Imersão no Seringal Cachoeira emociona gestores de escolas públicas de Rio Branco

Naraline Araújo: "Foi uma experiência maravilhosa que vou levar comigo sempre" (Foto: Arison Jardim/Secom)

Naraline Araújo: “Foi uma experiência maravilhosa que vou levar comigo sempre” (Foto: Arison Jardim/Secom)

“Voltar quase sempre é partir para um outro lugar”, escreveu, na música Samba do Amor, o cantor e compositor carioca Paulinho da Viola. O trecho da canção ganhou sentido na vida de quase 20 gestores de escolas públicas de Rio Branco, que tiveram, entre os dias 1 e 3, a oportunidade de voltar às suas origens na 8ª Imersão ao Nosso Tempo e Espaço Originais, que aconteceu no Seringal Cachoeira, em Xapuri, a 190 km da capital.

Promovida pela Sociedade Filosophia e Biblioteca da Floresta/FEM, a atividade didática e psicofilosófica única no país tem como objetivo fazer com que os participantes se reencontrem com suas origens para compreenderem e transformarem seu tempo e seu espaço. Foram mais de 52 horas na floresta, hospedados na pousada ecológica do seringal, convivendo com índios e seringueiros e exercitando o diálogo entre a tradição dos povos da floresta e a modernidade dos moradores das cidades.

Essa foi a segunda imersão promovida especialmente para gestores de escolas. A primeira, em julho deste ano, contou com a presença de outros 20 diretores e coordenadores. Participaram ainda estagiários e servidores da Biblioteca da Floresta recém-contratados, como parte do programa de formação profissional da instituição, que colabora para a realização das imersões desde sua primeira edição, em 2008.

A programação envolveu 10 km de trilhas pelas matas; palestras com o assessor especial para assuntos indígenas do Governo do Povo do Acre, Zezinho Yube Huni Kui (ou Kaxinawá), e com o seringueiro Nilson Mendes, primo de Chico Mendes; uma visita à casa de Marlene Mendes, a idealizadora do último grande empate que aconteceu naquele seringal em 1988, meses antes da morte de Chico; e comunicação via rádio com outros Estados por meio do Grupo dos Radioamadores do Acre; além de atividades culturais.

“Fiquei muito emocionada em poder retornar às minhas origens. Nasci em Xapuri, sou filha de ex-seringueiros e tenho orgulho da minha história. Esse mergulho que fizemos no nosso interior, na nossa alma e nos nossos valores vai mudar minha vida”, disse a diretora da escola Berta Vieira, Maria de Nazaré Arruda, que já agendou a visita de Nilson Mendes ao colégio para contar suas experiências na floresta aos alunos.

Filha de seringueiros, Nazaré Arruda se emocionou ao reviver suas origens no seringal (Foto: Arison Jardim/Secom)

Filha de seringueiros, Nazaré Arruda se emocionou ao reviver suas origens no seringal (Foto: Arison Jardim/Secom)

A estagiária da Biblioteca, Naraline Souza de Araújo, nunca havia visitado um seringal, mas sentia curiosidade em conhecer. “Sempre fui muito urbana, mas tinha vontade de ir aonde ainda vivem muitos dos nossos seringueiros. Foi uma experiência maravilhosa que vou levar comigo para sempre”, afirmou a estudante de História da Universidade Federal do Acre (Ufac), que também possui descendência dos povos da floresta.

“Devemos agradecer à floresta, que nos acolheu com paz e segurança e, especialmente, agradecer a Chico Mendes e seus companheiros, porque sem eles nada disso seria possível. Não fosse sua luta o Seringal Cachoeira e a Pousada Ecológica administrada pelos seus moradores não existiriam”, comentou o diretor da Biblioteca da Floresta, moderador geral da Sociedade Filosophia e idealizador das imersões, Marcos Afonso Pontes.

Nilson Mendes: o professor da floresta

A nove quilômetros da Pousada Ecológica do Seringal Cachoeira existe um pequeno laboratório sustentável onde homens, animais e floresta convivem em harmonia. Construída no final da década de 1980, a casa ecológica de Nilson Mendes era cercada por pasto durante o processo de desapropriação dos seringueiros que viviam no local após a chegada dos fazendeiros. No começo da década seguinte, Nilson reflorestou a área e começou a estudar as plantas e suas relações com os animais.

Nilson Mendes lutou nos empates que construíram parte da história do Acre, hoje colhe frutos dessa batalha e segue firme nas vitórias que a Amazônia tanto precisa (Foto: Arison Jardim/Secom)

Nilson Mendes lutou nos empates que construíram parte da história do Acre, hoje colhe frutos dessa batalha e segue firme nas vitórias que a Amazônia tanto precisa (Foto: Arison Jardim/Secom)

O quintal cercado de mata proveniente de experiências agroflorestais e de manejo atrai animais como queixadas, macacos, pacas, cutias, pássaros e até onças. Essas experiências transformaram o seringueiro em um verdadeiro professor da floresta, que já foi consultado por biólogos de mais de 30 países e de vários Estados do país.

