"O Brasil precisa usar sua credibilidade internacional para ajudar os demais países a saírem da inércia e estabelecer uma nova dinâmica no processo de negociação dos compromissos da Convenção de Mudanças do Clima", defende a senadora
Primeiramente quero agradecer a Deus por estarmos aqui.
Quero agradecer também ao senhor Jostein Gaarder por criar o Prêmio Sofia para incentivar as pessoas a lutar por um mundo sustentável e que hoje tenho a honrra de recebê-lo.
Quero agradecer também ao professor Donald Sawyer pela minha indicação ao prêmio e a minha assessora Jane Vilas Boas.
Agradeço de forma especial ao Colegiado da Fundação Sofia que me escolheu, bem como toda a atenção e carinho que venho recebendo da Fundação nas pessoas da presidente do Conselho Nina Drange e da diretora Mari Sager.
Agradeço ainda a meu pai e a meu esposo e filhos por todo o suporte que me têm dado em todos esses anos de dedicação ao cuidado com o meio ambiente.
Quero agradecer também a dois importantíssimos parceiros de luta em favor da proteção da Amazônia e de todas as florestas tropicais do planeta, que tenho aqui na Noruega, que são o ministro do Meio Ambiente e da Cooperação Internacional Erik Solheim e o diretor da Rainforest Foundation, o amigo Lars Lovold.
Quero também cumprimentar a todos que me honram com suas presenças, na pessoa do embaixador do Brasil, dr. Sérgio Moreira Lima.
Ser premiada por trabalhar pelo meio ambiente é para mim muito gratificante.
Trabalhar pelo reforço da consciência da defesa do meio ambiente e da importância das alternativas de desenvolvimento sustentável é um imperativo ético na minha vida.
Não posso aqui deixar de fazer um reconhecimento pelas contribuições a minha formação e pelo apoio de meus companheiros do Acre, meu estado de origem.
Primeiramente é fundamental reconhecer o imenso aprendizado que tive com Chico Mendes e o apoio e proteção que recebi de Dom Moacir Grecchi, bispo da diocese de Rio Branco, tanto em minha vida pessoal quanto em minha militância política.
Agradeço também a meus companheiros Jorge Viana, ex-governador do Acre; Arnóbio Marques, atual governador do Acre e o jornalista Toinho Alves, nas pessoas de quem agradeço a todos os demais companheiros e a todo povo de meu estado.
Quero dividir a honra e o reconhecimento deste prêmio com o Presidente Lula, a quem devo a oportunidade de ter sido parte de sua equipe de governo no ministério do Meio Ambiente;
Compartilho também a honra e o reconhecimento deste prêmio com todos os membros de minha equipe nas pessoas de:
João Paulo Capobianco, que foi Secretário de Biodiversidade e Florestas e depois vice-Ministro e
Tasso Azevedo, que trabalhou intensamente na concepção do Fundo Amazônia.
Como disse, nessas pessoas agradeço a todos os servidores do Ministério do Meio Ambiente que junto comigo, com grande entusiasmo e confiança se dispuseram a desenvolver uma gestão caracterizada pelo controle e participação social exercido por milhões de brasileiros e organizações da sociedade civil, através das Conferências Nacionais de Meio Ambiente e de diversos conselhos setoriais.
Nossa gestão buscou promover a visão do desenvolvimento sustentável, por meio da inserção da variável socioambiental no planejamento das ações dos demais setores do governo, bem como priorizou o fortalecimento e a modernização da governança ambiental.
Como fruto desse processo é que surgiu o Plano de Ação para a Prevenção e o Controle do Desmatamento da Amazônia Legal, coordenado pelo núcleo central do governo, com a participação de vários ministérios, com orçamento específico, transparência das informações e intensas ações de combate à corrupção nas instituições públicas.
Definimos mais de uma centena de ações estratégicas segundo os três eixos de atuação do Plano: Monitoramento e combate aos crimes ambientais, Ordenamento territorial e fundiário e criação de áreas protegidas e Incentivo às atividades produtivas sustentáveis.
Esse processo resultou na redução de 57% na taxa de desmatamento da Amazônia, entre 2005 e 2007, evitando que mais de um bilhão de toneladas de CO2 fossem lançadas na atmosfera.
Resultou também na criação de 340 mil km2 de unidades de conservação e terras indígenas, ou seja, uma área equivalente ao território da Alemanha.
Destaco aqui, o aumento das áreas destinadas às populações extrativistas, grupo social de origem de Chico Mendes, que passaram de 50 mil para 100 mil km2, bem como a criação de uma política de desenvolvimento sustentável voltada para essas comunidades.
Para isso, foi necessária uma forte ação de combate aos crimes ambientais, onde apreendemos mais de 1 milhão de metros cúbicos de madeira ilegal, o que equivale a uma fila contínua de 500 km de carretas carregadas de madeira. Além da prisão de 750 pessoas, dentre empresários, advogados e servidores públicos que agiam ilegalmente, bem como o desmonte de mais de mil empresas ilegais.
Implantamos, ainda, um avançado sistema de monitoramento, que emite informações quase em tempo real e permite um ajuste permanente nas estratégias de fiscalização, bem como possibilita manter a sociedade informada e mobilizada para fiscalizar as ações do governo.
