pela falta de documentação. O pedido ainda não teve resposta.
Trabalho tem reconhecimento
O Grupo Especial de Apoio e Atuação para Prevenção e Resposta a situações de emergência ou estado de calamidade devido à ocorrência de Desastres (GRPD) foi criado pela Procuradora-Geral de Justiça, Patrícia de Amorim Rêgo. Inicialmente se pensou em criar um grupo provisório, mas agora a intenção é fortalecer e aprimorar as ações.
“O GRPD não é para atuar apenas quando houver enchente, mas diante dos eventos da natureza que podem ocorrer a qualquer momento e numa frequência bem maior do que esperamos. Ao mesmo tempo em que as águas estão baixando, estão surgindo outros problemas, por isso, decidimos que o nosso trabalho deve ser permanente”, disse a procuradora, ao justificar a criação do grupo.
O GPRD é coordenado pelo procurador de Justiça Oswaldo D´Albuquerque Lima Neto e composto pelos promotores Francisco Maia Guedes, Almir Fernandes Branco e Mariano Jeorge de Sousa Melo (Infância e Juventude), Rita de Cássia Nogueira Lima (Habitação e Urbanismo), Meri Cristina Amaral Gonçalves (Meio Ambiente) e Gláucio Ney Shiroma Oshiro (Direitos Humanos).
Durante visita à sala do MPE montada no abrigo, o governador Tião Viana disse que a iniciativa tem ajudado a reduzir o sofrimento de quem precisa recomeçar. “Essa ação desencadeada pelo Ministério Público do Acre é de fundamental importância para que os anseios da população neste momento difícil sejam alcançados”, acrescenta.
O prefeito Raimundo Angelim também elogiou o trabalho. “Eu admiro o trabalho e a dedicação do Ministério Público, que está aqui nos ajudando nesse momento difícil. Acredito que essa também é uma oportunidade de as pessoas terem outra visão do Ministério Público. Além disso, nós reconhecemos que o trabalho é grande, mas a satisfação em servir é maior ainda”, destacou.
Para o coordenador do Grupo, o reconhecimento é importante, mas o que realmente compensa é o resultado de cada atendimento. “Nós estamos aqui há vários dias e ninguém reclama de cansaço porque percebemos que o pouco que a gente faz é muito pra eles (os desabrigados). Quando uma única pessoa sai satisfeita com o atendimento, isso vale por quinhentos processos em que você se manifesta”, ressalta.