O que mais as mulheres querem?

Pergunta recorrente nas rodinhas de conversa, dúvida que causa certa indignação naqueles que acreditam que as mulheres já têm tudo e mais um pouco. “Brigam por superioridade”, grita um mais afoito do fundo. “Nem elas sabem”, dispara o engraçadão do grupo.

Afinal, o que mais as mulheres querem? Queriam direito ao voto? Pois conseguiram. Estudar? Já o fazem. Trabalhar? Sem nenhum problema. Mas é assim mesmo na “vida real”? Votar, estudar, trabalhar (para mencionar só os verbos mais comuns usados para justificar que as mulheres já conseguiram os tais direitos iguais que tanto buscam), são mesmo conjugados da mesma maneira por homens e mulheres? Eufemismo presente, só para esclarecer a analogia.

As mulheres votam sim, mas embora representem mais da metade da população brasileira continuam sendo minoria na política ou ocupando postos de menor relevância, mesmo com o aumento do interesse delas pela vida política, isso pouco ou nada tem refletido na presença de mulheres em cargos de direção de partidos, por exemplo.

O número de mulheres na Câmara dos Deputados, em 2019, representava um total de 15% de cadeiras, enquanto a média mundial é de 24,3%, segundo dados da União Interparlamentar. Há estados brasileiros que sequer têm representação feminina na Câmara, acreditem.

Mas tudo bem, a gente entende, afinal “política é coisa para homens”, nosso atavismo cultural ainda comanda esse campo, mas no campo profissional as mulheres não têm do que reclamar, têm amplo espaço no mercado de trabalho, não é mesmo? Basta não levarmos em consideração que 41,5% das mulheres com título universitário não trabalham, enquanto homens na mesma situação são apenas 17,2%, segundo a Organização Internacional do Trabalho, que também aponta que a diferença de remuneração entre homens e mulheres, na maior parte do mundo, é de cerca de 20%.

E sobre a maternidade? Ah, gerar um filho é uma dádiva, bênção dada a essa criaturas supervalorizadas, com seus úteros poderosos que geram vidas. Parabéns, mulheres! Menos se você quiser trabalhar fora, sim, porque pasmem, ainda que em casa as mulheres trabalham. Serviços domésticos exaustivos, maternidade 24 horas e 7 dias por semana, nenhum tempo para si própria, é de enlouquecer qualquer um, não é mesmo? Menos a mulher, porque a mulher já nasceu pronta para ser mãe e fazer mil tarefas, se ela reclama é porque é preguiçosa, uma péssima mãe, esposa, dona de casa… quantos títulos e tão pouco reconhecimento, porque agradecimento nem se espera.

Mas voltando às mamães que resolvem trabalhar fora, essas têm que encarar ainda a tal “penalização profissional da maternidade”. Você pode não conhecer o nome, mas certamente sabe que ela existe. Sabe que mulheres com filhos, ainda mais se forem menores de seis anos, são preteridas em detrimento daquelas sem filhos no mercado de trabalho. A proporção de mulheres em cargos diretivos sobe de 25% (com filhos menores de seis anos) para 31% se elas não tiverem filhos pequenos, dados também da OIT. Essa penalização da maternidade dificulta a chegada de mulheres a cargos de liderança e as acompanham durante boa parte de sua vida profissional.

Oras! Mas já conviveram durante tanto tempo com todas essas questões, até que não está mais tão ruim… E isso só mostra a força das mulheres. Se conseguem administrar tudo isso, o que mais querem então?

Ironias à parte, não seria necessário responder a essa pergunta, nem precisaríamos dos dados citados, bastava o bom senso. Mas é até ingênuo invocar bom senso num mundo que mata mulheres simplesmente por serem mulheres. É óbvio que ainda estamos longe da igualdade de direitos, principalmente no que concerne ao direito de dizer NÃO e sermos respeitadas.

No mês que tivemos que acompanhar enlutadas, entristecidas e indignadas a morte cruel de uma jovem chilena porque se recusou a manter um relacionamento com aquele que lhe roubou o direito de viver, temos que levantar a voz contra um dos maiores absurdos de todos os tempos e que ainda não foi superado: não temos direito de dizer NÃO? Que insanidade!

Queremos o direito de ter voz, de ter as nossas vontades e opiniões respeitadas, de caminhar em qualquer parte do mundo sem o medo de termos nossos corpos violentados, agredidos, abusados. Queremos o direito de ter direitos sem precisar estar a todo momento reafirmando eles, lembrando que uma lei nos ampara, nos garante. Chega a ser humilhante termos que estar na maior parte do tempo lembrando que temos direitos que para os homens são banais. É urgente a necessidade de mudarmos a cultura que leva o outro a acreditar que tem a posse e o domínio sobre o corpo de alguém, que é superior em algum aspecto e por isso pode controlar, abusar e agredir impunemente.

Desejamos que nenhuma mulher mais passe por isso! Igualdade não é uma questão de gênero, é uma questão de justiça!
In memorian de Karina Constanza Bobadilha Chat.

Francisca Brito

Advogada, Diretora de Políticas de Direitos Humanos e Políticas para as Mulheres, especialista em Direito do Consumidor e Didática do Ensino Superior