Confira o discurso de Lula durante solenidade de inauguração do Centro de Alevinos

 

Ele perdeu a barba durante o tratamento contra o câncer nas cordas vocais. Mas não perdeu a capacidade de emocionar com seu discurso. A doença de Luiz Inácio Lula da Silva não calou sua voz, que continua provocando reflexões em quem a escuta. Em visita ao Acre na última sexta-feira, 23, Lula relembrou momentos importantes de sua relação com o Estado, como conheceu Chico Mendes, as mudanças e transformações dos últimos anos. Incentivou a juventude a gostar de política e a fazer parte em vez de criticar sem tomar atitudes que busquem mudar as situações que criticam.

Confira abaixo a transcrição do discurso proferido por Lula durante a inauguração do Centro de Produção de Alevinos, primeira parte do Complexo Industrial do Peixe.

Relação com o Acre

“Eu queria apenas relembrar pra vocês algumas coisas importantes na minha relação com o Acre. Eu venho nesse Estado há 33 anos. Ou seja, muitos de vocês sequer tinham nascido ou eram muito crianças quando eu vim pela primeira vez na perspectiva de fundar o PT. Vocês viram subir ao palanque o companheiro João Maia. O João Maia era assessor da Contag, e eu conto sempre, porque, como agora, a direita neste país tenta passar a ideia de que o povo não deve gostar de política. Eu não só gosto de política, como eu acho que o povo tem que fazer política cada vez mais pra melhorar nosso país e nossos estados. Eu era presidente do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo do Campo (São Paulo), onde estava a indústria automobilística. Um belo dia estava tentando criar um partido, mas a lei proibia a gente fazer política dentro dos sindicatos e tinha muita preocupação com a Polícia Federal que vivia bisbilhotando o nosso dia a dia. Todo mundo que vinha conversar comigo sobre política eu dizia que no sindicato eu não converso sobre política, dizia me espera que depois das oito a gente vai no Bar do Gordo, um barzinho perto do sindicato, e eu converso. E foi assim que um belo dia aparece dois matutos no sindicato querendo saber do PT. E eu fui pro bar conversar e eras os companheiros Chico Mendes e João Maia que em 79 ou começo de 80 foram me procurar. Eu vim aqui com o Jacó Bittar e fazia comício ali no centro de Rio Branco com 10 pessoas porque as pessoas tinham medo da gente, diziam que a gente era comunista, elas tinham medo da nossa barba, da estrela do PT, da bandeira vermelha, o que não faltava na verdade era motivo pra ter preconceito e ódio contra nós.

A onça bebeu água

Foi assim que eu continuei visitando o Acre e mataram o nosso companheiro Wilson pinheiro, sindicalista lá de Brasileia. Eu vim no enterro e tava um clima muito tenso, muita polícia na rua, muito capanga de fazendeiro reacionário e foi nesse dia que fizemos um ato de protesto em defesa dos trabalhadores e foi aí que eu disse que eu tava cansado de chorar em cima de corpo de companheiro nosso que morria todo santo dia no país, morto por pessoas que não queriam que a gente fizesse a reforça agrária. Tá chegando a hora da onça beber água e os trabalhadores vão ter que ter o troco. Dois dias depois aparece o fazendeiro morto. Fui processado porque o acusador entendeu que aquela frase era uma senha para que os trabalhadores se vingassem. Por conta disso fomos processados e julgados. Fomos condenados em primeira instância a três anos e meio, em Manaus. Sabe o que o juiz falou pra mim? Temos que condenar o senhor Luiz Inácio não é porque ele usa arma ou revólver. É porque ele tem uma língua ferina. E essa gente que pensa assim deve ter ficado feliz quando eu tive câncer nas cordas vocais e por isso não iria poder falar mais. Mas como Deus é maior do que eles. Cá estou eu falando com uma voz mais bonita que antes. A única coisa é que a radioterapia tirou foi a minha barba mas, se Deus quiser, ela vai voltar. Até me disseram que eu tô mais bonito.

