Wildy Viana: um colecionador de parafusos

Jorge e Wildy Viana (Foto: Arquivo Secom)

 

Numa entrevista aos jornalistas Elson Martins e Fernanda Birolo – que em 2010 preparavam um projeto de memória para a Biblioteca da Floresta, em Rio Branco – o senador Jorge Viana contou a história da vida de seu pai, Wildy. Ao longo da conversa, junto ao relato afetivo-biográfico, surgiram ricas informações sobre a história e a cultura do Acre, aqui compiladas.

 

“Nosso avô por parte do pai, Virgílio Viana, veio para o Acre numa leva de paraibanos da região de Patos, de Campina Grande. Segundo ficamos sabendo, Viana vem também de Portugal, mas meu avô por parte de pai seria de uma família Viana que ficou com um “n” só. Eu, Tião e papai ainda não conseguimos encontrar descendentes dele. Sabemos que veio para cá e aqui casou com a Sebastiana, minha avó acreana. As minhas duas avós, as duas matriarcas da família eram genuinamente acreanas, tanto a mãe do meu pai, como a mãe da minha mãe. Isso pra mim é motivo de orgulho porque, obviamente, os meus pais (Wildy e Silvia) são genuinamente acreanos. Minha mãe tem 84 anos hoje [2010], e meu pai tem 80. É interessantíssimo que minhas raízes sejam “mais acreanas impossível”. E também tem essa simbologia da migração nordestina e também europeia, que exatamente formou o Acre. Foi gente vinda de outras partes do mundo, gente vinda do Nordeste, juntando com gente e com a originalidade de envolver bolivianos na história, então foi daí que surgimos nós. Talvez isso explique esse amor, essa paixão, essa devoção, esse orgulho pelo Acre, por ser daqui da cabeceira dos rios. Desde pequeno a gente foi colocado de frente com a história do Acre. Meu pai era um colecionador de livros da história do Acre, fã incondicional de Plácido de Castro. Ele apresentou os heróis todos a mim e ao Tião, que éramos, dos quatros irmãos, os que mostravam mais afeição por eles.”

Eu nasci em Rio Branco em 1959, no dia 20 de setembro, na maternidade Bárbara Heliodora. Eu, a Silvinha e o Tião nascemos na mesma maternidade. Apenas nosso irmão mais velho, o Wildy, já falecido, nasceu em Brasileia. Eu estou com 51 anos [2010]. O papai vivia em Brasileia, onde, com a crise de 30, meu avô Virgílio perdeu todo o patrimônio que tinha. Ele chegou à região por volta de 1930, e nesse período o meu bisavô Raimundo Falcão era um dos grandes seringalistas do Acre,  administrava de quatro a cinco seringais. Na época, com a crise de 1929, todo mundo ficou endividado. Ninguém pagava ninguém, ele teve que fazer um contrato de cinco anos com as casas de aviamento em Belém pra que todo o movimento dos seringais dele ficasse comprometido para fazer o pagamento da dívida em cinco anos; nesse intervalo, ele faleceu de malária e até hoje a gente não conseguiu achar os restos mortais dele.”