“Na floresta tem de tudo. O desafio é conhecer o que cada planta faz. Muita coisa está escrita, mas ainda existem informações que só o conhecimento tradicional possui e minha missão é repassar alguns desses saberes para os interessados”, disse. 

O grupo percorreu cerca de 10 km em trilhas na floresta (Foto: Arison Jardim/Secom)

O grupo percorreu cerca de 10 km em trilhas na floresta (Foto: Arison Jardim/Secom)

Nilson ganha a vida repassando seus conhecimentos. Ele é o guia florestal mais requisitado do seringal e há quase um ano deixou de cortar seringa para se dedicar exclusivamente a esse trabalho, que faz com amor e responsabilidade.

“Um bom guia, quando está nas trilhas com um grupo, nunca foge de um ataque de marimbondo ou se amedronta quando cruza seu caminho com alguma cobra. Ele encara qualquer ameaça e pode até dar a vida para proteger as pessoas”.

Foi Nilson quem guiou os participantes da imersão pelas trilhas na floresta. Na trilha da Coroa, o seringueiro apresentou plantas medicinais utilizadas até hoje pelos índios e extrativistas. No caminho da Samaúma, todos puderam abraçar a imponente árvore milenar de 35 metros de altura conhecida também como Rainha da Floresta.

Mas foi a trilha do Seringueiro que mais emocionou o grupo. Iniciada às 3 horas da manhã para simular a dura rotina de quem vive nos seringais, o caminho terminou na casa de Marlene Mendes, onde os participantes fizeram um “quebra jejum” tradicional e ouviram da prima de Chico todos os detalhes do último grande empate, onde mulheres e crianças se colocaram à frente das armas de fogo, dos tratores e das motosseras para impedir a derrubada da floresta por fazendeiros escoltados por policiais.

O tempo e o espaço da nação Huni Kui

Nos Diálogos da Florestania, índios e seringueiros falaram sobre seu tempo e seu espaço (Foto: Arison Jardim/Secom)

Nos Diálogos da Florestania, índios e seringueiros falaram sobre seu tempo e seu espaço (Foto: Arison Jardim/Secom)

No Diáologo da Florestania que abriu a programação da imersão, Zezinho Yube, ao lado de sua mulher Paê e do filho Maití, falou sobre como os povos indígenas percebem o mundo à sua volta. Nascido na aldeia Três Fazendas, nas margens do rio Jordão, no interior do Acre, o assessor especial para Assuntos Indígenas explicou que seu povo não é refém do tempo e do relógio, como acontece entre os moradores das cidades.

“Nas aldeias não existem horários, apenas a manhã, a tarde e a noite. O dia parece ser mais longo porque quem faz nosso tempo somos nós mesmos. O verão, o inverno e a friagem são anunciados pelos pássaros, árvores, sapos e rios. Em relação ao espaço, não há delimitação de território por família. Cada hectárie de terra da aldeia pertence a todos os seus moradores, pois as terras indígenas são espaços coletivos”, afirmou.

25 Anos Chico Mendes Vive Mais

O líder seringueiro Chico Mendes foi lembrando durante toda a imersão ao seringal onde morou (Foto: Arison Jardim/Secom)

O líder seringueiro Chico Mendes foi lembrando durante toda a imersão ao seringal onde morou (Foto: Arison Jardim/Secom)

A atividade fez parte da programação dos “25 Anos Chico Mendes Vive Mais”, um conjunto de ações realizadas ao longo do ano para celebrar os ideais do líder seringueiro e ambientalista xapuriense. A Biblioteca da Floresta é uma das mais de 30 instituições que compõem a comissão especial dirigida pela primeira-dama Marlúcia Cândida e criada para promover os eventos em alusão aos 25 anos sem Chico Mendes.

A imersão contou com o apoio das secretarias de Estado de Educação e Esporte (SEE), Comunicação e Turismo (Secom/Setul), Saúde (Sesacre) e Extensão Agroflorestal e Produção Familiar (Seaprof), Fundação de Cultura Elias Mansour, Assessoria Especial para Assuntos Indígenas do Governo do Estado, Grupo Gama Hydra de Astronomia, Clube dos Escoteiros Chico Mendes e Grupo dos Radioamadores do Acre. 

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Escolas representadas na 8ª Imersão

Berta Vieira;

Almada Brito;

Lourenço Filho;

 Diogo Feijó;

 José Sales de Araújo;

Madre Hildelbranda da Brá;

Djalma Teles Galdino;

Alcimar Leitão; e

Iracema Gomes Pereira.{/xtypo_rounded2}

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