A última lembrança do Chico Mendes vivo foi do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. O Sandino, aquele rapaz alí de camisa vermelha ao lado da Ilzamar, companheira do Chico, tinha dois ou três anos e estava sentado com o Chico Mendes no chão. O Chico tava dando uma comida qualquer com farinha pro menino comer. Foi a última vez que vi o Chico Mendes vivo. Em dezembro de 88 eu recebi a notícia da morte e vim aqui no enterro.

O pobre não quer ser pobre a vida inteira

Eu acho que não é possível no Brasil a gente ter que ficar correndo atrás de enterro de companheiro nosso que morre porque tá lutando pra melhorar de vida. Nós temos que ter consciência que o Brasil do século 21 é muito melhor. O povo melhorou de vida, o povo trabalha mais, o povo tem mais esperança. É triste mais tem gente que fica incomodado. O exemplo que você tá fazendo aqui Tião, esse negócio de envolver os pescadores artesanais num projeto empresarial é a demonstração de que somente o exercício da democracia e a convivência pacífica entre ricos, classe média e pobres é necessários para que a gente construa o mundo justo que nós queremos construir.

É importante as pessoas saberem que nós não queremos ser pobres a vida inteira. O pobre quer virar classe média, que ter acesso a uma casa boa, a um carro, universidade, a um emprego, um bom salário, a oportunidade, a ter saúde de qualidade. Se a gente não quiser isso, pra quê viver? Pra ser pobre? Pra passar fome?

E eu digo isso companheiros porque até os sete anos de idade o café que eu tomava lá em Garanhuns era uma cuia de farinha com café preto. Fui comer pão aos sete anos de idade e eu não acho justo que nesse país tão rico uma criança acorde ou vá dormir sem ter o que comer.

Sou testemunha do avanço do Acre

Quando eu vejo um companheiro vir aqui e dizer que era analfabeto até não sei quantos anos e que agora é doutor em matemática isso é muito porreta né não?

Quando criamos o Prouni a ideia era fazer com que o pobre tivesse ascensão. Naquele tempo diziam ‘o Lula tá nivelando a educação por baixo’. ‘Tá colocando pobre da periferia, da escola pública na universidade, vai rebaixar o nível do ensino’. Passados sete anos temos um milhão e trezentos mil alunos e parte dos melhores alunos são estudantes pobres, é filho de faxineira fazendo medicina, filho de pedreiro sendo engenheiro. Filho de coveiro sendo diplomata, filho de empregada doméstica sendo melhor na sala que o filho do patrão, esse é o mundo justo que nós queremos criar e que ainda falta muito pra ser criado.

Sou testemunha do avanço no Acre. Eu sei o que era Rio Branco. Lembro daquela pracinha de taxi, de meio metro quadrado, que foi a primeira praça feita pelo Jorge, prefeito de Rio Branco. A verdade era que ninguém acreditava que o Acre pudesse se transformar nessa região, nesse estado maravilhoso que está se transformando. Sinto admiração pelo Acre porque esse aqui e o Rio Grande do Sul eram os dois únicos estados que eu chegava e o povo cantava o hino do estado e cantava com emoção. Pergunta pro governador de São Paulo se ele conhece o hino de São Paulo. Não conhece. Eu ficava emocionado quando tava na praça fazendo comício e começava a cantar o hino nacional, todo mundo cantava. Sabiam mais do hino que as músicas do Chitãozinho e Chororó e Zezé de Camargo.