“Quando nossa família veio morar em Rio Branco, a nossa casa ficava quase em frente ao Colégio Acreano, na esquina da rua Benjamim Constant com a Quintino Bocaiúva. Era um terreno grande, com uma casa daquelas antigas, com quatro águas, com varandinha, mas uma casa muito modesta. Então, ali morava minha mãe quando solteira; ainda ali meu pai conheceu minha mãe. Meu pai veio de Brasileia, era escrivão de polícia, tinha sido alfaiate e exercido outras profissões, tendo tido sempre uma vida muito simples. A mãe do meu pai morreu quando ele era criança. Ele praticamente não conheceu a mãe e meu avô teve umas noves mulheres. Ou seja, meu pai teve de oito a nove madrastas. Quando ele era novinho, a dificuldade da família era grande e o dinheiro era pouco; ele foi ser magarefe (na época não era açougueiro, era magarefe). Ele trabalhava como magarefe em Cobija, na Bolívia. Meu pai veio depois para Rio Branco, como radiotelegrafista. Naquela época era o homem da comunicação, o profissional que possibilitava às pessoas se comunicarem usando o Código Morse. Ele trabalhava na Radional, onde é hoje o Museu e Teatro Hélio Melo. Virou funcionário da União aposentado. Minha mãe era funcionária do IBGE. Eles casaram, meu pai fez contabilidade na Etica, a escola de contabilidade acreana, depois chegou a estudar um pouco de heveicultura [cultivo de seringueira]. Eles tiveram 4 filhos: Wildy, meu irmão mais velho já falecido, a minha irmã Silvia, depois eu e o mais novo, o Tião. A gente sempre viveu a maior parte do nosso tempo ali próximo do Colégio Acreano, aqui próximo da Capoeira, na Rua Quintino Bocaiúva, esquina com a Benjamim Constant, próximo também do Parque da Maternidade ou Canal da Maternidade.”

Wildy Viana foi também um dos precursores da piscicultura no Acre (Foto: Álbum de família)

“Nossa família era bem acreana mesmo, bem de Rio Branco. A gente não tinha posses maiores. Porque, quando ele chegou aqui, era radiotelegrafista; e também foi fazer o censo agropecuário, foi ser recenseador e ganhou um dinheiro. Ele tem uma memória fantástica, aí resolveu ser candidato a vereador. Visitou todo mundo, tinha que andar de casa em casa, o que o trabalho como recenseador ajudou [a obter votos]. Isso foi em 1962 ou 1963. Teve eleição pra vereador e ele foi candidato numa coligação do PTB com outro partido, não lembro qual. Depois ele foi para a UDN (União Democrática Nacional). Como era radiotelegrafista, tinha fonia lá em casa e ajudava as pessoas que queriam se comunicar com outras regiões, com o mundo inteiro. Ele tinha antena, consertava rádio, ganhava dinheiro com isso. Minha mãe costurava e ele consertava equipamento eletrônico. Ele sabia tudo desse negócio de eletrônicos. Isso me fez apaixonar pelo rádio, eu era curioso e ficava com ele numa central de radiotelefonia. Naquela época não existia telefone, então era o telégrafo que atendia, pra falar era preciso fazer uma conexão com alguém do Mato Grosso, ou com alguém de Goiânia, combinava depois para passar o recado a alguém do Rio de Janeiro. De um jeito parecido, o avião passava dois dias numa viagem ao Acre, tinha que pernoitar no interior do Mato Grosso ou em Cuiabá pra poder chegar. A comunicação também demorava dois dias para acontecer entre Rio Branco e Rio de Janeiro.”

“Papai era um colecionador de parafusos, tudo o que ele encontrava (que as pessoas jogavam fora) ele catava e guardava. Lá em casa tinha sempre uma casinha de madeira cheia de quinquilharia. Quando alguém quebrava  uma máquina qualquer e precisava de um parafuso, podia ir lá em casa que tinha seu problema resolvido. Na cidade não tinha loja para vender nada disso.”

“O papai usava da inteligência: ele guardava coisas de metal, principalmente, enriquecendo sua oficina com peças difíceis de serem encontradas no comércio. Era um recurso interessante, porque navio e outras embarcações que viessem de longe só chegavam por curto tempo no fim do ano. Com a enchente do rio. Depois disso, você ficava um ano dependendo de aviões que mal transportavam passageiros. Ou seja: meu pai era um homem da comunicação, que cultiva boas relações com as pessoas. Quando ele resolveu se candidatar, usou bem esse negócio de equipamento eletrônico. Na época [1962/1963] existia já o megafone, mas a carga de bateria era uma enormidade, acho que exigia 12 pilhas, o aparelho era pesado e caro. Ele fez a campanha mais ou menos assim: falava com as pessoas no meio da rua e pedia voto de casa em casa. Ele mesmo utilizava o carro de som para pedir voto, e conseguiu ganhar. E fez sua carreira política até chegar a deputado federal.”

 

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