No plano internacional, conseguimos importantes conquistas como a reformulação da posição histórica do Brasil, no âmbito da Convenção de Mudanças Climáticas, a partir da proposta de criação de incentivos positivos para a redução das emissões oriundas da diminuição do desmatamento das florestas tropicais, de onde se originou a proposta do Fundo Amazônia, da qual o governo da Noruega é incentivador e apoiador desde o início.
Finalmente quero compartilhar uma convicção que tenho firmado a partir dos informes, cada vez mais preocupantes, que nos trazem os cientistas, sobre a iminência da maior da catástrofe ambiental que a humanidade já viveu e que requer uma atitude forte, rápida e responsável da parte de todo nós, governos, empresas e sociedade.
Precisamos estabilizar o aumento da temperatura média anual do planeta abaixo de 2°C. Para isso será preciso empreender um esforço descomunal, para descarbonizar as economias do mundo até o final do século.
Para tanto, segundo as últimas avaliações científicas, será necessário reduzir as emissões mundiais em, no mínimo, 80% em relação aos níveis de 1990 até meados do século.
Certamente que os países ricos precisam assumir uma postura compatível com suas responsabilidades históricas e que, critérios de equidade, devem ser levados em conta no que concerne aos compromissos dos países pobres. O Brasil precisa usar sua credibilidade internacional para ajudar os demais países a saírem da inércia e estabelecer uma nova dinâmica no processo de negociação dos compromissos da Convenção de Mudanças do Clima.
Concordo com aqueles que, no Brasil, defendem a criação de um calendário de limites de emissões globais, dividindo compromissos distintos entre três grupos de países: os países desenvolvidos, países emergentes e os demais países em desenvolvimento.
Estima-se que cerca de 50% das emissões brasileiras sejam oriundas de desmatamento e, portanto a meta de redução do desmatamento em 80% até 2020 é uma significativa contribuição para redução das emissões globais, mas esse esforço pode ser anulado se o mesmo comprometimento não for assumido também pelos demais países emergentes.
Acho que está mais do que na hora do Brasil defender na conferência das partes das Nações Unidas no final deste ano, que se realizará em Copenhague, o estabelecimento de uma meta global de redução de emissões para 2020, 2030 e 2050, bem como o limite de emissões globais ao longo do século.
A definição de uma meta global de emissões não implica em definir imediatamente o grau de responsabilidade de cada país para cumprir a meta. Isso deverá ser discutido nos anos seguintes, tomando-se em conta o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas, prevista na convenção de mudanças climáticas.
Porque a não definição de uma meta global de reduções coloca, sobretudo, o futuro de dezenas de nações pobres, nas mãos de grandes emissores globais que, sem limites levarão o planeta a um caminho de aumento de temperatura superior 2 graus celsius.
No caso do Brasil, não criar mecanismos para garantir limites de emissões globais é colocar as nossas florestas, nossos regimes de chuvas, nossa agricultura e nossa economia sob forte risco.
Além de todas essas razões, precisamos fazer isso também como um gesto de acolhimento solidário com as necessidades de nossos irmãos dos países mais pobres. Eles em nada ou quase nada contribuíram para chegarmos a essa situação, mas certamente já são os mais prejudicados e os que mais sofrerão no futuro.
Não tenho duvidas de que estamos diante de um desafio sem precedente da história da humanidade, de um desafio civilizatório, uma espécie de esquina ética, que requer de nós escolhas certas e no tempo certo, pois delas dependem a continuidade das condições que favorecem a vida no planeta terra.
Para tanto é necessário que assumamos essa tarefa com convicção, determinação e ousadia, para não cairmos na tentação de fazer aquilo que tão acertadamente admoestou Chesterton já na primeira metade do século XX, quando disse:
“O mal de que sofremos hoje em dia é a humildade no lugar errado. A modéstia deslocou-se do órgão da ambição. A modéstia se fixou no órgão da convicção, onde nunca deveria estar”.
Por fim, quero homenagear ao povo norueguês nas figuras de dois de seus filhos ilustres, o artista plástico E. Munch e o escritor Jostein Gaarder, pessoas que foram capazes de antecipar as dores e necessidades de nosso tempo, o primeiro por ter tido a capacidade de retratar a imagem do mais doído e profundo grito da natureza, talvez o mais autêntico retrato de nosso tempo. O segundo, pela ousadia de tornar acessível aos mortais, o que significa viver mais do que de pão, quando os convidou a entrar em seu “Mundo de Sofia”. Talvez seja mesmo esse o maior milagre da arte, não se deixar aprisionar pelas fronteiras tempo.
Foi isso que descobri quando em 2007, aqui na Noruega tive a felicidade de visitar o Museu Nacional, onde está depositada parte da obra de Edward Munch. Fiquei tão impactada com a atualidade de “O Grito” para os nossos dias, que naquela noite só consegui dormir por volta das 2 horas da manhã, após fazer essa modesta poesia:
A Arte
Mesmo sem rima
É poética;
Mesmo sem forma
É estética;
Mesmo sem voz
É profética;
Mesmo em segredo
Revela-se.
Fala além de seu
Tempo,
Qual onda eleva-se
Aos ventos,
A inundar litorais.
Que o bem que conseguirmos espalhar em nosso tempo possa inundar de esperanças os sonhos daqueles que ainda não nasceram.
Muito obrigada!
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