Se tem alguém no Brasil que pode ter orgulho é o acreano

Isso significa sabe o quê? Orgulho próprio. Amor ao seu estado e a sua história. Porque esse estado não foi ganho de graça. Foi com muita luta que vocês conseguiram construir esse estado. Foi com muito orgulho que eu vim aqui como presidente inaugurar a primeira ponte, em 500 anos ligando Brasil e Bolívia em Brasileia. Foi com muito orgulho que fui a Assis Brasil dar início a primeira ponte em 500 anos entre Brasil e Peru. Então companheiros e companheiras, se tem alguém no Brasil que tem motivo de ter orgulho do chão onde mora é o povo do Acre. E não pensem que as coisas são fáceis. Quando o Jorge, governador do estado, foi a Brasília levar o projeto de construir a ponte pra ligar todas as cidades que eram cortadas pelos rios. Não pensem que os burocratas querem liberar dinheiro pro acre com facilidade. As pessoas diziam pra mim: pra quê tanta ponte, lá não tem nem tanta gente? Pra quê ponte estaiada no meio do mato? As pessoas não sabiam que esse estado aqui não tinha pedra. Não sabem quanto custa o metro quadrado de uma rodovia trazendo tudo pelo rio, quando o rio tá cheio, porque quando tá seco não traz nada. Eles não têm noção. Foi preciso uma decisão pessoal pras pessoas aprender que não importa que não tenha tanta gente. Se tivesse apenas um, um brasileiro, um acreano, mereceria o respeito de ter uma ponte.

Quando os companheiros levaram a ideia de trazer pra cá a ZPE [Zona de Processamento de Exportação] em Brasília eles não queriam. Diziam não, não pode levar indústria pra lá. Vai tirar indústria de São Paulo, do Rio, acabar com a Zona Franca de Manaus. A gente não quer acabar com nada, apenas quer ter a chance de disputar em igualdade de condições para tornar o Brasil mais igual do Sul ao Nordeste, do Leste ao Oeste.

Eu passei a vida inteira ouvindo as pessoas falarem da ligação do Brasil com o Pacífico. O pessoal falava de ferrovia. Aonde é  que nós conseguimos fazer a ligação do Brasil com o Pacífico? Na Interoceânica feita por uma empresa brasileira, que daqui a 1,1mil quilômetros saindo de Assis Brasil a gente está nos portos do Pacífico pra vender toda a carne de peixe que vocês vão produzir aqui.

O importante agora companheiros, e pode contar comigo, é chamar a atenção dos empresários brasileiros. Se quiser exportar pra Ásia, venha para o Acre. Aqui tem povo trabalhador, politizado, povo que quer crescer, que sabe trabalhar, que quer estudar. Aqui não é terra de cabra mofino, aqui é terra de cabra brigador.

Aqui é terra que foi criada por nordestino que tiveram a coragem de sair do Ceará, de Pernambuco, que tiveram a coragem de sair vieram para cá morrer de malária pra poder produzir borracha e vocês quer, queiram quer não, são resultado do sangue dessa gente. E quem nasce assim não vai esmorecer nunca.

O importante é

É por isso companheiros e companheiras que eu fico com orgulho de tá inaugurando, inaugurando não, porque quem vai inaugurar, e podem contar que eu vou falar com a nossa presidenta: Dilminha, você vai ter que ir no Acre. Ela tem que conhecer isso aqui. O Jaime, eu conheci o Jaime quando o Zeca governava o estado do Mato Grosso do Sul. Quando eu fui eleito presidente, tem dois lagos. Tem um lago dentro do Palácio da Alvorada e um lago na Granja do Torto. E não tinha peixe. Eu não sei se os outros presidentes não gostavam de pescar, mas eu gostava. E pedi pro meu amigo Jaime me levar uns peixinhos. Me levou um pouquinho de pacu, um pouquinho de dourado, pirara, pintado. O dado concreto é que eu tinha pacu de 12 quilos. Pintado de 17 quilos. Quando eu fui embora não pude levar, deixei lá pra Dilma, ela não vai pescar também qualquer dia eu vou lá de noite e pesco os peixes dela e como tudinho.

