Frei Betto profere palestra na Ufac

Frei Betto autografou alguns exemplares de seus livros na Ufac (Foto: Arison Jardim/Secom)

Frei Betto autografou alguns exemplares de seus livros na Ufac (Foto: Arison Jardim/Secom)

Iniciada após o fim da Idade Média, a modernidade trouxe, especialmente nas últimas décadas, com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, esperanças de um outro mundo possível. Mas, para o escritor e teólogo Frei Betto, que proferiu, na noite desta terça-feira, 30, uma palestra no Teatro da Universidade Federal do Acre (Ufac), os avanços não chegaram a todos e o mundo moderno vive a maior crise dos últimos cinco séculos.

Segundo ele, a modernidade não resolveu a questão essencial, a da dignidade humana, e por isso fracassou. “Mais da metade da população mundial ainda vive na linha da pobreza. Enquanto algumas pessoas usufruem dos benefícios da modernidade, muitos ainda lutam contra a fome e o frio, que são direitos primários, quase animais”, disse.

Diante dessa perspectiva, o também filósofo defende a teoria de que, mais do que uma época de mudanças, o mundo vive hoje uma mudança de época, expressa pelo fim da modernidade.

Na palestra, intitulada “A Erosão do Sentido da Vida e os Desafios da Contemporaneidade”, Betto apostou na retomada da educação popular com finalidade de repolitizar a sociedade e despertar utopias como uma das vias essenciais para a superação do paradigma da modernidade. E é na história de luta do líder seringueiro e ambientalista acreano Chico Mendes que o teólogo encontra exemplo de como contornar o problema.

Nascido em uma das regiões mais isoladas da Amazônia, Mendes, que foi alfabetizado nas matas de Xapuri por um velho comunista perseguido pelos governos do Brasil e da Bolívia, politizou, por meio da educação, toda uma geração de seringueiros analfabetos que vivia em seu entorno. Este simples feito mudou a realidade das comunidades alcançadas, que fizeram história ao participarem, nas décadas de 1970 e 1980, de um movimento de contestação ao modelo político e econômico vigente no Acre e no restante do Brasil.

Em palestra na Ufac, Frei Betto diz ver em Chico Mendes exemplo para superação de desafios atuais (Foto: Arison Jardim/Secom)

Em palestra na Ufac, Frei Betto diz ver em Chico Mendes exemplo para superação de desafios atuais (Foto: Arison Jardim/Secom)

“Um dos grandes legados que Chico Mendes nos deixou é exatamente essa mobilização social em prol de uma causa. O neoliberalismo detonou o sentido da vida. A maior prova disso é que atualmente muitos pensam na impossibilidade de mudar o mundo para melhor. E Chico Mendes nos mostra o contrário, que é possível fazermos transformações por meio de utopias”.

Betto sustenta esse discurso ao analisar a política ambiental no Brasil antes e depois de Chico Mendes. Antes de sua luta, de acordo com o teólogo, a questão ambiental era desvinculada ao ser humano. “A esquerda brasileira só foi adotar o meio ambiente como uma de suas bandeiras após a luta de Chico”, complementa o escritor.

Superar os desafios da pós-modernidade, de acordo com Betto, exige ainda o resgate do sentido do tempo como história e o mergulho às raízes. “Os acreanos têm uma cultura nativa extraordinariamente original, expressiva e rica. Vocês precisam ter muito orgulho disso, porque o que é local tem o poder de se tornar universal e só  com a preservação cultural teremos saída enquanto povo”.

Encontro no seringal de Chico Mendes

Na tarde desta quarta-feira, 30, o escritor viaja a Xapuri para conhecer a Casa de Chico Mendes e Memorial Chico Mendes. Ele será recebido pela filha do líder seringueiro, Elenira Mendes. Depois, Betto visita o Seringal Cachoeira, palco do último grande empate em defesa da floresta. Lideranças locais, indígenas e familiares de Chico acompanham a visita do escritor, que retorna a Brasília na madrugada desta quinta, 31.

A visita de Frei Betto ao Acre íntegra a programação dos “25 Anos Chico Mendes Vive Mais”, um conjunto de atividades promovidas ao longo do ano por uma comissão especial formada por mais de 30 instituições governamentais, não-governamentais e da sociedade civil, além de entidades ecumênicas. O objetivo das ações é celebrar os ideais de Chico Mendes e fortalecer as conquistas já adquiridas e sonhadas pelo líder seringueiro e ambientalista.

Quem é Frei Betto?

Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 69 anos, nasceu em Belo Horizonte (MG). Estudou teologia, jornalismo, antropologia e filosofia. Adepto da Teologia da Libertação, professou na Ordem Dominicana da Igreja Católica na década de 1960 e participou de movimentos pastorais e sociais. Foi preso duas vezes pelo Regime Militar – na última delas o cárcere durou quatro anos. Foi durante o presídio que Betto escreveu uma de suas obras mais famosas, Batismo de Sangue, transformada em filme homônimo em 2007 pelo diretor Helvécio Ratton.

Sua trajetória nos movimentos sociais passa pela fundação da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e da Central de Movimentos Populares (CMP), assessoria à Pastoral Operária do ABC (São Paulo), ao Instituto Cidadania e às Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) e consultoria do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

Recebeu diversos prêmios, entre eles a Medalha Chico Mendes de Resistência, concedido pelo grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro, por sua luta em defesa dos direitos humanos. Sua trajetória em prol do meio ambiente e da solidariedade internacional também lhe rendeu o Prêmio Ones.

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