A festa da terra. Terra que sustenta o povo, que oferece a comida, a caça, a pesca. Terra que abriga. O VII Festival Yawa, realizado de 25 a 30 de outubro no alto rio Gregório, na Aldeia Nova Esperança, celebra a cultura de um povo guerreiro através do resgate e fortalecimento das tradições. Celebra o direito à vida, direito aos costumes, direito de ser reconhecido. Este ano a festa celebrou também a conquista da primeira terra indígena demarcada no Acre e a primeira a ser revisada no Estado, tornando-se um dos maiores territórios indígenas acreano e o primeiro no Brasil a ser ampliando num espaço de tempo tão curto e sem nenhum conflito. No ritual da espinha de peixe, primos e cunhados tiram as mágoas através dos talos de bananeira. Os participantes saem do terreiro de mãos dadas, apesar da dor, para provar que a amizade continua, mais forte que antes. (Foto Sergio Vale / Secom) Antes da ampliação a terra indígena media mais de 92 mil hectares e hoje a área conta com um perímetro de 239 quilômetros. A homologação do novo território foi entregue pelo presidente da Funai, Márcio Meira, que participou do festival. A Terra Indígena do Rio Gregório foi identificada em 1977 e demarcada em 1984. “Agora nossa terra ficou do tamanho que os nossos antepassados perambulavam por ela”, disse o cacique Biraci Brasil Nixiwaka, liderança do povo Yawanawá. Para Meira, o terceiro presidente da Funai que visita o Acre, a situação dos povos indígenas no Estado é diferenciada. “As coisas aqui estão bastante avançadas, embora falte um ajuste ou outro, mas temos uma compreensão diferente do resto do Brasil, aqui há uma forte cooperação mútua. Queremos avançar no processo de regularização das terras dos índios até 2010 em parceria com o Governo do Acre de forma a encontrar soluções pacíficas e seguras do ponto de vista jurídico”. Biraci explica porque este ano o festival comemorou a Festa da Terra. “Começamos a reivindicar essa demarcação há quatro anos e agora ela foi demarcada sem nenhum conflito, sem nenhuma interferência contrária das autoridades públicas seja da Assembléia Legislativa, do Palácio Rio Branco, de vereadores, empresários, prefeitos, ninguém protestou contra a ampliação do território. Pelo contrário, todos tinham um sorriso do tamanho do coração no rosto”, explica a liderança. A Terra Indígena do Rio Gregório foi também a primeira, e talvez a única que tenha sido conquistada com a união da Funai, Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e Comissão Pró-Índio (CPI). “A Funai oficialmente naquela época não era aliada a estes órgãos, era uma excepcionalidade em função da visão diferenciada do administrador local, o Osvaldo Sid Consuelo, e não de uma política oficial do órgão”, ressalta o presidente do Ibama, Anselmo Forneck, que estava à frente do Cimi na época da demarcação da terra. |
O povo Yawanawá tem suas singularidades. Na magia que envolve quem chega à aldeia Nova Esperança comungam do mesmo respeito e dos mesmos ideais índios e brancos, atores e autoridades. De seringueiros a senadores. Uma simplicidade envolvente faz com que todos sintam a terra nos pés e deixem de lado os sapatos. Na mesma roda sentam os índios, o presidente da Assembléia Legislativa, Edvaldo Magalhães, o vice-presidente do senado, Tião Viana, o vice-governador do Estado do Acre, César Messias, superintendentes da Polícia Federal e do Banco do Brasil, empresários, funcionários públicos, atores globais. Fotos por Sergio Vale / Secom Indígenas e autoridades participam do festival A conquista de morar numa terra que foi a primeira demarcada no Acre, a primeira revisada e com o espaço de tempo mais curto na história do Brasil é atribuída ao bom relacionamento com a sociedade, com a costura de uma política de pé no chão, com seriedade, responsabilidade, segundo a liderança da aldeia. “Isso é fruto de uma grande aliança com o Governo do Estado, com o senador Tião Viana, com a sociedade, com as autoridades e isso somou muito para a conquista. Aqui nós reunimos pessoas importantes para a sociedade não indígena numa distância como essa do alto rio Gregório, numa viagem que dura até 10 horas de barco, sem conforto, enfrentando chuva. É muito difícil trazer todo este povo aqui. Precisa de muita estima, de muita confiança, precisa ter uma compreensão de família. E os Yawanawás conseguiram costurar isso ao longo dos anos”, analisa Biraci. O presidente da Funai destacou uma diferença entre os povos indígenas acreanos em relação aos demais povos do Brasil. “Aqui os índios não são um problema, são parte do processo de desenvolvimento do Estado e são reconhecidos como tal. Isso cria um ambiente muito favorável para que possamos trabalhar em parcerias”, disse Meira. |
Durante o festival as atividades na aldeia são suspensas e todos investem suas energias apenas nos festejos. A festa é um momento para que o povo Yawanawá celebre, resgate e reviva sua cultura, suas tradições e costumes. Falar a própria língua, praticar ritos espirituais e se relacionar entre seus parentes é algo natural, corriqueiro. Mas a normalidade saiu de cena quando entrou o massacre cultural imposto pelo contato com o homem branco na década de 1970, os seringalistas e missionários evangélicos que obrigavam os índios a trabalhar em regime de escravidão e os proibiam de exercer sua cultura. As brincadeiras, os cantos, os rituais espirituais, a língua e outros costumes aos poucos foram ficando apenas na memória dos mais velhos. As crianças já não sabiam mais falar a língua original. Os jovens não conheciam mais os rituais de seu povo. O festival vem para resgatar e fortalecer estas tradições, que saíram das lembranças e mais uma vez ganharam vida na história dos Yawanawás. Segundo o historiador Marcus Vinicius Neves, a retomada dos costumes indígenas começa na década de 1990, quando eles começam a dar valor as suas culturas e passam a enxergar que não precisam desvalorizá-la como os brancos os induziram. O processo de valorização começa no chamado “tempo dos direitos”, como são tratados os últimos 30 anos. Época em que os índios começam a ter direito à terra, à língua, à educação, direitos que todo cidadão brasileiro tem. Durante o festival, os ritos, bricandeiras e costumes dos Yawanawás são praticados todos os dias. (Fotos Sergio Vale / Secom) Neste processo de valorização cultural há um marco importante que tem inicio em 1999 com o reconhecimento das culturas indígenas, da beleza e da importância de cada tradição por parte do Governo do Estado, ainda na gestão do governador Jorge Viana. “Isto foi um impacto muito grande para os povos indígenas porque eles perceberam que a cultura deles tinha valor. Até então essa cultura era escondida porque eles eram recriminados e agora a sociedade branca passa a dizer ‘vocês são bonitos, dança pra eu ver, canta pra eu ouvir’”, comenta Neves. Na avaliação do historiador, de certa forma, o festival Yawanawá é uma conseqüência, é um filho dos encontros de cultura indígenas promovidos pelo governo, onde os índios passaram a mostrar a beleza da cultura deles. Ali foi um ponto importante da retomada das culturas indígenas. |