Vocês vão ter o dinheirinho de vocês

E aí, quando o Tião falou pra mim que tinha vontade de criar aqui uma indústria, alguma coisa pra ajudar os pescadores eu falei: Tião, conversa com o Jaime, ele é companheiro que não tem diploma de doutor. Não é formado. Desistiu da universidade pra aprender a criar peixe. É o maior conhecedor da criação de peixe em cativeiro nesse país. Leve ele pra conversar com você no Acre. E pra minha surpresa um dia eu liguei pra Jaime pra convidar ele pra passar um fim de semana comigo e ele disse: Tô no Acre. Agora a gente pode ter um lago. A gente pode criar peixe em tanque rede, que com um tanque o pescador vai pescar num mês mais do que pescaria num ano tentando pegar peixe com anzolzinho daquele. E quando a gente mostrar isso e convencer, as pessoas vão perceber que ao invés da gente ficar dizendo não, não, não, a gente diz como é que a gente faz e aí gente consegue fazer as coisas.

E foi assim que eu recebi a bela notícia da construção da Peixes da Amazônia. E eu tenho certeza companheiros que vocês daqui há alguns anos – porque agora tá um peixinho pequeno, um alevino que vai levar um ano para ficar com dois quilos, o pirarucu leva um ano pra ficar com doze quilos – cresce mais do que criança, entendeu? – Aí vai levar um tempo e vocês vão começar a ter o dinheiro de vocês. Ao invés de dizer não a gente tem que dizer como é que a gente faz. O que é importante é que pode até ter algum momento que tenha alguma crise. Mas, mesmo quando tiver problema, não desanime. Ajude a resolver o problema porque a vida é assim, perseverança o dia inteiro. É mais fácil ser covarde. Eu aprendi muito depois que eu peguei o câncer. A gente sempre acha que o câncer só da nos outros e não dá na gente. Quando o bicho pegou e eu fiquei me tratando um ano foi que eu comecei a perceber o quando é bom a gente não desanimar. Tem que todo dia acreditar, todo dia, sobretudo a juventude.

O político que você quer está dentro de você

Não tem essa de um jovem levantar e dizer “ah eu não vou ser político que todo político é ladrão. O Lula é ladrão, o Tião é ladrão, o Jorge é ladrão. Então, seu babaca, se todo mundo é ladrão, entre você na política, porque o político que você quer, está dentro de você. O que não pode é fugir.

O que estão fazendo com o Tião é o que fizeram comigo durante oito anos. É a tentativa de denegrir a imagem de um homem como esse. Eu vou dizer uma coisa que vocês não podem esquecer nunca. Eu cito alguns exemplos que de vez em quando as pessoas não gostam, mas é importante lembrar que o tipo de gente que acusa o Tião como estão acusando é o tipo de gente que mandou crucificar Jesus Cristo, é o tipo de gente que mandou enforcar Tiradentes, que manda sempre fazer e prejudicar as pessoas que querem fazer o bem. Toda vez que aparece uma pessoa que quer fazer o bem aparece aqueles de sempre, que historicamente tentam acabar com a vida daqueles que querem ajudar o pobre. Parece que tem gente que não quer que o pobre deixe de ser pobre. Mesmo as pessoas não perdendo nada. É muito sério isso. Agora em São Paulo, qual é o problema? “Ah, esse Lula foi fazer pobre comprar carro. Tá cheio de carro. Tem muito pobre andando de avião”. Eu quero mais é que andem de avião, que tenham carro. Quero mais que tenham fartura. Nós queremos um mundo de iguais, um mundo onde todos tenham oportunidade.

E eu quero dizer a vocês, companheiro Tião, Jorge, Aníbal, que sou testemunha que o que vocês fizeram por esse Acre nos últimos anos não foi feito em nenhum lugar no Brasil. Lógico que falta fazer muita coisa. Eu sou casado há 40 anos e ainda falta fazer muita coisa com a dona Marisa. E vocês também que casaram prometendo o paraíso pra mulher de vocês, vocês já cumpriram? Não, porque leva tempo. Leva tempo. O governo é a mesma coisa, a gente não consegue em vinte anos desfazer os desmandos de 500 anos.  Leva tempo. O que é importante é que esses meninos são motivos de orgulho desse estado e vocês são motivo de orgulho no Brasil”.

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